Enquanto uns choram, outros vendem o lenço: conheça a economia de divórcios na China
Número de separações atinge picos históricos em meio mudanças na sociedade chinesa
Como fotógrafa de casamento, o sustento de Tan Mengmeng depende muito do casamento das pessoas, registrando a alegria e a felicidade do amor de um casal.
Mas a taxa de casamento na China tem diminuído constantemente e a jovem de 28 anos, que dirige um estúdio de fotografia na província central de Henan, sentiu a necessidade de expandir seu fluxo de receita para capitalizar uma tendência crescente: o divórcio.
Além de amantes trocando votos, ela agora tira fotos de casais que querem comemorar e, em muitos casos, celebrar o fim do casamento.
Os números oficiais mostram que as taxas de casamento na China estão despencando, diminuindo anualmente de cerca de 13 milhões em 2013 para menos de 7 milhões em 2022, o menor desde que os registros começaram em 1985, de acordo com dados oficiais.
O país viu um ligeiro aumento no ano passado, para 8 milhões, mas as autoridades continuam preocupadas com a tendência.
Enquanto isso, o número de divórcios aumentou, atingindo um recorde de 4,7 milhões em 2019, mais de quatro vezes maior do que duas décadas atrás, conforme os dados.
O governo tentou reverter a escalada, impondo uma nova lei em 2021 exigindo que casais passassem por um período de “esfriamento” de 30 dias antes de se separarem.
Isso levou a um declínio temporário, mas o número de divórcios aumentou novamente: 25% em 2023, em relação ao ano anterior, mostraram os registros.
As duas mudanças contribuem para uma crise demográfica cada vez mais profunda enfrentada pela segunda maior economia do mundo, exacerbada por uma economia em desaceleração, uma população que envelhece rapidamente e que menos mulheres estão tendo filhos após a política de filho único de décadas.
Tan diz que mudou seus serviços de fotografia para divorciados após ver as longas filas do lado de fora dos escritórios do governo que lidam com a separação.
Desde o ano passado, Tan fotografou cerca de 30 casais, capturando momentos de desgosto e alegria enquanto eles rompem os laços conjugais.
“Este é um bom negócio. Afinal, alegria e tristeza valem a pena ser registradas”, disse Tan.
Mudanças de atitude em relação ao divórcio
Sua incursão na economia de divórcios da China revela muito sobre a mudança de atitude do país em relação ao casamento.
Enquanto a separação costumava atrair estigma na sociedade chinesa, que sempre deu grande ênfase à unidade e estabilidade familiar, muitos jovens agora estão optando por não se casar. Para aqueles que optam por se casar, há maior aceitação se o casamento não der certo.
A mudança cultural gerou um negócio crescente em fotografia de divórcio não apenas para Tan, mas também para outros fotógrafos que esperam lucrar.
Fotos compartilhadas na mídia social chinesa Xiaohongshu mostram alguns casais assinando seus papéis de divórcio, enquanto outros posam com sua certidão de separação.
“29 anos. Feliz divórcio”, escreveu um usuário ao lado de uma foto de suas certidões de casamento e divórcio lado a lado.
As empresas agora também oferecem serviços para se livrar de lembranças antigas de casamento e quaisquer outras memórias indesejadas de forma cerimonial.
Peng Xiujian, pesquisadora sênior da Victoria University/,na Austrália, diz que os tempos de mudança refletem uma geração mais jovem priorizando a liberdade pessoal e o desenvolvimento profissional.
“A ideia de permanecer em um casamento infeliz ‘por uma questão de aparências’ ou por obrigação está perdendo força”, disse ela.
Peng, que estuda tendências demográficas na China, também atribuiu o declínio nos casamentos a fatores econômicos e sociais, incluindo o ambiente de trabalho de alta pressão, um mercado de trabalho competitivo e o alto custo de vida.
Para aqueles que escolhem o divórcio, não é mais visto como vergonhoso, diz Tan.
“Não é vergonhoso ser corajoso o suficiente para se divorciar”, disse Tan. “Ambas as partes ainda têm sentimentos, e querem comemorar o relacionamento.”
Um casal que contratou Tan escolheu um restaurante onde tiveram seu primeiro encontro. O casal pediu alguns pratos nostálgicos, sentados um de frente para o outro, imóveis.
“No final da sessão de fotos, os dois choraram”, disse Tan.
Enquanto eles cuidavam um do outro, a esposa não conseguia mais suportar discussões com os sogros, e o marido estava muito envolvido no trabalho para ajudar a resolver os conflitos, disse Tan.
Alguns rompimentos, é claro, são menos mútuos.
Tan disse que um homem passou a sessão de fotos inteira mexendo no telefone. A mulher começou a chorar.
Quando a mulher recebeu as fotos de volta, ela percebeu que não havia muitas com o ex-marido.
“Não ousei dizer a ela que foi o homem que me pediu para tentar não tirar fotos do rosto dele”, disse Tan.
Logo depois, Tan descobriu que o homem havia contratado outro fotógrafo para tirar fotos do casamento com sua nova parceira.
Embora as clientes mulheres sejam responsáveis pela maioria dos pedidos que ela recebe, Tan diz que garante que os homens também dividam os custos.
Uma fábrica de divórcio
Em uma fábrica a 96 quilômetros da capital chinesa, Pequim, Liu Wei e sua equipe administram um negócio que ajuda casais divorciados a destruir as evidências de seu casamento.
Rostos em fotos antigas de casamento são pintados com spray, para garantir que a privacidade seja respeitada, antes de serem jogados em um triturador junto com outros símbolos de memórias.
Para aqueles que buscam desesperadamente um encerramento e seguir em frente, todo o processo é filmado.
Liu disse que às vezes se sente como um médico, tendo que navegar pelas separações sem ficar muito emocionado.
“Um divórcio pode não ser necessariamente uma coisa ruim. Pode ser uma coisa boa. Então não há necessidade de ficar triste com isso”, disse Liu à CNN.
Seus serviços, que custam entre US$ 8 e US$ 28 (R$ 43,40 a 151,80, na atua cotação), têm uma demanda tão alta que os negócios estão prosperando, disse ele.
Desde que sua fábrica abriu em 2021, ele já destruiu fotos de casamento de cerca de 2,5 mil casais.
Gary Ng, economista do banco de investimento francês Natixis, disse que, embora seja difícil prever o tamanho do mercado e o espaço para crescimento, o aumento das taxas de divórcio na China significa que “certamente haverá mais atividades econômicas em torno dele”.
Tan, a fotógrafa, já está pensando no futuro sobre como expandir seus negócios. Seu plano mais recente envolve atrair clientes recorrentes, caso o destino reúna os casais divorciados.
“Eu darei a eles um desconto de 18% se as duas pessoas se casarem novamente e me pedirem para tirar fotos”, disse ela.
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