Ibovespa é o índice que mais caiu em 2024 entre as principais bolsas globais; real tem 3º pior desempenho
Levantamento da TradeMap considerou 26 bolsas e 20 moedas; incerteza fiscal é principal motivo apontado por analistas
O principal índice da bolsa de valores brasileira, o Ibovespa, tem o pior desempenho do mercado global até o momento, em comparação com as 26 principais bolsas do globo.
O indicador paulista encerrou o pregão desta sexta-feira (14) com 119.662,38 pontos, uma leve alta de 0,08% ante o pregão anterior.
O desempenho, contudo, não compensa o recuo de 0,91% que o índice teve na semana, e muito menos a queda de 10,82% registrada desde o começo do ano, de acordo com levantamento feito pela TradeMap para a CNN.
Não só a bolsa brasileira, mas a moeda também apresenta fraqueza no ano.
A dólar teve uma forte valorização ante o real, que apresenta o terceiro pior desempenho cambial no mundo, de acordo com o levantamento. A pesquisa considerou 20 moedas globais.
Com a alta da divisa norte-americana, a fuga de capital acaba gerando um efeito que retroalimenta a queda da bolsa, segundo avaliação de Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike
“[O investidor] não tem apenas uma desvalorização conforme o índice e ações que ele têm investido, mas ele tem uma desvalorização cambial também”, explica Eyng.
O Ibovespa apresentou resultados recorde no ano passado, chegando ao maior patamar da história no penúltimo pregão do ano e encerrando 2023 acima dos 134 mil pontos.
“Tivemos um rali atípico em 2023, as ações tinham subido bastante e já deixavam um 2024 desafiante pelo próprio rali. Era importante o investidor ter cautela”, indica o CEO da Multiplike.
Além da dificuldade em manter o desempenho extraordinário, fatores como o cenário exterior desfavorável vem pesando sobre o Brasil, com destaque para a manutenção dos juros altos nos Estados Unidos e a fraqueza da economia chinesa.
Mas o principal aos olhos dos investidores e quem mais tem aparecido como motivo para as quedas diárias seguidas do Ibovespa é o momento das contas públicas.
Exterior
Para Beto Saadia, economista e diretor de investimentos da Nomos, o impacto é dividido em dois momentos.
“No primeiro trimestre, houve um pessimismo bastante ligado ao macro. Houve de uma forma geral uma manutenção da inflação que mudou por completo as expectativas de queda de juros”, aponta Saadia.
No começo do ano, indicadores de inflação do exterior se mantinham elevados – mesmo após o início de um controle no final de 2023 -, o que afastou as apostas por cortes de juros.
“No final de 2023, havia expectativas de cortes nas taxas de juros americanas, o que não se concretizou, impactando negativamente os mercados emergentes, como o Brasil, redirecionando fluxos de capital para ativos considerados mais seguros”, explica André Colares, CEO da Smart House Investments.
O baque veio principalmente dos Estados Unidos, onde a economia e o mercado de trabalho aquecidos seguem mantendo o Federal Reserve (Fed) – o banco central do país – em alerta para o potencial retorno da inflação.
“Isso acabou fazendo com que tívessemos fluxos estrangeiros negativos em praticamente todos os meses [do ano], bem diferente do ano passado, que a gente tinha um fluxo gringo bem positivo”, pontua Saadia.
Na última quarta-feira (12), o Fed manteve suas taxas de juros inalteradas no maior patamar em 23 anos – de 5,25% a 5,50% – pela 7ª vez seguida.
Porém, nesta semana, também foram divulgados dados de inflação ao consumidor e ao produtor que surpreenderam o mercado, reavivando as apostas por cortes de juros ainda este ano.
“Os dados de inflação, CPI e PPI, fizeram com que a mensagem mais dura do Fed tenha envelhecido rapidamente. A melhora na inflação vai abrindo espaço para o Fed cortar juros no último trimestre. Provavelmente dois ou três cortes, em vez da projeção atual”, afirma Alexandre Mathias, estrategista-chefe da Monte Bravo.
Atualmente, o banco central norte-americano prevê apenas um corte nas suas taxas em 2024.
Cenário doméstico
O segundo impacto veio de dentro.
Em abril, o governo federal alterou a meta fiscal de 2025 de um superávit para déficit zero. A redução da meta não foi bem recebida pelo mercado, que viu a imagem de responsabilidade fiscal do governo arranhada.
E buscando alternativas para manter a arrecadação em alta, o Executivo editou uma Medida Provisória que visa fechar brechas na legislação sobre crédito presumido PIS/Cofins não ressarcível e na compensação PIS/Cofins limitada.
Segundo o Ministério da Fazenda, a proposta daria a margem de R$ 29,2 bilhões aos cofres públicos para compensar a manutenção da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia.
A medida, contudo, foi mal recebida pelo governo e gerou forte crítica de parlamentares e dos setores.
Na terça-feira (11), o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolveu parte da MP.
A tendência, pelo que avalia Saadia, é que enquanto “a gente acompanha a novela em Brasília, o mercado foge da bolsa e o dólar sobe”.
Mesmo para esse ano, a perspectiva sobre as contas públicas não é boa.
A arrecadação federal vem atingindo resultados recorde de janeiro até abril deste ano, chegando a R$ 886,6 bilhões no acumulado de 2024. Contudo, mesmo que a balança tenha um ganho positivo de um lado, o peso do outro também tem aumentado.
“O governo foi aumentando as arrecadações e começou a não se preocupar muito com corte de custos, e essa situação passou a aumentar o ruído no dia a dia”, aponta Volnei Eyng.
Em abril, o setor público consolidado chegou a registrar um superávit de R$ 6,7 bilhões. Contudo, o resultado foi o pior para o mês em quatro anos e representou alta na margem de 12 meses ante março, a R$ 266,5 bilhões (o equivalente a 2,4% PIB).
O governo também persegue a meta de zerar o déficit primário neste ano. Porém, a avaliação geral entre especialistas e no mercado é que o déficit zero não está garantido.
Em outubro, o próprio presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicou que dificilmente se chegará à meta este ano.
“O mercado não tem muita piedade, ele pune mesmo, ele não tolera esse tipo de coisa”, enfatiza Eyng. “O governo não tem conseguido comprar o mercado de que está preocupado com os custos, e sim simplesmente com o aumento de arrecadação, provocando um desgaste no índice de confiança do mercado.”
O resultado: a deterioração da imagem do Brasil no exterior.
“As dificuldades do ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad em aprovar medidas de compensação, e mais recentemente o temor de que uma ala do governo contempla uma política fiscal mais expansionista associada a uma política monetária mais frouxa, levaram a uma forte alta ainda da percepção de risco do Brasil”, ressalta Alexandre Mathias.
Os indicadores de risco refletem a percepção do mercado internacional sobre a estabilidade de um determinado país. Do início do ano até esta sexta, o Risco-Brasil subiu 13,86%, a 230 pontos, o maior patamar de 2024 – que também foi atingido em janeiro.
“O Brasil está dissociado do movimento global devido à incerteza fiscal doméstica. Isso ficou nítido a partir de ontem, quando os mercados globais entraram em recuperação com o movimento de queda dos juros nos Estados Unidos, enquanto os ativos brasileiros seguem deteriorando”, avalia o estrategista-chefe da Monte Bravo.
“O nome do jogo é ancora fiscal. A perda de credibilidade fiscal está na raiz do aumento da percepção de risco e da desvalorização dos ativos brasileiros.”
O debate sobre os gastos obrigatórios preocupam pela magnitude do potencial impacto.
De acordo com a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, os pisos nas contas públicas – incluindo o de saúde e educação e o crescimento “exponencial” do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – vão somar um total de despesas vinculadas em R$ 470 bilhões em quatro anos.
“O mercado não está conseguindo enxergar saídas para esses problemas. Essa questão dos gastos obrigatórios [preocupa] devido o crescimento das despesas ligadas a indexação ao salário mínimo. Isso envolve saúde, educação e principalmente Previdência Social“, pontua Beto Saadia.
“Brigar para conter esses gastos tem um custo político grande, mas é um debate que tem que amadurecer.”
Esse é um problema que não pesa somente no Ibovespa, como também no câmbio.
Câmbio
A manutenção dos juros altos nos EUA manteve o dólar em alta. Mas o peso não foi tão expressivo como esperado, de acordo com Saadia, que aponta para um salto mais forte nos meses mais recentes.
“A incerteza política [no Brasil] afetou muito mais o dólar do que simplesmente uma mudança de direcionamento de juros por parte do Fed”, diz o economista e diretor de investimentos da Nomos.
“A gente só não teve desvalorizações maiores porque a nossa balança comercial está muito forte.”
A balança comercial brasileira registrou superávit de US$ 8,5 bilhões em maio, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). No acumulado do ano, as exportações cresceram 2,3% sobre o mesmo período de 2023.
Na avaliação de Volnei Eyng, a valorização forte que o real registrou no final do ano passado acabou resultando no saldo positivo de exportações. Contudo, com as incertezas observadas, ele alerta que a situação pode não vigorar.
“Esse ano, pela própria queda dos preços das comodities internacionalmente, a gente deve ter um superávit menor do que no ano passado. Junto com as situações já colocadas anteriormente, dos Estados Unidos e fiscal do Brasil, estamos sendo levados à deterioração do real”, aponta o CEO da Multiplike.
Perspectiva
“Sobre Brasília, a perspectiva é ruim, não vemos uma saída”, reflete Saadia, que reforça que ainda é necessário amadurecimento para se trilhar o caminho necessário para a solução.
O caminho: a redefinição da rota das contas públicas.
“Para o futuro próximo, a recuperação do mercado acionário nacional depende crucialmente da capacidade do governo de instaurar confiança nas suas políticas fiscais e de reduzir ruídos políticos que comprometem a perceção de risco do país”, aponta André Colares, da Smart House Investments.
“Basta o presidente Lula enfatizar que a busca do equilíbrio fiscal e das metas do arcabouço não é uma coisa isolada do Ministério da Fazenda, mas sim uma política de governo que vai ser perseguida com convicção”, complementa Alexandre Mathias.
Mas na avaliação de Volnei Eyng, este caminho pode estar perto de começar a ser pavimentado.
“O governo deve sentar e se articular para trazer algo em relação a corte de custo. E em geral, o governo atual tem escutado as aclamações e tem sentado para conversar”, pontua o CEO da Multiplike.
Em semana de suposto desgaste do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e de sua agenda de contenção de gastos e compensações, a balança tem pendido para o seu lado.
Na quinta-feira (13), tanto o vice-presidente, Geraldo Alckmin, quanto o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, saíram em defesa do trabalho do ministro.
Em agenda na Suíça, Lula disse não entender a “pressão” contra o chefe da equipe econômica e chamou o ministro de “extraordinário”.
O resultado foi sentido logo ao final do dia, quando as taxas de juros futuros fecharam o dia em queda firma, com o mercado reagindo bem a essas manifestações, após disparada na quarta-feira.
Nesta sexta, o setor bancário também apoiou Haddad, com o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, se dizendo “convencido” do compromisso do ministro com o equilíbrio fiscal das contas públicas.