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    Mesmo com vacina, retorno ao trabalho presencial é parcial

    Algumas empresas optam por sistema híbrido de trabalho e outras com volta total ao presencial com avanço da vacinação contra a Covid-19

    André Jankavski, do Estadão Conteúdo

    Nos últimos meses, a vacinação no Brasil se acelerou. Atualmente mais da metade da população tomou, pelo menos, a primeira dose do imunizante contra a covid-19. Os números de casos e mortes, que ainda estão altos, tiveram redução desde o pico no período entre abril e junho. Mesmo com um cenário mais positivo pela frente, as empresas e os seus funcionários não estão tão animados para voltar ao trabalho presencial: o retorno está sendo a “conta-gotas”.

    O desejo das companhias em retomar as atividades presenciais, mesmo que de maneira híbrida, é claro. Segundo estudo realizado pela consultoria KPMG no primeiro semestre, 66% das empresas estavam interessadas em voltar ao trabalho presencial ainda em 2021, e os 34% restantes em 2022.

    A situação, porém, já mudou desde o levantamento. “Agora estamos vendo que está em um patamar de 50% para voltar neste ano e 50% no ano que vem”, afirma Luciene Magalhães, sócia da KPMG. Não por acaso, 74% das empresas ouvidas pela consultoria afirmam que os planos da volta ao trabalho presencial mudaram em algum momento por causa do surgimento de novas cepas. Além disso, a vacinação completa ainda está na casa dos 20%, o que também atrapalha retomada.

    A empresa de benefícios Ticket é uma das que estão bem conservadoras com a volta ao escritório. A companhia já possuía um programa de trabalho híbrido – misturando presencial e home office – desde 2018. Mas, com a pandemia, 100% dos funcionários foram para casa e por lá ficaram. Agora, a empresa começa a desenhar um retorno dos 600 colaboradores em três fases. A primeira delas, que deve ocorrer ainda neste ano, contemplará apenas voluntários vacinados e deve alcançar cerca de 10% dos funcionários, sendo que serão dois dias no escritório e três em casa.

    Já a segunda terá um aumento considerável, de até 50%, respeitando os protocolos de distanciamento. A terceira fase, que só deve acontecer no ano que vem, terá 100% dos funcionários mas trabalhando no modelo híbrido. Segundo José Ricardo Amaro, diretor de recursos humanos da Ticket, tudo está sendo feito em contato com os empregados. “E a quantidade de dias trabalhados em casa e no escritório vai variar de área para área”, diz.

    O modelo híbrido é visto tanto por empresas quanto por especialistas como um caminho sem volta. Uma pesquisa realizada pela companhia de coworking WeWork com a consultoria Workplace Intelligence aponta que 53% dos funcionários desejam trabalhar três ou mais dias em casa por semana.

    O Mercado Livre vai apostar nesse modelo, mas hoje vive uma dualidade. Enquanto há mais de 6 mil colaboradores trabalhando presencialmente nos centros logísticos, a sede, em Osasco (SP), com mais de 33 mil m², está vazia. Nesse segundo caso, mesmo sem prazo para voltar, há uma certeza: o retorno será no esquema híbrido. A empresa criou um comitê para avaliar a volta e definiu que, quando tudo estiver normalizado, 50% da carga horária dos funcionários será de casa e a outra metade, na sede.

    “Entre os indicadores que avaliamos para a volta está a evolução dos índices pandêmicos e de vacinação das equipes, acompanhado a partir de um formulário em que o colaborador pode informar se já foi vacinado”, diz Patrícia Monteiro, diretora de pessoas do Mercado Livre no Brasil.

    Mercado Livre
    Funcionários trabalham em escritório do Mercado Livre, em São Paulo
    Foto: Divulgação

    Novatos. Existem os casos de pessoas que foram contratadas durante a pandemia e sequer tiveram contato com os colegas. Beatriz de Oliveira, analista de marketing da startup de entregas Daki, é uma delas. Para ela, seria interessante voltar a trabalhar pelo menos dois dias da semana no escritório. Mas existe um problema: a Daki, que foi fundada em janeiro deste ano e já recebeu um aporte de quase R$ 1 bilhão, sequer tem sede.

    De lá para cá, a empresa já contratou 150 pessoas – um número que cresce todos os dias. Segundo Rafael Vasto, presidente da Daki, a maior parte está trabalhando de casa e alguns poucos ficam em salas dentro das “dark stores” (lojas ocultas) que a empresa utiliza como estoque.

    A pandemia fez com que a procura por um escritório central ficasse para depois, mas a empresa já está em busca de espaços que comportem um número ainda maior de funcionários, pois tem mais vagas abertas. “Montar um time e construir uma cultura sem que ninguém se conheça é mais difícil e, agora que a vacinação está andando, estamos pensando em um escritório, que adotará modelo híbrido”, afirma Vasto.

    Saudade do escritório

    No entanto, ainda existe uma fatia de 34% que gostaria de trabalhar todos os dias do escritório, seja por falta de estrutura em casa ou por se concentrar melhor no escritório, segundo o estudo da WeWork e da Workplace Intelligence. Esse cenário é cada vez mais distante, mas há empresas que querem 100% da sua força de trabalho em alguns dias da semana. É o caso da Simpress, que faz locação de equipamentos e soluções para gestão de documentos.

    A empresa viu a demanda para seus negócios, especialmente para a locação de computadores e notebooks, disparar durante a pandemia. Com um crescimento de 35% no primeiro semestre, a empresa chegou a faturar R$ 1 bilhão em 2020. Para dar conta da demanda, o presidente da empresa, Vittorio Danesi, esperava que essa volta fosse ser mais rápida.

    Hoje, o escritório da companhia está completamente vazio. Danesi porém, espera que até dezembro todos os seus 1,9 mil funcionários estejam vacinados e trabalhando presencialmente de terça a quinta – já segunda e sexta, todos farão home office. A partir de setembro, todos os funcionários que tiverem tomado as duas doses serão convocados a voltar à sede. “Há um desejo grande de as pessoas voltarem ao escritório. O home office não substitui a troca diária que acontece na empresa”, afirma o executivo.

    Empresas ‘tech’ se expandem

    A pandemia de covid-19 foi um baque para o mercado de escritórios em São Paulo – maior centro corporativo do País. No fim de junho, um quarto dos prédios comerciais estava sem locatário. No entanto, um alento surgiu nesse cenário difícil: empresas ligadas à tecnologia, muitas delas capitalizadas após rechear o caixa com rodadas de investimento ou aberturas de capital, estão em busca de mais espaço. Mesmo com o home office, algumas dessas companhias têm contratado tanta gente que estão precisando de escritórios novos – de preferência, nos melhores e mais caros endereços da capital paulista.

    No momento, a PagSeguro, a Kavak, a Stone e a chinesa Shopee, entre outras, estão em busca de novos espaços, apurou o Estadão. Dentro dessa tendência, um movimento que agitou o mercado imobiliário veio do Facebook: o aluguel de um espaço de 20 mil metros quadrados em um novo prédio na Faria Lima – apesar de a empresa estar hoje em regime 100% remoto.

    Além das empresas 100% “tech”, companhias mais tradicionais da indústria, como a SaintGobain, segundo fontes, estão buscando ampliar seus espaços para regiões mais centrais. No caso da multinacional francesa, isso reflete a expansão da área de inovação.

    “Muitas empresas de tecnologia cresceram muito, e houve um aquecimento da busca por escritórios”, diz Mariana Hananina, diretora de pesquisa e inteligência de mercado da Newmark, consultoria especializada no setor corporativo. Esse movimento começou há 18 meses e continua até hoje. Na maior parte dos casos, essa procura por novos espaços se refere a uma demanda futura – uma vez que, por enquanto, o trabalho remoto domina as rotinas das grandes companhias.

    Entre os exemplos de empresas de forte crescimento buscando escritórios está a 1m2, uma plataforma de venda de loteamentos. Aproveitando-se de um espaço que ficou vago próximo ao local onde mantinha seus escritórios, a startup decidiu mudar de endereço e ampliar seu espaço. “Crescemos em 50% o número de funcionários. Percebemos uma vacância muito grande e detectamos uma oportunidade”, diz o presidente da 1m2, Rodrigo Gordinho. A empresa espera encerrar este ano com um crescimento de vendas de 200%.

    Apesar desse aquecimento entre empresas de tecnologia, os números do mercado imobiliário corporativo ainda mostram um elevado índice de vacância. Isso é reflexo da pandemia e também do aumento de lançamentos em São Paulo.

    Segundo dados da Newmark, a taxa de espaços vazios na capital paulista atingiu 25,1% no fim de junho no mercado de prédios de alto padrão. No entanto, uma análise mostra um desempenho desigual entre as regiões. No Itaim, só há 1,4% de espaço livre. Na Faria Lima, a oferta está em cerca de 15%. Na contramão, a área próxima à Chucri Zaidan, na zona sul, tem mais de 35% de vacância.

    Recorde de entregas

    O que chama a atenção, diz a presidente da Newmark, Marina Cury, é que neste ano muitas outras obras serão entregues, chegando a um volume de aproximadamente 250 mil metros quadrados em lançamentos de lajes corporativas – um recorde. Ela lembra que essas decisões de investimento, que se refletem em novos edifícios entregues hoje, foram tomadas cinco anos atrás. Por isso, o estoque continuará subindo nos próximos anos: serão 63 mil m² em 2022 e mais 66 mil m² em 2023.

    Segundo Caio Castro, sócio da gestora de fundos imobiliários RBR que tem uma série de edifícios corporativos no portfólio, o mercado imobiliário tem passado, em um ano de pandemia, por situações distintas. Regiões como Faria Lima, Paulista e Pinheiros estão com o índice de vacância mais baixo – o que tem ajudado a manter o preço dos aluguéis em alta.

    Já em outras áreas, caso da região da Chucri Zaidan e da Berrini passam por um movimento oposto, principalmente por estarem longe de estações do metrô, segundo Castro. Para as empresas de tecnologia, a localização se tornou um trunfo na hora da contratação. O especialista afirma que, em áreas consideradas melhores, o funcionário se mostra mais disposto a abandonar o home office e voltar ao regime presencial.

    A diretora na divisão de Escritórios da JLL, Yara Matsuyama, afirma que, apesar de a taxa de ocupação no segundo trimestre ter crescido em relação ao período anterior, o índice de absorção também cresceu, mostrando que houve um maior movimento de empresas montando ou ampliando escritórios.

    “Agora vemos no horizonte uma vacinação em massa, e isso faz com que as empresas comecem a considerar um retorno”, afirma. Dentre os destaques, ela confirma a maior busca das empresas de tecnologia por espaços. Muitas startups têm procurado escritórios na região de Pinheiros, bairro que já atraiu a fintech Nubank, por exemplo.

    Empresas optam por educar funcionários sobre a vacinação

    A discussão em torno da volta aos escritórios ganha mais corpo com o avanço da vacinação. Porém, também cresce o debate a respeito de como as empresas podem cobrar dos funcionários a imunização para que a volta ao trabalho presencial seja segura para todos. A maior parte das companhias se posiciona de maneira mais educacional: querem convencer os seus trabalhadores da importância da vacinação.

    A multinacional de tecnologia Intuit só irá retornar aos trabalhos presenciais quando 70% da população estiver completamente imunizada – ou seja, tenha tomado as duas doses necessárias. Mesmo assim, a companhia está apenas mandando comunicados e mensagens falando sobre vacinação para os funcionários.

    “Nossa mentalidade é de não obrigar ninguém a fazer nada. Apoiamos que as pessoas se vacinem e facilitamos para que isso ocorra”, afirma Davi Viana, diretor geral da Intuit no Brasil, que tem mais de 100 colaboradores e está com a sede fechada desde o início da pandemia.

    A startup Nuvemshop, que é um marketplace para pequenos e médios varejistas, vai seguir o mesmo caminho. Para Santiago Sosa, presidente da empresa que saiu de 100 pessoas para mais de 600 colaboradores (sendo 300 no Brasil) durante a pandemia, trata-se de uma escolha individual.

    “A vacinação é bem importante, e vejo que a maioria vai se proteger para proteger o restante. Mas, como defendo as liberdades individuais, não vamos obrigar. Vamos apenas mostrar os vários benefícios que a vacinação tem”, afirma. Empresas como Ticket e Mercado Livre também seguem esse padrão.

    Nos Estados Unidos, onde mais de 70% das pessoas com 12 anos ou mais já se vacinaram, mas que começa a sofrer com a proliferação da variante Delta, um grupo de empresas já determinou a obrigatoriedade da vacina para a equipe. Entre as companhias que podem demitir colaboradores sem vacina estão gigantes como Google, Netflix, McDonald’s, Uber, Apple e Facebook.

    Tolerância zero

    A Simpress quer seguir o mesmo caminho. De acordo com o presidente da companhia, Vittorio Danesi, trata-se de uma obrigação dos funcionários. Ele, que pretende que 100% da sua força de trabalho, de 1,9 mil pessoas, já esteja apta a trabalhar presencialmente no fim do ano, diz que será “tolerância zero” com quem não optar por tomar o imunizante.

    “A regra é clara desde o início. A Simpress vai ter tolerância zero. O desejo individual não pode prevalecer à saúde do coletivo. Se a pessoa quiser ter um tratamento diferente da ciência e não tomar a vacina, será demitida”, afirma Danesi.

    Juridicamente, os empregadores podem exigir que os funcionários tomem a vacina contra a covid-19. Como a vacinação é uma medida de proteção individual e coletiva ao mesmo tempo, o artigo 158 da CLT afirma que pode haver demissão de justa causa nesses casos.

    “O empregador tem o dever legal de manter um ambiente sadio. A liberdade individual não é absoluta, pois o direito da coletividade se sobrepõe a ela. Entendo que, se existir a recusa do empregado (em vacinar-se) mesmo depois de a empresa fazer um informativo com viés educativo, isso poderá levar à demissão por justa causa”, afirma Leonardo Jubilut, do escritório Jubilut Advogados.

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