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    Na briga entre Itaú e XP, o que o investidor ganha?

    Banco criticou modelo de remuneração de agentes autônomos e foi contra-atacado pela corretora. No mercado, há quem diga que ambos estão ultrapassados

    Itaú: banco criticou modelo de remuneração de agentes autônomos, usado pela XP, e recebeu contra-ataque da corretora da qual detém 46% do capital
    Itaú: banco criticou modelo de remuneração de agentes autônomos, usado pela XP, e recebeu contra-ataque da corretora da qual detém 46% do capital Foto: Pilar Olivares - 6.jul.2017/ Reuters

    Luísa Melo, do CNN Brasil Business, em São Paulo

    A troca de farpas entre Itaú e XP colocou as duas empresas – que são sócias, é bom lembrar – sob os holofotes nos últimos dias. Em síntese, um lado acusa o outro de atuar em benefício próprio em detrimento do interesse dos investidores. 

    A polêmica ganhou as manchetes e gerou uma chuva de memes na internet. Também trouxe à tona a necessidade de maior transparência nas corretoras, especialmente num momento em que a concorrência é acirrada pelo juro nas mínimas históricas, e levantou uma questão sobre qual modelo de venda seria mais vantajoso para o consumidor. 

    No mercado, “ex-XPs” dizem que tanto bancões quanto a corretora (e similares) estão ultrapassados e que o caminho aponta para a chegada no Brasil de um “sistema de investimentos 3.0”, com menos intermediários, parecido com o que se vê nos Estados Unidos.

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    A XP transformou a maneira de investir do brasileiro ao lançar uma plataforma aberta, que reunia em um só lugar produtos de diversas instituições financeiras. Arrancou clientes dos bancos sob o argumento de que, por ofertarem apenas produtos próprios, eles nem sempre entregavam o mais interessante para os clientes – e que gerentes precisavam empurrar certos investimentos para bater metas.

    Os bancões acabaram forçados a também distribuir fundos de terceiros para não ficar para trás, movimento visto nos segmentos de alta renda. O incômodo no setor foi tamanho a ponto de o Itaú, maior banco do país, decidir comprar a XP. Impedido de assumir o controle pelo regulador anticoncorrencial, o Cade, acabou com 49,9% do negócio, fatia que foi diluída para 46% depois da abertura de capital da corretora em Nova York, no fim do ano passado.

    A transação “validou” ainda mais a XP e atraiu novos investidores. Hoje, ela já vale metade de todo o banco: US$ 25,5 bilhões, contra US$ 46,6 bilhões, conforme cálculo da Economatica. É um valor de mercado maior do que o do Banco do Brasil, por exemplo.

    A briga

    Mas, nesta semana, o Itaú, até então passivo, partiu para o ataque. Em comercial em horário nobre na TV, insinuou que o modelo de remuneração dos agentes autônomos, frente de vendas de corretoras como a XP e o banco BTG Pactual, gera conflito de interesses e não beneficia o investidor. Uma narrativa parecida com aquela da qual foi vítima.

    O pagamento dos agentes vem de uma taxa que as corretoras recebem de volta das gestoras dos fundos (ou de outros produtos) quando eles são vendidos, uma espécie de comissão chamada “rebate”. Acontece que essa taxa varia conforme o investimento, o que faria com que os vendedores preferissem recomendar aos clientes os de maior rebate. Esse sistema não deixaria claro para o investidor quanto a corretora e o agente ganham em cada situação, o que a XP nega.

    O comercial não citava a XP, mas seu sócio e presidente, Guilherme Benchimol, vestiu a carapuça e não deixou barato. Correu para as redes sociais e jornais para dizer que a empresa é transparente e que não há nada de errado no fato de os agentes autônomos serem remunerados por seu trabalho. Acusou os gerentes de banco de ofertarem produtos “desnecessários”, como títulos de capitalização, além emprestarem dinheiro com as “mais altas taxas de juros do mundo.”

    “Se tem algo que o banco não é, nem nunca foi, é ser feito para você”, afirmou, em uma clara referência ao slogan do Itaú.

    Gabriel Leal, sócio-diretor da firma, afirmou em entrevista a jornalistas que a campanha do Itaú foi motivada pelo “desespero” por perder R$ 150 milhões em transferências diárias para a corretora, ritmo que, segundo ele, em três anos acabaria com o Personnalité, seu segmento de alta renda. Disse ainda que o banco cobra taxas de administração de 3,5% em fundos de previdência (quando a Selic está em 2,25%). 

    Os dois ainda declararam que se o banco não está satisfeito com a conduta da companhia, deveria repensar seu investimento nela. 

    No auge da provocação, a XP fez uma campanha nas redes sociais prometendo um colete acolchoado com a marca da empresa a quem migrar seu dinheiro do Itaú para a corretora. A peça de roupa é uma espécie caricatura dos agentes do mercado financeiro da região da Faria Lima, em São Paulo. Procurada pelo CNN Business, a XP não deu entrevista.

    Em nota, o Itaú disse que a campanha visa destacar “atributos positivos” do Personnalité, entre eles a plataforma aberta de produtos financeiros e um modelo de incentivo de gerentes com “foco no longo prazo” e na satisfação do cliente.

    “O Itaú Unibanco acredita que ética independe de modelo e há bons profissionais em todas as configurações, seja um agente autônomo ou um gerente de banco. O Itaú Unibanco está sempre aberto ao debate transparente e honesto, e não é diferente desta vez”, diz o texto.

    Outras formas de vender

    Há competidores no mercado (bem menores) que vendem investimentos de maneira diferente. É o caso da Easynvest, segunda maior corretora independente do país, atrás da XP. Ela não tem agentes autônomos que fazem recomendações, é o próprio cliente quem contrata o produto – e paga uma taxa de corretagem sobre o valor investido, que varia conforme o que ele escolher. No caso da renda fixa, não há cobranças.

    Amerson Magalhães, diretor de operações da Easynvest, defende a dinâmica e diz acreditar que cada vez mais os consumidores estarão preparados para tomar decisões sozinhos, mas não condena a distribuição comissionada, desde que feita às claras.

    “É um modelo que faz sentido e não acho que está se esgotando”, diz. “Acho que a transparência deveria existir. Se tem [comissão], tem que mostrar, ficar muito claro para o investidor quanto ele está pagando. Muitas vezes o administrador pode estar ganhando até mais do que ele”, pondera.

    As duas fórmulas têm alcances distintos. Com 7 mil assessores independentes, em 19 anos de operação a XP administra cerca de R$ 400 bilhões em ativos de 2,2 milhões de investidores. Já a concorrente, com dois anos a mais no mercado, tem sob custódia R$ 21 bilhões de 1,4 milhão de clientes. 

    Outra que também não trabalha com comissionamento é a corretora e gestora Warren, de Marcelo Maisonnave, cofundador da XP que se desligou da companhia há seis anos. A empresa cobra do investidor um percentual fixo de 0,5% a 0,7% sobre o patrimônio aplicado (quanto mais dinheiro, menor a taxa). No caso de alocação em fundos de terceiros, quando a corretora recebe o rebate, o valor é devolvido para o cliente.

    “Acreditamos que a maioria dos agentes autônomos presta um excelente serviço e tenta fazer o que é melhor para o cliente. Mas a gente combate esse modelo, acreditamos que é antiquado”, diz Maisonnave. 

    O empreendedor destaca a importância que a corretora teve na popularização do investimento no país, mas afirma que ela precisa evoluir. “A XP parou no tempo, assim como outras plataformas que seguem o mesmo modelo. Elas caíram no mesmo problema dos bancos. Estou dizendo que os dois têm que mudar, porque quem perde é o investidor”, afirma o ex-sócio.

    Ele diz que o modelo de taxas fixas gera margens de lucro menores para as corretoras, mas é mais sustentável porque busca investimentos mais constantes, já que a empresa ganha à medida que o patrimônio aplicado aumenta. Mas admite que, com os juros baixos (e rendimentos também) ficará mais difícil cobrar porcentagens fixas do clientes. “A gente vai ter que reduzir nossas margens e buscar um ativo maior”, afirma. E diz que há ainda mais necessidade de transparência nesse cenário.

    Segundo ele, a remuneração com valores diferenciados por produto já é proibida em mercados mais maduros que o brasileiro, como Inglaterra, Holanda e Austrália. Nos Estados Unidos, o rebate é permitido, mas com regras rígidas de transparência. Lá, porém, o modelo dominante é o do RIA (Registered Investment Advisors). 

    O RIA pode reunir em uma só figura três funções existentes no mercado brasileiro: a do gestor, do consultor e do agente autônomo. Ao distribuir os produtos, esse profissional é remunerado diretamente pelo cliente de forma pré-combinada, seja por um percentual sobre o volume aplicado, seja por um valor fixo, explica Roberto Lee, CEO da corretora Avenue, que atende brasileiros nos EUA. Ele também é fundador da Clear, comprada pela XP em 2014, e foi diretor na hoje gigante dos investimentos.

    Sistema 3.0?

    Lee acredita que, no futuro, o Brasil deve ter um modelo de distribuição mais próximo do norte-americano. Ele defende uma regulação que permita que o profissional preste consultoria financeira e movimente recursos dentro de várias casas de investimento (hoje, o agente autônomo precisa ser exclusivo de alguma corretora).

    “Os dois modelos [dos bancos e da XP] são do passado. É preciso criar uma figura que defenda o interesse dos clientes”, afirma. “O futuro é desintermediado e online”.

    A opinião é compartilhada por Patrick O’Grady, sócio da corretora Vitreo, também “ex-XP”. “Nossa visão é que há espaço para um sistema 3.0, com desintermediação. Quanto mais intermediários, maior a chance do conflito de interesses.”

    Por enquanto, o que existe de concreto é uma consulta pública iniciada no ano passado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), xerife do mercado, para discutir a exclusividade dos agentes autônomos e a transparência na sua remuneração.

    A XP diz que se antecipou a uma possível alteração nas regras e que já mostra, no momento da compra de todos os seus produtos, o quanto é pago aos assessores. Mas é preciso, de fato, investir para ter acesso à informação.

    “Acho uma briga bonita, não é descabida, é interessante. Quem ganha são os investidores”, diz a planejadora financeira e professora da Fundação Getulio Vargas, Myrian Lund.

    Ela afirma que há o conflito de interesses na remuneração comissionada e conta já ter aconselhado clientes da XP com carteiras “horrorosas”. “Peguei outro dia uma pessoa que tinha 60% em COE [Certificado de Operações Estruturadas]. É aposta tanto quanto título de capitalização”, diz.

    O planejador financeiro Tobias Maag também considera a discussão saudável e diz que torce para que o mercado brasileiro evolua para algo parecido com o americano, que considera “menos complicado”. Mas desconfia das farpas trocadas entre as empresas.

    “Fico me perguntando se não é só cortina de fumaça. Porque os dois [XP e Itaú] são amiguinhos e nenhum está de brincadeira. São profissionais e muito focados.”

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