Primeiro pedágio sem cancelas do país começa a operar na Rio-Santos; veja como funciona
Sistema "free flow" elimina praças de pedágio, com cobranças feitas por leitura de câmeras de trânsito
O primeiro pedágio sem cancelas do país começou a operar nesta semana em trechos da rodovia Rio-Santos (BR-101), com pórticos instalados nos municípios fluminenses de Paraty (km 538), Mangaratiba (km 447) e Itaguai (km 414).
O sistema “free flow”, sob responsabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e da concessionária CCR Rio/SP, estará em fase de testes ao longo de todo o mês de fevereiro, durante o qual serão feitas análises de fluxos de motoristas e do funcionamento das tecnologias.
Os condutores não serão cobrados nesse período piloto — apenas a partir de março, quando o sistema de fato começa a funcionar –, disse a CCR em nota.
Como o free flow elimina as praças de pedágio, as cobranças serão feitas por leitura de imagem, com valores proporcionais aos quilômetros rodados.
Funciona assim: ao passar por debaixo dos pórticos, câmeras identificam o veículo — seja por tag instalada no para-brisa, seja por placa — e cobram o motorista automaticamente, sem necessidade de paradas ou diminuição de velocidade.
Usuários com tag terão 5% de desconto nas tarifas, e veículos leves terão dedução progressiva a partir da segunda passagem, desde que realizada no mesmo local, sentido e mês. De acordo com a CCR, os descontos podem variar de 5% a 70%.
Quem tem Sem Parar precisa trocar ou adicionar outro aparelho?
A CNN procurou a Sem Parar, empresa líder no setor de etiquetas de pagamento automático, e, segundo ela, não será necessário trocar ou adquirir uma nova tag para essa tecnologia.
Ou seja, motoristas que já têm uma instalada, independentemente da empresa operadora, não precisarão fazer quaisquer mudanças. “Todas as tags são interoperáveis com os sistemas de fila automática com cancela e o free flow, que irão coexistir por alguns anos”, disse a Sem Parar.
“Na Rio-Santos, os carros equipados com tag serão identificados e tarifados pela concessionária após passar pelos pórticos de controle, e o cliente será cobrado automaticamente em sua fatura.”
E para quem não tem o adesivo de pagamento automático?
Para quem não tem o adesivo de pagamento automático no para-brisa, a tarifa pode ser quitada por WhatsApp, aplicativo ou portal da concessionária, além de carteira digital, com PIX ou cartão de crédito.
O motorista tem até 15 dias corridos para efetuar o pagamento — caso o período seja ultrapassado, ele será autuado por infração de trânsito, prevista no art. 209-A da Lei n.º 9.503 de setembro de 1991, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Os valores ainda não foram divulgados pela ANTT.
Tecnologia de “smart cities”
O sistema free flow chegou ao Brasil por meio da empresa austríaca Kapsch, com quem a CNN conversou com exclusividade no final do mês passado.
Segundo Alfredo Escribá, Chief Technology Officer (CTO) global da empresa, o novo modelo de pedágio alia conveniência ao usuário à redução de congestionamento nas rodovias e ganhos ao meio-ambiente.
“O sistema free flow é significativamente mais conveniente para o usuário, que não vai precisar parar ou ver se tem dinheiro o suficiente para pagar a tarifa. E ainda elimina filas, o que reduz o trânsito e, por consequência, as emissões de poluentes, já que toda vez que o carro para e volta a andar, mais combustível é consumido e mais poluentes são emitidos”, diz ele.
O free flow, por essência, se encaixa no conceito de tecnologias de “smart cities” (cidades inteligentes, no inglês), que, na definição da União Europeia, são aquelas cujas redes e serviços tradicionais “são mais eficientes, com uso e soluções digitais em benefício de seus habitantes e negócios”.
Pedágios sem filas, dentro dessa lógica, colaboram para atenuar alguns problemas de mobilidade urbana e melhorar a qualidade de vida dos condutores. Isto é, ao menos em tese.
Na análise do diretor do Fundação Getulio Vargas (FGV) Transportes, Marcus Quintella, a garantia dos benefícios do sistema free flow depende da infraestrutura de onde ele é instalado.
“Antes da tecnologia existir, precisamos de um sistema físico. E, em termos de cobrança, tecnologia e conscientização, vai ter um aperto ao longo do tempo para não ter uma inadimplência muito grande”, diz ele em entrevista.
Quintella lembra que o modelo não é restrito aos países desenvolvidos: “Já é usado em países da América do Sul, como Chile e Equador. Não é uma tecnologia exatamente nova, mas precisa de tempo e recursos para deslanchar.”
É por isso que, de início, o modelo free flow será testado na BR-101 antes de se espalhar pelo país. Escribá estima algo em torno de 10 a 15 anos para que o sistema esteja inteiramente disseminado pelo país.
“As previsões variam de país para país. Nos Estados Unidos, por exemplo, a transição para pedágios free flow começou há 15 anos. São coisas que demoram, e não tem problema levar mais tempo para atingir metas de forma consistente, passo por passo”, disse ele.
“Imagino que leve mais de 10 anos até que a grande maioria dos pedágios do Brasil seja free flow.”
Pedágios urbanos e taxação de congestionamento
O modelo de pedágios free flow pode ser aplicado em grandes cidades, segundo os especialistas, para controlar o trânsito em determinados perímetros.
“Em muitos lugares na Europa e nos EUA, existem discussões e planos de implementar pedágios urbanos como forma de reduzir os congestionamentos ou, em outros casos, as emissões de gás carbônico de algumas cidades, a depender das metas traçadas por cada uma delas”, explica Escribá.
“É isso que está por vir em termos de gerenciamento de tráfego e mobilidade em smart cities. Acreditamos que há muito espaço para desenvolver esse tipo de plano nas cidades brasileiras.”
Quintella, porém, reforça a ressalva: antes de a tecnologia ser implementada, é preciso que a infraestrutura urbana acompanhe o movimento.
“Os pedágios urbanos dariam certo dentro de um contexto de oferta maciça de transporte público, que venha a atender todas as pessoas que estariam ‘proibidas’ de transitar em determinados locais de forma econômica, rápida e eficiente. Tem que cobrir a região limitada por esse ‘cinturão’ com transporte de qualidade, porque, caso não, seria infringir o direito de ir e vir dos cidadãos.”
Em cidades como São Paulo — onde moradores reclamaram em 2015, quando o então prefeito Fernando Haddad propôs uma redução de velocidade nas marginais –, os especialistas avaliam que a resposta imediata seria de descontentamento.
“Isso acontece em qualquer cidade do mundo. Quando converso com ministros e secretários, por exemplo, sempre ressalto que haverá resistência para qualquer mudança de comportamento. O ser humano odeia mudanças”, diz Escribá.
“Mas, na minha experiência, o que normalmente acontece é que a resistência cede lugar para a aclamação quando a tecnologia dá certo. Quando ela funciona e gera as melhorias que ela se propõe a gerar, é difícil ver a resistência persistindo.”