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    Metade do gás natural brasileiro é reinjetada em poços de petróleo, diz ANP

    Especialistas apontam falta de infraestrutura de transporte como razão para que reservas da commodity não tenham seu potencial devidamente explorado pelo país

    Stéfano Sallesda CNN no Rio de Janeiro

    Em meio ao cenário de valorização do gás natural, ocorrido desde o início da pandemia de Covid-19 e agravado pela Guerra da Ucrânia, o Brasil tem deixado de aproveitar sua disponibilidade do recurso natural por falta de infraestrutura de exploração.

    Com poucos gasodutos para escoar a produção, o país reinjetou em janeiro, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), 49,8% do produto extraído das jazidas.

    O índice recorde supera os 45% da média de 2021, proporção que já alarmava estudiosos da economia da energia.

    O dado não é uma exceção. Em fevereiro, a proporção ficou em 49,5%, segundo a última versão do Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural da agência.

    A reinjeção de gás é uma estratégia industrial. Como a produção brasileira da commodity frequentemente é associada à extração de petróleo, o produto é reinserido pelas petroleiras nos campos para aumentar a pressão e, assim, conseguir extrair mais óleo dos poços.

    Na falta de infraestrutura de transporte, essa medida evita que a substância seja queimada, lançando mais poluentes na atmosfera. No entanto, impede a exploração de todo o potencial do produto em terra firme.

    Diretor de Estratégia e Mercado da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Natural (Abegás), Marcelo Mendonça aponta que em países produção de gás as mesmas características do Brasil, casos de Argélia e Nigéria, com produção associada ao petróleo.

    Nos dois casos, as taxas de reinjeção oscilam entre 20% e 25%. A gás da diferença entre os índices poderia ser utilizada no transporte, na geração de energia, na indústria petroquímica, nas residências ou na produção de fertilizantes.

    “Uma reinjeção de 45% não é técnica, é comercial, porque você não consegue colocar esse gás no mercado. Em 2019, essa taxa era de 35% e segue crescendo, então, está claro que há alguma coisa errada. O caminho é viabilizar uma estrutura para colocar esse gás no mercado”, avalia.

    “Hoje o Brasil reinjeta 60 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural. Isso representa o dobro da demanda industrial brasileira. Um recurso da União que poderia retornar para o país, mas não retorna por falta de planejamento.”

    No início de março, um relatório do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) estimou que o país perca, por ano, entre R$ 5 bilhões e R$ 8 bilhões de arrecadação com royalties, participações especiais e ICMS que poderia ser arrecadado desta fonte pagadora.

    A parcela estimada corresponde apenas à frustração de receita, sem os impactos de produção, exploração e uso da commodity nas cadeias produtivas.

    Segundo a ANP, cerca de 65% das reservas brasileiras provadas de gás natural ficam no Rio de Janeiro.

    Nota Técnica da Assessoria Fiscal da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) indica que o estado detém mais gás natural que países vizinhos inteiros, como Argentina e Bolívia, principal exportador da commodity para o Brasil, por meio do gasoduto Brasil-Bolívia.

    Para especialistas, o avanço dessa cadeia proporcionaria diferentes oportunidades de desenvolvimento para o país. Professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Israel Sanches Marcelino destaca que o gás natural tem aplicação direta em segmentos econômicos já estruturados na sociedade brasileira.

    Eles precisariam apenas de mudanças em suas trajetórias tecnológicas convencionais, para ampliar a demanda pelo produto e assim viabilizar comercialmente a construção de novos gasodutos.

    “Hoje, é forte o debate sobre a retomada de uma produção nacional de fertilizantes, por conta da Guerra da Ucrânia, para atender o agronegócio. Pois bem: 70% do fertilizante é gás natural. As siderúrgicas mais modernas e competitivas do mundo utilizam gás natural como redutor químico, para purificação do ferro na produção de aço”, afirma Sanches Marcelino.

    “Fazer isso com gás é mais barato e mais eficiente, é o estado da arte dessa tecnologia, mas não fazemos assim porque as siderúrgicas brasileiras não têm acesso ao gás.”

    O investimento na construção de gasodutos é elevado porque o gás brasileiro está concentrado no pré-sal. Em média, é encontrado a cerca de 300 quilômetros da costa, de onde é extraído a pelo menos quatro mil metros de profundidade.

    Montar uma infraestrutura para escoar a produção é algo que precisa ser pensado nas decisões de desenvolvimento dos campos e que depende de demanda sólida, como explica Diogo Lisbona, pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura, da Fundação Getúlio Vargas (Ceri/FGV).

    “Essas decisões são tomadas com antecedência, porque influenciam até mesmo detalhes da construção das plataformas, além do plano de desenvolvimento e a produção. A verdade é que, no passado, ninguém conseguiu prever esse cenário que estamos enfrentando hoje”, explica Lisbona.

    “O Brasil confiou na oferta abundante de gás natural liquefeito (GNL) do mercado internacional para suprir a demanda das usinas térmicas, que é irregular. Muitas das nossas usinas operam com esse combustível e, agora, essa demanda está aquecida para suprir a carência do gás russo na Europa.”

    A Petrobras prevê para o segundo semestre a inauguração do gasoduto Rota 3, com 355 quilômetros de extensão. Ele ligará as unidades de produção do pré-sal da Bacia de Santos até a Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) do Polo GasLub, antigo Comperj, em Itaboraí, Região Metropolitana do Rio.

    A estrutura, que deveria ter entrado em operação em 2020, vai escoar e processar mais 21 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia.

    Projeções da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que ele atenderá a demanda nacional até 2027.