Volta do “voto de qualidade” do Carf vai contra o contribuinte, diz associação
Segundo a Frente Parlamentar do Empreendedorismo, tendência é que litígios em julgamento no Conselho de Recursos Fiscais tendem a favorecer o Fisco
A Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) divulgou um relatório em que apoia a manutenção da regra que favorece o contribuinte em julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Essa mudança faz parte das medidas apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, primeiro pacote de determinações da pasta para a área econômica. Chamado de “Medidas de Recuperação Fiscal”, tem o objetivo de otimizar a situação fiscal do governo e, de acordo com o ministro, tem potencial de reduzir o déficit das contas públicas dos 2,3% atualmente previstos para 2023 para menos de 1% do PIB. “Nossa meta é já deixar entre 0,5% e 1% o déficit primário de 2023; vamos perseguir isso”, disse Haddad.
Entre as medidas que envolvem o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) – que ainda requer aprovação do Congresso — está a volta do voto de qualidade, derrubado pela Lei 13.988/2020. Desde 2020, a norma estabelece que os empates sejam decididos a favor do contribuinte.
Segundo a FPE, antes da alteração, o “voto de qualidade” – uma espécie de voto duplo – determinava que, em caso de empate, o voto do presidente prevalecesse. Isto é, vale o dobro. “Ocorre que, como o presidente das turmas é sempre um representante da Fazenda, o seu voto quase sempre (mais de 99% das vezes) era proferido contra os interesses dos contribuintes”, aponta.
O relatório mostra que, com a extinção do voto favorável ao Fisco, a Receita Federal calculou que cerca de R$ 11 bilhões seriam revertidos em causas a favor do contribuinte. Isso porque a Receita deixaria de ganhar essas causas com a alteração legislativa, ou seja, bilhões de reais em vitórias passariam a ser direcionadas ao contribuinte.
“Os resultados a favor do contribuinte são baixos nos casos de recursos de ofício e recursos especiais, apresentando número mais significativo no caso de recurso voluntário, mas mesmo assim, somente 19,61% do total”, destaca.
O órgão destaca ainda que deve ser considerado o fato de que esse critério de desempate cria um “super julgador”, o qual terá direito a dois votos, um ordinário, estando no mesmo nível dos demais julgadores, e outro extraordinário, repetindo seu voto para desempatar, “violando de forma perversa a isonomia, a ampla defesa e o devido processo legal”.
“O contribuinte, dessa forma, sempre começará o processo administrativo de forma prejudicial, pois o Fisco, desde o primeiro momento, terá vantagem com retorno do voto de qualidade”, pontua o documento.
Medidas de recuperação fiscal
A advogada tributarista e dona do perfil do Twitter “Duquesa de Tax”, Maria Carolina Gontijo, explica que, hoje, o país tem instâncias recursais de julgamento — primeiro administrativa, com seis anos, e depois judicial, com nove anos.
De acordo com ela, essas medidas apresentadas pelo ministro da Fazenda vai incentivar as pessoas a substituir este processo demorado por descontos nas taxas do litígio.
“O que acontece no Carf: a pessoa que tomou uma multa por algum entendimento da Receita Federal vai discutindo essa infração dentro da fase administrativa, seja na DRJ (Delegacias de Julgamento), seja até a câmara superior. Significa que, quando se recebe uma multa, o infrator vai responder isso e, em seguida, vai recorrendo dentro dessa estrutura administrativa”, mostra.
O que essa mudança está oferecendo, segundo a advogada, é para esses infratores abrirem mão dos processos — que hoje são cerca de 30 mil processos no Carf e 170 mil nas delegacias — em troca desses descontos que vão de 40% a 50%. “Isso nada mais é do que o Refis do Carf”, exemplifica Gontijo.
Para a Pessoa Jurídica — maior impactada com essa mudança — Gontijo aponta que o ponto positivo é a possibilidade de utilização do prejuízo fiscal. “Hoje, é um valor que fica parado nas empresas e não conseguem dar vazão, a não ser quando ela vai compensar com algum lucro que teve com período anterior”.
Litígio zero
“A empresa acaba tendo essa possibilidade de usar esse prejuízo fiscal que estava parado. É um dinheiro esquecido, de colchão. Poderá utilizar esses recursos até para quitar esse programa Litígio Zero, caso aderir”, explica Gontijo.
A advogada ressalta que terá benefícios também para os contribuintes que fizerem esse alinhamento estrutural para os anos seguintes, tendo até 12 meses para pagar. “Ou seja, é um Refis, porém, de quem já está nesse processo administrativo”.
Nesse documento, a advogada destaca que há outras vantagens, como o fim do recurso de ofício. “Hoje, quando a Fazenda perde, recorre automaticamente. A proposta é que, se o contribuinte vencer na primeira instância e o ofício for abaixo de R$ 15 milhões, o litígio se extingue de uma vez e tira um pouco de processos do Carf”.
A advogada acredita que é uma questão de tentar adequar o Carf. “O órgão teve as sessões suspensas no mês de janeiro, justamente para implantar essas medidas. Então, processos abaixo de mil salários mínimos serão julgados definitivamente nas delegacias e só chegará ao Carf caso o processo seja muito grande, reduzindo na quantidade e no tempo para solução dos litígios”.