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    Negócios no setor de saúde não devem representar prejuízo a clientes, dizem especialistas

    Movimentações envolvendo a SulAmerica e Amil, no início deste ano, são 'normais' no setor, que conta com regulação específica, além da atuação de órgão de direito do consumidor e da justiça

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business em São Paulo

    O setor de saúde passa por um processo de consolidação que se intensificou na pandemia. Só neste ano, negociações envolvendo a seguradora SulAmérica  e o Grupo Amil colocaram em alerta cerca de 13 milhões de clientes das duas empresas. Para especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, as movimentações “são normais” neste mercado, desafiado por custos e riscos elevados, e não devem representar perdas para os usuários.

    No entanto, em caso de prejuízo, eles destacam mecanismos e leis nos quais os consumidores podem se apoiar. Além de o setor ter uma agência reguladora específica, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de saúde são produtos cobertos por uma série de leis e regras que buscam proteger e orientar os usuários.

    Em relação ao negócio envolvendo a SulAmérica, a empresa anunciou em 23 de fevereiro deste ano um acordo de compra pela Rede D’Or, do setor hospitalar, sendo uma mudança de controle societário, e não de posse de carteiras de planos de saúde.

    Em nota, a SulAmérica afirmou que a negociação ainda precisa ser autorizada pelos acionistas das duas companhias e pelos órgãos reguladores competentes, e que “o cliente SulAmérica continuará usando seus produtos e serviços da mesma forma que usa atualmente”.

    “A SulAmérica mantém seus compromissos com seus mais de 7 milhões de clientes com o apoio dos seus 4 mil colaboradores, 36 mil corretores e parceiros comerciais, além dos 1200 hospitais e 23 mil prestadores de saúde presentes em sua rede assistencial”.

    Já no caso da Amil, que tem 5,6 milhões de clientes, a empresa realizou uma transferência para a sua subsidiária APS de uma carteira de cerca de 340 mil usuários de planos individuais nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.

    A mudança foi analisada e autorizada pela ANS em dezembro de 2021, e concluída em 1º de janeiro de 2022. À CNN Brasil, a Amil disse que “não houve nenhuma modificação de rede credenciada e de contrato vigente com os beneficiários em função da transferência de carteira”.

    Entretanto, o caso ganhou um novo capítulo em fevereiro deste ano, quando a ANS suspendeu uma tentativa da controladora da Amil, a UnitedHealth, de se retirar do quadro societário da empresa, ao mesmo tempo em que a Amil e outra operadora do grupo, a Santa Helena, deixariam o quadro de sócios da APS.

    A suspensão ocorreu, segundo a ANS, porque a agência não recebeu nenhum pedido de alteração de estrutura societária.

    Desde então, foi aberto um processo administrativo para esclarecer o caso, e posteriormente a agência poderá autorizar, ou não, a mudança societária. Na fase atual, as empresas tiveram até a quinta-feira (17) para esclarecer informações e enviar documentos solicitados.

    Dentre os documentos estão um lado de fundamentação para preço da venda, descrição de serviços fornecidos pela APS e por terceiros, demonstração de capacidade de atendimento da APS em relação aos serviços a serem prestados e demonstração de capacidade financeira de operação.

    “A APS continua sob o controle da Amil e a Amil continua sob o controle do UnitedHealth Group. Todos os beneficiários de planos individuais transferidos da Amil para a APS permanecem sob a responsabilidade da APS e a APS permanece integrando o Grupo Amil, logo, todos os beneficiários permanecem sob a responsabilidade do Grupo Amil”, diz a agência.

    Outro problema foi que alguns detentores dos planos de saúde que migraram para a APS começaram a reclamar de redução da rede de atendimento. Em 14 de março, a ANS convocou a Amil e a APS para apresentar um plano de ação para todos os clientes transferidos.

    O plano, apresentado na quarta-feira (16), inclui ações como redução de tempo para autorização de cirurgias eletivas, retirada temporária de autorização prévia para liberação de exames laboratoriais, redirecionamento dos beneficiários transferidos para o portal da Amil, reforço de comunicação com os beneficiários e atualização da base de prestadores não hospitalares da APS no portal.

    Em relação a mudanças na rede credenciada, a Amil disse que não houve “nenhum ajuste atípico”, mas sim movimentações tradicionais a cada ano e que seguiram as normas da ANS.

    À CNN, a ANS afirmou que “continuará monitorando os prazos de atendimento e a assistência conferida aos clientes, bem como todos os processos e exigências que precisam ser cumpridos pelas empresas no âmbito da regulação.

    “A agência tem afirmado que não pode haver, em hipótese alguma, a interrupção da prestação de assistência aos beneficiários da carteira da APS, principalmente aos que estejam em regime de internação hospitalar ou em tratamento continuado”.

    A orientação da ANS é que usuários que tenham problemas procurem primeiro a Amil. Caso não haja solução, é possível registrar reclamação junto à agência.

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    Situação do setor

    Kloh vê o caso da Amil com preocupação. No entanto, ele diz acredita que a ANS vai exigir garantias mínimas da operadora, sob pena de a carteira voltar para a Amil. “A APS deve conseguir cumprir, no papel, mas não tem como garantir a qualidade”, afirma.

    Ele também adverte para um sistema que mostra “insustentável”.  “A base de usuários não é muito grande, mas o custo do sistema é muito alto, em especial do ponto de vista de risco versus custo”.

    Já Alessandro Toledo vê um processo natural de ascensão de grupos maiores absorvendo empresas menores, que não têm mais condições de subsistir.

    No caso da Amil, ele destaca a mudança de titularidade de carteira de uma empresa maior e com mais recursos para outra bem menor, com menos capacidade e experiência, que até então tinha cerca de 10 mil beneficiários.

    “O investimento [da United, acionista majoritária da Amil e da APS] não está tendo o retorno esperado, por uma série de razões, como falha de condução de operações, falta de controle de sinistralidade. A sinalização é que a United estaria disposta a sair do Brasil”, avalia.

    Mas mesmo esses planos agora precisarão ficar em pausa, e aguardar a próxima decisão da ANS.

    Já no caso da SulAmérica, ele avalia que “as aquisições são bem-vindas”. “Quando tem operadora com atendimento mais restrito e ela é adquirida por uma maior, a expectativa é ter acesso a mais serviços. Mas tem que ficar preocupado se os direitos serão garantidos, sem descontinuidade, e para isso tem a lei dos planos de saúde, a regulação de ANS”.

    O que diz a legislação

    Alessandro Acayaba de Toledo, presidente da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (ANAB), afirma que toda mudança de carteira de planos de saúde ou de composição societária de empresa do setor passa pela análise e aprovação da ANS.

    O objetivo, segundo ele, é “verificar as condições dos novos acionistas e se [o grupo em questão] tem capacidade técnica e financeira de manter a empresa em seus padrões”.

    Segundo ele, movimentações de titularidade não mudam necessariamente a prestação dos serviços, já que a lei não permite isso. Ou seja, os direitos dos beneficiários permanecem os mesmos.

    Caso a nova controladora da empresa ou carteira de planos exclua um hospital, médico ou laboratório da rede, ela é obrigada pelas normas da ANS a substituir por um equivalente.

    “Se as regras são descumpridas, [o usuário] pode buscar seus direitos junto à própria ANS, e até o Judiciário”, diz.

    O professor da FGV Direito Rio, Gustavo Kloh, afirma que a verificação de mudanças nas redes de planos é, em geral, mais difícil de ser feita em grandes cidades do que em locais menores.

    Em cidades menores, a rede já é pequena, e a perda de um hospital ou médico é percebida e comprovada de forma mais simples. Já em cidades maiores, em especial capitais, as mudanças de rede são muito mais qualitativas do que quantitativas.

    A determinação de qualidade, porém, é subjetiva, o que pode dificultar a comprovação de piora do serviço da rede e de prejuízo ao cliente. Kloh avalia que é sempre possível reclamar nesses casos com a ANS ou órgãos de defesa do consumidor, além da via judicial.

    “As operadoras têm como estratégia não negociar porque é um mercado estressado, muitos planos de saúde vêm fechando, com dificuldades financeiras, margem pequena, inadimplência grande, não é porque é caro que está bem financeiramente”, afirma.

    Para quem busca ações judiciais, Kloh considera que as individuais costumam ser mais eficientes que as coletivas, já que é possível negociar soluções pontuais caso a caso ou emitir liminares. A velocidade de análise també tende a ser maior, segundo o professor.

    Portabilidade de plano

    Toledo pondera que, mesmo quando o consumidor não é prejudicado, ele pode se sentir inseguro em cenários de mudança de titularidade de carteira ou controle da empresa. Nessas situações, há ainda outra opção, a portabilidade. O termo se refere à mudança de um plano de saúde para outro, e pode ser feita por qualquer beneficiário.

    Mas o processo tem algumas regras. “A pessoa tem que ter pelo menos 1 ano no plano em dia com a mensalidade, e se a mudança for de plano individual para coletivo, é necessário ter vínculo com entidade de classe”, afirma Teledo.

    Ele lembra que a migração não tem custo (ou taxas), e a ideia é carregar carências já consumidas no plano de origem. “Não é preciso cumprir um novo. É algo mais novo, e vale para qualquer tipo de plano desde 2019”, diz.

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