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    Tensão na Ucrânia pressiona petróleo, mas causas para alta já existiam; entenda

    Para especialistas, efeitos no Brasil dependerão também de comportamento do dólar

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    O petróleo engatou em 2021 em um movimento de alta que fez o preço do barril ultrapassar novamente os US$ 80 depois de três anos, mas ele não parou por aí. A commodity segue subindo em 2022, e se tornou um fator de pressão inflacionária no Brasil e no mundo.

    Para especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, a razão principal para essa alta permanece a mesma: o descompasso entre demanda e oferta gerado pela pandemia. Apenas considerando ela, bancos já projetavam que o petróleo terminaria 2022 próximo dos US$ 100.

    E o cenário ganhou uma nova variante, a tensão geopolítica entre a Rússia e países ocidentais devido à possibilidade de invasão na Ucrânia. Isso, por si, não gerou um novo movimento de alta do petróleo, mas está ajudando a intensificá-la.

    Considerando essas variáveis, os especialistas afirmam que o petróleo deve continuar subindo em 2022, mas não é uma certeza que essa alta se refletirá nos preços dos combustíveis no Brasil, como ocorreu em 2021.

    O fator de oferta

    Maurício Canêdo, professor da FGV EPGE, afirma que “toda vez que o preço de uma commodity varia muito, tem algum tipo de descompasso entre oferta e demanda”. E isso não é diferente com o petróleo.

    Em 2020, a pandemia obrigou a paralisação temporária de atividades de produção de petróleo, mas principalmente desestimulou as produtoras a investirem em novos projetos, já que a demanda caiu com a necessidade de fechamentos para lidar com o novo coronavírus.

    Isso se refletiu nos preços. O petróleo tipo Brent, referência para a Petrobras, despencou, e chegou a ser negociado a US$ 19 o barril. Para Edmilson Coutinho, professor do IEE-USP, a queda se tornou inevitável, mas resultou em uma incapacidade de aumentar rapidamente a oferta da commodity se fosse necessário.

    “Os investimentos para produção caíram, as empresas postergaram investimentos de longo prazo, reduziram os prazos de investimento para deixar a produção mais lenta, reduziram os grandes projetos”, diz Coutinho.

    Ao mesmo tempo, os governos realizam uma série de investimentos com auxílios para manter as economias funcionando. Junto com um avanço da vacina, criou-se em 2021, as condições ideais para um aumento veloz da demanda por petróleo. Como a oferta não conseguiu igualá-la, os preços dispararam.

    A dinâmica entre oferta e demanda teve um complicador adicional, criado pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e seus aliados.

    A organização reúne os principais países produtores da commodity no mundo, e atua como uma espécie de cartel, com seus membros conseguindo fazer os preços do petróleo subirem ou descerem a partir do controle do ritmo de produção.

    “Antes da pandemia, os países da Opep e fora dela vinham fazendo um braço de ferro para ver como iriam dividir a conta da necessidade que viam de reduzir a produção porque os preços estavam caindo, era uma disputa entre países liderados pela Arábia Saudita, que queriam reduzir, e outros da Opep menos alinhados como Rússia, Bélgica, Noruega, que não queriam”, afirma o professor.

    Com a pandemia, a questão de reduzir ou não a produção se tornou uma necessidade, e a Opep estabeleceu um cronograma com o total de produção que seria suspenso e quando ele seria retomado.

    Em 2021, com a alta do petróleo, grandes consumidores como os Estados Unidos tentaram, sem sucesso, pressionar a Opep para retomar mais cedo a produção. A expectativa é que a organização retorne a níveis pré-pandemia em um ritmo lento, ao longo de 2022, se beneficiando economicamente dos valores elevados.

    “O aumento de preços que a gente vê, e as previsões, se baseiam no fato de que a Opep vai aumentar a produção mas não em um ritmo suficiente para compensar o aumento de demanda, que já ocorreu. Esse cenário de aumento de preços pressupõe também que a estratégia da Opep vai ter impacto pequeno”, segundo Canêdo.

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    O fator Ucrânia

    Devido à perspectiva de que as diferenças entre oferta e demanda continuam em 2022, as projeções já eram de que o petróleo manteria sua trajetória de alta neste ano. Mas novidades na política pioraram o cenário.

    A Ucrânia não é um grande produtor de petróleo, mas sim uma importante rota de transporte de gás natural produzido pela Rússia. Mesmo assim, a possibilidade de um conflito no país com uma invasão russa e a resposta ocidental tem pressionado os preços do petróleo.

    Coutinho afirma que, por mais que a crise impacte mais nos preços do gás natural, há um impacto no petróleo “porque os dois são interligados. Essa crise afeta a percepção de risco também, gera busca de aumento de estoque e demanda”.

    “Em um momento geopolítico tenso, como o atual, em áreas como a Eurásia ou o Golfo Pérsico, que são produtoras ou corredores de passagem, situações que podem gerar disrupções de fluxos assustam, e tensões militares assustam mais ainda, porque aí os fluxos comerciais param”, diz o professor da USP.

    Nesse sentido, ele afirma que é normal que ocorram especulações nos preços de energia, e o petróleo ainda é a referência global na área, e portanto é impactado pelo movimento. Ou seja, qualquer mudança no cenário ucraniano deve trazer algum efeito nos preços da commodity.

    Para Canêdo, a Ucrânia é um “peso a mais” no preço do petróleo porque “gera incerteza e pode afetar a oferta, aumentando a volatilidade”, mas não é o fator principal para as altas que têm sido observadas.

    “A previsão dos US$ 100 já existia antes da questão na Ucrânia, era esperado uma continuidade do que acontecia nos últimos meses, demanda alta e oferta baixa. Esse conflito piora as cosias, aumenta a possibilidade desse cenário se concretizar, mas ele já estava aí”, diz.

    Além disso, a Ucrânia não é a única área do globo que pode impactar nos preços da commodity. No começo de ano, o petróleo subiu não pela questão ucraniana, mas pelos ataques dos Houthis, que governam parte do Iêmen, em instalações de petróleo nos Emirados Árabes Unidos.

    A proximidade geográfica dos Houthis com importantes áreas produtoras de petróleo nos Emirados e na Arábia Saudita, que apoiam inimigos do grupo em uma guerra civil no país, permitem ataques que afetam a oferta, e portanto também impactam os preços, e por isso a situação demanda atenção.

    Petróleo a US$ 100?

    Maurício Canêdo afirma que, atualmente, ninguém possui uma certeza de a quanto chegará o petróleo.

    “No fundo são cenários, é um exercício de futurologia, o que os analistas estão fazendo é dar um peso maior para cenários em que a demanda continua crescendo mais rápido do que a oferta com essas instabilidades geopolíticas. Não tem como cravar, mas faz sentido”, diz.

    Ele avalia que, caso os preços continuem a subir, haveria a sinalização aos produtores de que vale a pena aumentar a produção, com os investimentos altos necessários sendo compensados.

    Muitos, porém, não tem mais capacidade de aumentá-la, então ainda pode demorar para a oferta crescer a ponto de igualar a demanda.

    Já Edmilson Moutinho considera que esse incentivo para aumentar a oferta com os preços altos pode sim ajudar a estabilizar a commodity.

    “As sinalizações são indicativas de que os preços vão subir, e na verdade eles precisam aumentar para balancear oferta e demanda o mais rápido possível”, afirma.

    Por mais que pareça estranho, ele diz que quanto mais tempo os preços do petróleo ficarem nos patamares atuais, em torno dos US$ 80, menos os produtores serão estimulados para aumentar a oferta, já que os investimentos necessários ainda não seriam compensados.

    Para o professor, é apenas com um aumento expressivo que a oferta tende a se regularizar. “Tem muito a ver com a discussão sobre retomada econômica também. Depende da continuidade ou não da pandemia, já que quando ela se agrava há a necessidade de lockdowns e a demanda por petróleo cai”, afirma.

    “A alta é necessária para regularização e para que os agentes possam deslocar investimentos de projetos de curto prazo, que não fazem a diferença, para grandes e de longo prazo. E o Brasil pode se beneficiar nisso com o pré-sal”.

    Dólar no Brasil e os combustíveis

    Os brasileiros enfrentaram altas significativas dos combustíveis em 2021. A gasolina, por exemplo, subiu cerca de 46%. E os preços do petróleo estão diretamente ligados a isso, já que a commodity é a base para produção do combustível.

    O preço da gasolina é determinado pela Petrobras nas refinarias, e a estatal adotou nos últimos anos uma política de paridade internacional. Isso significa que, se os preços sobem no exterior, sobem no Brasil.

    Mas além do petróleo, a alta do dólar teve um peso significativo para a subida dos combustíveis, já que a commodity é negociada pela moeda norte-americana.

    Começando 2021 na casa dos R$ 5,19, o dólar terminou em R$ 5,60, refletindo um cenário de fuga de investimentos com as incertezas fiscais no Brasil.

    Para Moutinho, “não fosse o ano eleitoral provavelmente muito tenso, nós seguiríamos provavelmente um caminho de equilíbrio entre o preço das commodities exportáveis que reforça a moeda local, e aí o consumidor brasileiro que ganha em real fica mais rico”.

    Em 2022, porém, o dólar tem caído nas primeiras semanas de negociação, chegando à casa dos R$ 5,40, refletindo um cenário externo favorável a mercados emergentes como o Brasil, a alta das commodities e a alta de juros, que tornar os investimentos em títulos do Tesouro mais atraentes para os estrangeiros.

    O professor avalia, porém, que “o processo eleitoral pode inibir o processo de correção, e aí é o pior dos mundos, porque os preços dos combustíveis sobem e aprofunda o cenário hoje de inflação alta e economia lenta, a estagflação”.

    A avaliação é semelhante à de Canêdo. Para ele, as variações no câmbio ajudam a suavizar ou intensificar a alta dos preços dos combustíveis. Em um cenário de alta do petróleo e queda do dólar, um pode anular o outro, e haveria não uma alta ou queda nos combustíveis, mas sim manutenção de preços.

    “Temos visto essa valorização do real, mas é ano de eleição. Temos uma incerteza do que pode acontecer, e os Estados Unidos sinalizaram aumento de juros que pode afetar o real e sua capacidade de atração”, diz.

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