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    Mais que incluir, é preciso dar condições para equidade racial nas empresas

    Segundo especialistas, empresas precisam investir na capacitação e letramento dos novos, média e alta liderança

    Talita Amaralda CNN , São Paulo

    Ingressar no mundo coorporativo pode ser um desafio, dependendo da formação, experiência e uma série de fatores que contribuem para um bom desempenho profissional. Porém, esse pode ser um passo com muito mais obstáculos, se a pessoa vem de uma realidade totalmente diferente do “mundo dos negócios”, como acontece com candidatos que moram nas periferias e com um histórico de formação inferior ao da maioria, que normalmente são pessoas negras, devido ao racismo estrutural existente no Brasil. 

    Essa é uma situação comum nos grandes escritórios e empresas multinacionais que cada vez mais estão voltando o olhar para a diversidade e implantando programas com oportunidades para negros e indígenas, por exemplo. Nesse sentido, é muito importante pensar no termo equidade, que é bem diferente de inclusão. Especialistas na área de diversidade enfatizam que não basta incluir, é preciso oferecer as mesmas condições para todos os colaboradores. 

    De acordo com o fundador e diretor-executivo da Empodera, Leizer Vaz Pereira, é preciso ter um olhar para três setores diferentes, quando se fala em equidade racial nas empresas. “Temos que separar os níveis de alta liderança, média e o acesso às empresas que é o caso dos trainees e estagiários. É importante tirar essa visão que não temos pessoas negras preparadas. Pelo contrário, temos muitas pessoas com ótima formação, que falam várias línguas e com muita experiência no mercado”. 

    Para esses colaboradores dos cargos de alta liderança, segundo Leizer, é preciso olhar para a questão da defasagem salarial e promover programas de aceleração de carreira. Já para a média liderança, é necessário trabalhar com o mindset de pertencimento, proporcionar crescimento na carreira, dar uma injeção de ânimo, demonstrando que a empresa confia no profissional. “Nesses casos é importante trabalhar com os softskills, porque muitas vezes essas pessoas estão estagnadas no mesmo cargo, sem segurança, psicológica”, explica Leizer. 

    Em relação aos profissionais que estão entrando na empresa, que são estagiários e recém-formados é importante envolver esses jovens com as marcas. “Muitos deles nem conhecem, por exemplo, nomes de bancos internacionais e multinacionais renomadas. Na verdade, podem nunca ter ouvido falar. Nesses casos, a preparação deve vir no processo seletivo”. 

    Para o especialista, as empresas precisam investir em um programa de trainee já na seleção e dar feedback para esses trainees. 

    Eles precisam dominar a linguagem do mundo coorporativo, porque os valores são totalmente diferentes. Não tem como exigir que um jovem da periferia recém-contratado, participe de ‘happy hours’ em bares caros, se eles precisam deixar o vale-refeição com a mãe para as compras do mês. 

    Leizer Vaz Pereira, fundador e atual Diretor-Executivo da Empodera

     

    Leizer enfatiza que é muito importante que haja treinamento, para que esses jovens consigam transpor o choque cultural. “Esse profissional precisa se sentir acolhido e protegido de qualquer tipo de discriminação. Por isso é importante que haja uma liderança inclusiva. A empresa precisa promover o letramento sobre racismo estrutural, vocabulário adequado, história e cultura dos negros, entre outros temas, para que esse gestor se sinta preparado até para dar um feedback para o colaborador negro’. 

    Além disso, ele enfatiza que é preciso readequar as exigências de inglês e excel avançados para intermediário, com treinamento a partir do momento que esses jovens ingressarem na empresa e na sequência trabalhar com outros valores como mudança de mindset e softskills. “Só com esse treinamento de liderança e profissionais já no processo seletivo, é possível se conquistar a real equidade racial e conseguir absorver esses milhares de jovens que estão se formando todos os anos, por meio das políticas de cotas, Prouni e Fies”. 

     

    Não pertencimento

    O sócio da PwC, Eduardo Alves, completa exatamente no próximo mês, 20 anos trabalhando na mesma empresa. Ele lembra que quando começou, em 1 de outubro de 2002, como trainee, não teve todo o acolhimento que os novos funcionários recebem quando entram hoje na empresa. “Eu não me via representado. No meu departamento que tinham cerca de 30 a 40 pessoas, eu era o único negro. Com certeza se fosse hoje, estaria mais feliz como recém-contratado”. 

    Alves lembra que essa situação dificultava ainda o processo de adequação na empresa e gerava um sentimento de  não pertencimento. 

    A gente abria mão de toda uma ancestralidade, da identidade, em função do mundo coorporativo. Era um verdadeiro embranquecimento. Eu cortava os cabelos muito curtos, usava ternos da mesma cor que os outros usavam para ficar mais parecido com eles.

    Eduardo Alves, sócio da PwC

    Além disso, Eduardo recorda que falar sobre racismo não era uma questão, não era nem cogitado. Eu tinha consciência racial, mas não falava nada, com medo de prejudicar minha carreira. Fora que na nossa educação, em casa, não se falava sobre o assunto porque era algo que incomodava.” 

    Nesse sentido, Eduardo lembra que até os elogios tinham uma conotação racista que ele foi perceber bem depois. “Quando eu tinha uma atitude inteligente, muitos me falavam coisa do tipo: Que sacada esperta! E hoje vejo como isso tem uma ideia de malandragem, flexibilidade e não de inteligência. Hoje como sócio, se eu recebo esse elogio, logo rebato: “Não foi uma sacada esperta, foi uma sacada inteligente”. 

     

    Mudança 

     Atualmente, a rotina de trabalho está bem diferente na empresa onde Eduardo é um dos sócios. “Temos um programa de aceleração de profissionais negros chamado “Black as Manager”.  São mentorias com reforço em soft skills e inglês para seniors, que são os cargos que vêm antes da gerência. Esse programa auxilia o colaborador nos primeiros passos para a liderança. “Identificamos profissionais que se encaixem nesse programa e oferecemos letramento tanto pra eles quanto para sócios e toda alta liderança”.

    Esses novos colaboradores participam do letramento junto com os sócios e estudam sobre temas como racismo estrutural, imposto negro, síndrome do impostor, ancestralidade, colorismo e outros temas relevantes para que branco entenda como fazer uma mentoria com o profissional negro.  

    A intenção é dar ciência e visibilidade para soft skills, gestão de tempo, poder de negociação, entre outras características do profissional. Temos parceria com empresas de treinamento de inglês e capacitação para o letramento racial. 

    “Vejo muita mudança ao longo desses anos, mas é importante que as empresas tenham cada vez mais esse olhar de capacitação para a diversidade, tendo uma sensibilidade para observar a cultura e a formação de cada colaborador, dando condições pra que ele se desenvolva dentro da empresa”, enfatiza, Alves. 

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