Semana de leilões bem-sucedidos traz alerta sobre agências reguladoras
Maratona de concessões atraiu investidores; agora é hora de afastar soluções populistas
Esta é uma semana especialmente interessante para o mercado brasileiro de infraestrutura, com a oferta ao setor privado de concessões em rodovias e em saneamento básico.
Mesmo sendo projetos fora do que se costuma chamar de “filé mignon” para investidores, todos receberam propostas. Isso já garante que os leilões, a partir desta quarta-feira (30), serão exitosos.
Qual é a lição? Duas.
- Primeira: boas modelagens são sempre capazes de minimizar riscos e viabilizar projetos desafiadores.
- Segundo (e gritante) ensinamento: investidores têm sinalizado que, apesar de solavancos e ameaças, confiam na segurança jurídica e na estabilidade regulatória do país.
Portanto, não se deve mexer bruscamente nas agências reguladoras e perseguir caminhos populistas para dar satisfações imediatas aos usuários que reclamam dos serviços públicos.
Vamos aos fatos. Nesta segunda-feira (28), a Rota do Zebu — um trecho de 439 quilômetros da BR-262 entre Uberaba (MG) e Betim (MG) — atraiu dois grupos para o leilão organizado pelo governo federal.
Um é o BTG Pactual, o que mostra um novo perfil de concorrentes no mercado de concessões de rodovias — os fundos de investimentos. Outro é a Way/Kinea — consórcio que une um grupo operador de estradas privatizadas no Mato Grosso do Sul e outro fundo de investimentos.
A abertura dos envelopes ocorrerá na quinta-feira (31), na B3, em uma disputa que tem a menor tarifa de pedágio como critério.
Um dia antes haverá o leilão da Rota Sorocabana, um conjunto de 460 quilômetros de rodovias no estado de São Paulo, com investimentos previstos de R$ 8,7 bilhões em 30 anos.
Quatro interessados entregaram ofertas: CCR, Ecorodovias, EPR e Pátria. O governo paulista fixou uma outorga mínima de R$ 597,5 mil e vence quem apresentar o maior ágio.
Também na quarta-feira (30), o Piauí realiza o leilão dos serviços de água e esgoto nos 224 municípios do estado, excluindo apenas a zona urbana de Teresina (as áreas rurais foram incluídas no contrato).
Em agosto, o governo estadual — comandado pelo PT — fez uma primeira tentativa de leilão e não apareceu ninguém.
A equipe do governador Rafael Fonteles fez o dever de casa. Foi ao mercado perguntar o que afugentava interessados e ouviu que o valor de outorga, com R$ 1 bilhão pagos à vista, estava salgado demais.
O Piauí, então, resolveu parcelar esse pagamento em até 20 anos e remarcou o leilão. A Aegea, uma das líderes no mercado de saneamento, apresentou proposta e deverá levar a concessão — bastando, para isso, comprovar os requisitos necessários do edital.
É um projeto que exige R$ 8,6 bilhões em investimentos para universalizar os serviços até 2033. Hoje a coleta e o tratamento de esgoto no interior abrange apenas 5% dos habitantes em um estado ainda marcado pela pobreza.
Daí se pode dizer, com tranquilidade, que o projeto está muito mais para “osso” do que para “filé” entre potenciais investidores — assim como todos os outros da maratona de leilões da semana. Foi preciso construir uma boa modelagem para “vendê-los” com sucesso.
São contratos com algumas décadas de duração e bilhões de reais em investimentos. Isso requer um ambiente previsível, em que regras não serão alteradas conforme a conveniência do governante de turno. Ciclos políticos começam e terminam. Os novos concessionários da Rota do Zebu, da Rota Sorocabana e do saneamento no Piauí provavelmente ainda estarão lá.
Moral da história (ironicamente no “day after” de uma eleição): o melhor é deixar a política fora das agências. A lei de 2019 pode até ser aperfeiçoada, mas tem muito mais belezas do que feiura.
Os mandatos não-coincidentes — dos diretores de órgãos reguladores entre si e dos diretores-gerais com o presidente da República — jogam contra a captura pelo Poder Executivo.
Quando um grupo privado investe pesado em uma concessão de serviços públicos, precisa ser remunerado com justiça.
Ele não quer receber reajuste de 5% da tarifa se o contrato permite 10%. Exigirá reequilíbrio econômico se a construção da usina hidrelétrica ou da linha de transmissão atrasar por falta de licença ambiental. Pedirá compensações se um desastre climático arruinar a pista do aeroporto e impedir voos. Isso está na essência do compartilhamento de riscos.
Atitudes como “controle social”, destituição dos diretores por “mau desempenho” ou revisão das decisões por “instâncias revisoras” — seja lá o que signifiquem essas ideias — só vão afastar investidores e tornar as contas mais dolorosas para os consumidores.
As agências reguladoras podem e devem receber críticas, mas o voluntarismo e o populismo estarão sempre em falta de sintonia com eventuais aperfeiçoamentos.