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    Veja íntegra de documento sobre investigação do Banco do Brasil

    Documentação, a que a CNN teve acesso, foi entregue ao Tribunal de Contas da União nesta semana; leia a íntegra

    Caio Junqueirada CNN

     

     

    O Ministério Público investiga diversas irregularidades que teriam ocorrido na gestão do Banco do Brasil sob o comando de Rubem Novaes. Um ampla documentação, a que a CNN teve acesso, foi entregue ao Tribunal de Contas da União nesta semana.

    Veja abaixo a íntegra:

    Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Tribunal de Contas da União

    Com fundamento no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e nos artigos 237, inciso VII, e 276, caput, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, aprovado pela Resolução 155/2002, o Ministério Público junto ao TCU oferece

    REPRESENTAÇÃO,

    COM REQUERIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR,

    com o propósito de que o Tribunal, pelas razões a seguir expostas, e no cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública federal, decida pela adoção das medidas necessárias a apurar os indícios de irregularidades na atual gestão do Banco do Brasil com relação a ações propensas a fragilizar as estruturas de controle e de governança daquela entidade, em especial, os supostos interesses escusos no desmonte do Comitê de  Auditoria Interna em clara afronta à independência desse setor; os indícios de irregularidades ocorrido no processo do PAD do Banco do Brasil relativo à Ação Disciplinar – Gedip 239.462; bem como adote medidas tendentes a conhecer e a avaliar o suposto processo seletivo em andamento no Banco do Brasil para o cargo de Auditor Geral do Banco.

    – II –

    Inicialmente, destaco que chegaram, em meu gabinete, documentações acerca de possíveis ilegalidades relacionadas à atual gestão do Banco do Brasil (BB), em especial, ações que aparentam fragilizar as estruturas de controle e de governança daquela instituição. 

    Após breve pesquisa acerca dos fatos narrados, analisando os elementos retratados, estou certo de que essa Corte de Contas necessita apurar os elementos apresentados pelo o que passo a expor. 

    A par das motivações já apresentadas nas peças em anexo, visando não me alongar e repetir os elementos já apresentados, serei objetivo aos pontos que julgo mais relevantes a serem analisados, sem prejuízo de que no âmbito desse Tribunal todos os outros elementos sejam verificados, em especial, porque é de se supor que algumas irregularidades são deveras críticas que, possivelmente, essa Corte de Contas já tenha processos específicos para algumas anormalidades.

    Conforme primeira documentação anexa, o BB, desde o início de 2019, vem implementando “ações que estão fragilizando gravemente suas estruturas de controle e de governança e impondo prejuízo ao patrimônio público”.

    Primeiramente, chamou-me atenção o fato de que alguns funcionários do Banco do Banco do Brasil foram demitidos por justa causa, mesmo após possível apuração da Controladoria-Geral da União (CGU) comprovando a adequação dos atos daqueles funcionários no âmbito da auditoria interna do Banco:

    2. Parte do que será apresentado já é do conhecimento do Ministério da
    Controladoria-Geral da União (Secretaria Federal de Controle e Corregedoria-Geral da
    União), cujas petições podem ser requisitadas por esse Tribunal. Trada de Ação
    Disciplinar conduzida com graves irregularidades pelo Banco do Brasil, a qual levou à
    injusta e desproporcional destituição completa do Comitê de Administração da Auditoria
    Interna do Banco (Audit), inclusive com demissão por justa causa do Auditor Geral e de um dos seus executivos, em 14/08/2020. 

    3. A Ação Disciplinar teve como causa a alegação de supostas irregularidades na
    implementação do Programa de Adequação de Quadros – PAQ na Auditoria Interna,
    denunciadas por uma ex-auditora, a qual afirmava ter havido orquestração de ações para
    burlar as regras do PAQ. 

    4. No curso da Ação Disciplinar foi comprovada a correção e a transparência dos atos conduzidos pelos representantes da Audit. Também foram sobejamente evidenciadas as
    sucessivas violações ao processo disciplinar de regência do Banco do Brasil, em
    especial pela atuação irregular da Comissão de Alto Nível – CAN, composta por 3 vice presidentes e pelo afastamento dos serviços, ainda em dezembro de 2019, do ex-Auditor
    Geral e de um Gerente Executivo. Essas violações implicariam em obrigatório
    cancelamento da Ação Disciplinar, por assim definir a própria norma interna do Banco,
    mas Conselho de Administração do BB, de forma arbitrária e sem fundamento, decidiu
    ratificá-las, como se corretas fossem. 

    5. Os dois funcionários demitidos por justa causa eram profissionais de carreira, com
    mais de 33 anos de Banco e nenhum processo administrativo interno anterior.
    Possuem mais de 22 anos na Auditoria Interna, sendo 15 em funções gerenciais da
    Unidade, situações que na Ação Disciplinar foram consideradas como agravantes. Todas
    suas ascensões profissionais foram respaldadas por processos seletivos internos. Um já
    é aposentado pelo INSS e outro tem solicitação protocolada naquele Instituto (grifos meus). 

    Em que pese certa discricionaridade da gestão do Banco, ressalta-me aos olhos o fato de que a CGU teve conhecimento dos supostos motivos ensejadores das demissões efetuadas, porém, aparentemente, afastou a comprovação das irregularidades motivadoras.

    Certo é que os empregados públicos, tais como os supracitados funcionários do Banco do Brasil, não gozam da estabilidade do serviço público prevista no art. 41 da Constituição Federal, já que esse instituto somente se aplica aos servidores estatutários.

    Ainda assim, mesmo regidos pelas regras da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), aos empregados públicos e, em especial, à gestão do Banco do Brasil, aplica-se, em certa medidas, as regras do Direito Público, tal como os princípios da administração publica, posto que o Banco do Brasil integra a Administração Pública indireta.

    A par dessa questão, além de os funcionários terem sido demitidos aparentemente em descompasso com a atuação da CGU, chamou-me atenção a área que esses empregados trabalhavam: auditoria interna. 

    O assunto ganhou tamanha repercussão que foi possível encontrar diversas notícias jornalísticas sobre o ocorrido. Caso fossem meras demissões, imagino eu que não haveria tamanha repercussão, já que, cotidianamente, empregados são realocados ou demitidos pelo país afora em prol da melhor atuação da empresa. Exemplificativamente:

    Banco do Brasil dissolve órgão de auditoria interna

    Repito, chamou-me atenção a área que esses funcionários demitidos trabalhavam: a auditoria interna. Hipoteticamente, a se pensar em qualquer interesse escuso da administração, fato é que atacar diretamente aqueles incumbidos de avaliar a atividade da entidade seria o modus operandi mais simples e direto. 

                Se de fato houve motivos para as demissões – ainda que haja indícios divergentes pela suposta manifestação contrária da CGU-, deve sim os empregados públicos serem responsabilizados. Não entrarei, portanto, nesse mérito posto que não cabe a esse Tribunal essa análise, deixando a cargo da justiça competente (trabalhista) a avaliação da razoabilidade da penalidade escolhida. 

                Porém, compete sim a essa Corte avaliar as medidas de gestão do Banco do Brasil. Se por um lado há liberdade de escolha na penalidade aplicada, por outro lado entendo que possíveis responsabilidades dos funcionários não devem servir de fundamento para mitigar o controle e compliance da entidade. 

                Sendo assim, se as demissões de dois funcionários per si não fossem questionáveis, chamou-me atenção o fato noticiado que os outros funcionários daquele setor (Comitê da Unidade Auditoria) foram removidos.  Entendo que se deve garantir a todos setores a tecnicidade e a competência que o setor público requer, porém, essa garantia necessita ser ainda mais resguardada em um setor tão importante e crítico como o da auditoria interna. 

                Desse modo, a par de quaisquer responsabilidades, a proporcionalidade e razoabilidade das penalidades impostas devem assegurar a continuidade do setor. A meu ver, a área de auditoria interna não pode ser utilizada a bel prazer da gestão do banco. Isso porque, além do conhecimento específico, o corpo técnico da unidade conhece as historicidades de fatos e processos. Esse conhecimento humano, por vezes, supera inclusive o conhecimento técnico.

                A meu ver, em menor ou maior grau, a manutenção de parcela das equipes, quando da mudança de gestão, é primordial no aprimoramento da administração pública. Essa medida, ao menos temporariamente, garante a propagação dos conhecimentos prévios daquele corpo técnico.

    Desse modo, preocupa-me o fato de toda unidade do Comitê de auditoria interna ter sido desintegrada com finalidades, ainda que hipotéticas, escusas. Conforme documentação apresentada, esse risco parece existir. 

    10. Antes de apresentar as intencionalidades não explicitas que deram causa à
    denúncia, à forma como foi conduzida pelo Banco do Brasil e às decisões do seu Conselho
    de Administração, é fundamental conhecer um pouco do histórico e das competências que
    caracterizaram a Auditoria Interna do BB ao longo dos anos:

    10.1. Nos anos 2004 a 2006 foi implementada profunda mudança de atuação que
    passa a considerar de forma sistêmica e orgânica a avaliação de todos os
    processos empresariais com foco nos riscos que podem comprometer o alcance
    dos objetivos do Conglomerado. Essa metodologia, as constantes melhorias e a
    contínua capacitação de pessoal fizeram da Audit BB benchmark de mercado.

    10.2. A Controladoria-Geral da União (CGU) premiou a Audit BB no Concurso Nacional
    de Boas Práticas de auditoria interna, em 2015.

    10.3. O Tribunal de Contas da União destacou, com a melhor nota, a atuação da Audit
    BB na avaliação das causas de ocorrências irregulares visando a melhoria do
    gerenciamento de riscos e controles (Relatório de Combate à Fraude e
    Corrupção – Nov-2018).

    10.4. Em 2018, a Auditoria Interna obteve a Quality Assurance Review, certificação
    internacional de qualidade, emitida pelo The Institute of Internal Auditors (The
    IIA), com notas máximas em todos os blocos avaliados, atestando que sua
    atuação estava em conformidade com as normas internacionais para a prática
    profissional de auditoria interna

    10.5. Reconhecimento da qualidade e proatividade de atuação pelos Departamentos
    de Supervisão e de Conduta do Banco Central. Destacaram como positivas a
    independência e a objetividade da atuação, a metodologia utilizada, a qualidade
    e profundidade das avaliações de riscos, as avaliações nos processos de
    relacionamento com os clientes e de Prevenção e Combate à Lavagem de
    Dinheiro, inclusive com indicação para que outras instituições financeiras
    visitassem a Audit BB para conhecer as melhores práticas (benchmarking).

    10.6. Entre 2018 e novembro de 2019, foram recebidas na Audit BB, 17 (dezessete)
    visitas de benchmarking. As principais empresas/entidades foram: Banco Central
    do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, BNDES, Petrobras, Vale,
    Correios, Cielo, Serpro.

    10.7. As avaliações anuais do Comitê de Auditoria (COAUD) concluíram que a
    “Auditoria Interna está em conformidade com os normativos avaliados; e que é
    efetiva e desempenha suas funções com independência, objetividade e
    qualidade”.

    11. Esse alto padrão de excelência, objetividade e independência passou a
    representar, com certeza, um obstáculo a ser vencido para garantir que objetivos escusos dentro do Banco do Brasil se concretizassem, inclusive de dilapidação do patrimônio público. Apresenta-se a seguir alguns exemplos que evidenciam a afirmativa:

    11.1. Revisão do Regimento do Conselho de Administração do BB para exclusão da
    participação dos coordenadores dos Comitês Estatutários de Auditoria (COAUD)
    e de Riscos (CORIS) e do Auditor Geral das reuniões daquele Conselho.

    11.2. Alteração da vinculação da Gerência Executiva (Geaud) de assessoramento aos
    Comitês de Auditoria (COAUD) e de Riscos (CORIS), ficando diretamente
    subordinada ao Presidente do Banco.

    11.3. Alteração na dinâmica de atuação do COAUD, restringindo-a ao mínimo previsto
    em Lei. Também lhe foi vetada a participação na condução da Ação Disciplinar
    envolvendo os gestores da Auditoria Interna.

    11.4. O Presidente do Conselho de Administração, Sr. Hélio Magalhães, “orientou” o
    então Auditor Geral, a não auditar os fatos e os riscos associados à retirada do
    ar da Campanha Publicitária “Selfie”, em 25/04/2019, pelo Presidente do BB,
    atendendo pedido do Presidente da República, mesmo havendo demandas
    externas para tanto (Tribunal de Contas da União, Comissão de Valores
    Mobiliários, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Senado
    Federal, Instituto Ethos) e evidências da referida interferência e comprovação
    das perdas financeiras causadas e de que os resultados daquela campanha
    eram muito positivos para os negócios e imagem do Banco.

    11.5. Os trâmites da aprovação da parceria estratégica entre o BB BI e o UBS (Projeto
    Sirius) passaram por reuniões do Conselho Diretor e de Administração do Banco
    do Brasil entre junho e novembro de 2019. Numa dessas reuniões, a Auditoria
    Interna manifestou preocupação com aspectos formais (documentação,
    pareceres, avaliações externas) e negociais da parceria. Em contraponto, o Vice presidente Carlos Hamilton reagiu de forma estranha e desproporcional à
    manifestação apresentada, rechaçando de forma veemente e até agressiva
    qualquer possibilidade de deficiência formal e que era um excelente negócio para
    o Banco.

    Sobre os aspectos formais não há evidências de deficiências, mas sobre os
    negociais, o parecer da Diretoria de Controladoria do Banco do Brasil, presente
    na Nota Técnica aprovada pelo Conselho de Administração, em 06/11/2019,
    registra que parte expressiva do resultado esperado decorria da expectativa de
    redução de pessoal, na ordem de 300 pessoas. Caso tal redução não
    acontecesse, os resultados seriam negativos para o Banco em até R$170
    milhões. Não há evidências de que ajustes organizacionais e redução de pessoal
    tenham sido realizados.

    11.6. O Presidente Rubem Novaes e o Vice-presidente Carlos Hamilton interferiram
    irregularmente no processo de seleção de conselheiros da PREVI para as
    empresas as quais tem participação, a exemplo da Vale. Sob a alegação de ter
    profissionais de mercado nos conselhos, impuseram reabertura e alterações no
    processo de seleção para dar oportunidade de indicação de pessoas alinhadas
    com suas estratégias pouco republicanas que querem implementar, em
    detrimento àqueles que já haviam sido selecionados e aos objetivos e
    responsabilidades da PREVI.

    11.7. Após o afastamento arbitrário e irregular do Auditor Geral em 19/12/2019, já
    como forma de manter a Audit BB sob o controle da gestão, o Conselho de
    Administração ao invés de indicar interinamente um dos executivos da própria
    Auditoria, nomeou a então Secretária Executiva do Banco, diretamente
    subordinada ao Presidente do Banco, e que não possuía nenhuma experiência
    em auditoria, sendo inclusive objeto de manifestação da CGU sobre a
    impropriedade da indicação. Também configurou flagrante pré-julgamento sobre
    todo o Comitê de Administração da Audit e desrespeito à instituição Auditoria
    Interna, comprometendo por completo sua independência e objetividade.

    11.8. A Audit também identificou que a última proposta de alterações na estrutura e
    nos valores de cargos e salários aprovada pelo Conselho de Administração teve
    alterações quando submetida à Sest, não foi reapreciada pelo Conselho de Administração, em flagrante violação à governança do BB. Tal deficiência não
    teve desdobramentos/saneamento, pois aconteceu já no período do afastamento
    dos serviços do então Auditor Geral e do Gerente Executivo da Audit, em
    flagrante evidência de falta de independência e empoderamento da Auditoria
    Interna.

    11.9. No período dos oito meses do afastamento dos serviços, a Auditoria tem “andado
    de lado”, e os trabalhos mais sensíveis estão parados, entre eles a denúncia
    envolvendo a publicidade em sites que propagam “Fake News” e a venda de
    créditos inadimplidos ao BTG Pactual. Sobre este último a Auditoria Interna havia
    iniciado avaliação do tema, mas sofreu intensa resistência e oposição da gestão
    do Banco do Brasil.

    11.10. Também no período do afastamento, houve uma tentativa malograda,
    combatida pelo ex-Auditor Geral, de designar como interino na Auditoria, o
    Assessor Especial do Presidente do Banco, o Sr. Márvio Sarmento Botelho, que
    atuou na coordenação do PAQ e assessorou a tal Comissão de Alto Nível na
    sua nefasta missão de denegrir os gestores da Auditoria e desmoralizar a
    própria Unidade. O referido Assessor também foi convidado a participar do
    “processo” de seleção do novo Auditor Geral. Seria uma verdadeira afronta se
    nomeado, pois se materializaria a orquestração capitaneada pelo presidente do
    CA, Sr. Hélio Magalhães, e pelo ex-Presidente do Banco, Sr. Rubem Novaes,
    mas pode existir bom senso e resistência ao nome na CGU/SFC.

    11.11. O Vice-presidente Fábio Augusto Cantizani Barbosa, desde sua chegada ao BB,
    tem buscado implementar ações pouco alinhadas aos objetivos estratégicos do
    Banco, as quais a Auditoria tem questionado, a exemplo de: direcionar contratos
    para aquisição de software, hardware e prestação de serviços em TI; abrir os
    códigos-fonte de sistemas corporativos fundamentais aos negócios (core),
    expondo-os a programadores externos ao Banco (open source), sem regras e
    procedimentos de proteção a riscos e violações de segredos de informação e
    de negócios, apesar das resistências do Diretor de Tecnologia (não sabemos
    se teve êxito); opor-se ao ex-Vice-presidente Marcelo Labuto para ter sob sua
    responsabilidade direta as Diretorias de Meios de Pagamento e de Negócios
    Digitais, o que de fato aconteceu em dezembro de 2019, garantido maior área
    de influência e “oportunidades negociais” para ele e seu grupo. (grifos meus) 

    Sendo assim, diante dos indícios apresentados, a garantia da manutenção de parte da equipe anterior da Auditoria Interna é uma determinação conversadora até que o TCU decida o mérito da questão.

    Não se trata de mitigar competência da administração em decidir o rumo da empresa e a alocação dos funcionários, mas se trata de medida tendente a diminuir o risco de afastamento da independência de um setor tão importante para a imagem e continuidade da instituição.

    Quando todo o corpo do Comitê de auditoria interna é removido e alocado por novas pessoas, a meu ver, existe um risco de compliance no Banco. Entendendo que compliance relaciona-se com os requisitos da gestão de riscos visando não apenas o cumprimento de normas e regras, mas em especial, visando a adoção de medidas comprometidas com a continuidade e sustentabilidade a longo prazo, bem como com uma gestão transparente e ética do banco.

    Cotejando os elementos apresentados nas peças em anexas, chamou-me atenção a composição da Auditoria Interna do banco que fora completamente desmontada:

    · Aureli Carlos Balestrini – Auditor Geral – 34 anos de BB – 23 anos de Auditoria: demitido por justa causa 

    · Alexander Alves Pires – Gerente Executivo – 35 anos de BB – 23 anos de Auditoria: demitido por justa causa 

    · Claudemir Hanke – Gerente Executivo – 35 aos de BB – 22 anos de Auditoria: destituído da função

    · Emerson Luiz Zanin – Gerente Executivo – 34 anos de BB – 19 anos de Auditoria: destituído da função

    · Ilenor Zingler – Gerente Executivo – 37 anos de BB – 16 anos na Auditoria: destituição da função

    · Marlos Valeriano Borges – Gerente Executivo – 33 anos de BB – 22 anos na Auditoria: destituição da função 

    · Fábio Lima Alves – Gerente de Divisão – 17 anos de BB – 9 anos na Auditoria – destituição da função 

    · Luciano Soares Pinto – Coordenador de Auditoria – 17 anos de BB – 9 anos na Auditoria – destituição da Função

    · Tereza Vila Nova – Assessora – 19 anos de Banco – 9 anos na Auditoria: alguns dias de suspensão

    Nota-se, portanto, que o corpo técnico daquela área era formado por empregados, aparentemente, com conhecimento sobre o assunto, visto a longevidade de anos que estavam naquele setor. 

    Apesar deu eu ter destacado os indícios comprometedores do setor da Auditoria Interna; no bojo da documentação apresentada, existem diversas outras possíveis irregularidades, relacionadas a situações de conflito de interesse da atuação de altos executivos do Banco do Brasil.  

    Conforme já destaquei, visando não me alongar e repetir os elementos anexados, serei objetivo aos pontos que julgo mais relevantes visando a manutenção e independência da auditoria interna do BB, sem prejuízo de que no âmbito desse Tribunal todos os outros elementos sejam verificados, em especial, porque algumas irregularidades apresentadas já possuem ações de controle em andamento no Tribunal. A exemplo da referência à venda de créditos inadimplidos ao BTG Pactual.

    Superados os aspectos relevantes da primeira peça recebida em meu gabinete, destaco trechos da segunda documentação recebida:

    O ponto central deste memorial é o ataque à Auditoria Interna, realizado nos últimos 10 meses e consumado em agosto. Única Unidade do sistema de controles internos do Banco que insistia em se manter fazendo um trabalho sério, isento, apontando riscos e questionando decisões que não estivessem amparadas em informações técnicas e alinhadas aos objetivos estratégicos do Banco. Por sinal, o planejamento estratégico do Banco, no papel, é perfeito, mas na prática o que se vê é o enfraquecimento do sistema de Governança da Organização (principalmente o sistema de controles internos), decisões desconectadas com o planejamento estratégico e desvalorização do funcionalismo. Às vezes fica até a dúvida, se é um processo pensado, preparando o terreno para a venda “fatiada” do Banco, ou se é incompetência mesmo. Possivelmente os dois. A impressão é que o Banco está “à deriva”. Na história recente (30 anos) é a pior composição de Diretoria Executiva e Conselho de Administração. Quando o Presidente da República se der conta, se quiser manter o Banco público, terá que injetar recursos da União, o que seria uma medida nada popular, e talvez justificativa para a privatização.

    Por isso, a destituição de todos os seis executivos da Auditoria Interna (dois demitidos por justa causa e outros quatro destituídos), em 14/08/2020, algo inimaginável no Banco do Brasil até um ano e meio atrás, não pode ser vista como “normal”. Não podemos aceitar e se acostumar com esse verdadeiro achaque de pessoas sem história e sem compromisso com a empresa. Que de uma hora para outra, tomam um patrimônio do País e achavam que podem fazer o que bem entenderem. Acham que podem chegar no Banco, assassinar reputações, demitir executivos, destituir outros tantos e depois, se der errado, simplesmente irem embora como se nada tivesse acontecido, até porque os prejuízos e a exposição à opinião pública e aos reguladores acontecerá, se nada for feito, anos depois.

    Infelizmente, o sigilo de um Processo Disciplinar Administrativo (PAD) conduzindo de forma “criminosa”, passando por cima dos normativos internos e de todos preceitos legais elementares (contraditório, ampla defesa, presunção de inocência, razoabilidade, impessoalidade e legalidade), só favorece os mentores de um plano sórdido para eliminar qualquer resistência aos objetivos de saqueamento do Banco antes de sua privatização por preço vil. Por isso, o que nos resta é a denúncia.

    Na Auditoria Interna, desde o afastamento do Auditor Geral e de um Gerente Executivo, em dezembro do ano passado, que a partir de então passou a ter como interinos no cargo de Auditor Geral pessoas sem experiência de auditoria ou em cargos executivos, os trabalhos mais sensíveis estão parados, entre eles a denúncia envolvendo a publicidade em sites que propagam Fake News e, mais recentemente, a venda da carteira de créditos inadimplidos ao BTG Pactual, operação inédita no Banco, pois o racional era a venda para a Ativos S.A., do conglomerado BB, a qual inclusive adquiriu, por diversas vezes, créditos de natureza similar, do Banco Bradesco.

    Apesar do notável descontentamento existente nas peças, supostos interesses trabalhistas não afastam os elementos apresentados. 

    Conforme destacado no bojo da segunda peça em anexo, diversas indicações da nova gestão do Banco foram realizadas em descompasso com a cultura adotada por anos no BB. Sem adentrar nos nomes listados, não sendo a competência desse Parquet essa avaliação; destacarei os aspectos apresentados que, a meu ver, são riscos à independência da área de controle do Banco.

    As áreas de controle de maior relevância estão posicionadas na estrutura organizacional do BB acima da Presidência, a fim de lhes proporcionar independência da gestão executiva.
    Tradicionalmente, representantes do Comitê de Auditoria (Coaud), Comitê de Riscos e de Capital (Coris) e o Auditor Geral participavam em período integral de todas as reuniões do Conselho deAdministração (CA). 

    Em um processo de enfraquecimento das áreas de controle, o Sr. Hélio Magalhães excluiu das reuniões do Conselho de Administração os representantes das áreas de controle citadas acima. Antes, o Auditor Geral e representantes de Coaud e Coris, participavam integralmente das reuniões. Desde que o Sr. Hélio tomou posse, essas áreas têm apenas 20 minutos por trimestre para apresentar seus trabalhos ao CA. Por consequência, o acesso tempestivo dessas importantes áreas de riscos e
    controles às questões estratégicas ficou prejudicado. É uma forma sutil, mas efetiva, de dificultar a atuação proativa dessas áreas. Quando ficam sabendo de alguma transação relevante, já é tarde demais.

    (…)

    Outra ação tomada para enfraquecer e dominar as áreas de controle, foi transferir toda a equipe técnica que dava suporte ao Coaud para a Secretária Executiva. Isso mesmo, a equipe técnica que estava diretamente vinculada ao Coaud está agora sob o comando direto do Presidente do Banco. Mais um exemplo de enfraquecimento do sistema de controles internos do Banco. Possivelmente se os membros do Coaud se insurgissem contra essa medida, não teriam seus mandatos renovados, ou em caso de impossibilidade de renovação, “pular” para outro Comitê, Coris, por exemplo.

     Certo é que ao longo da peça diversas fragilidades do Banco são apontadas, das quais destaco as falhas na conciliação geral e contábil,  as falhas na metodologia de provisões contábeis relacionadas a ações judiciais, as falhas em processos de desinvestimentos de ativos do Banco e a proibição de apuração pela auditoria interna de indícios de irregularidades acerca da propaganda com mote diversidade do Banco do Brasil.

    Porém, em especial quanto aos riscos da auditoria interna, destaco:

    Auditora Geral Interina – Com o afastamento do Auditor Geral, o natural seria alocar na
    interinidade da função um dos outros quatro executivos que não estavam envolvidos na
    denúncia e não tinha conduzido diretamente o PAQ na Auditoria, mas não foi o que aconteceu.
    Mais uma vez, em uma atitude inédita e desarrazoada o CA, leia-se Hélio Magalhães e Rubem Novaes, com a complacência dos demais conselheiros, alocou na interinidade a Gerente Executiva Ana Cláudia Kakinoff Correa, da Secretaria Executiva, que está ligada diretamente ao Presidente do Banco, ferindo de morte a independência da Unidade. É importante ressaltar que a Sra. Cláudia não possuía nenhuma experiência em Auditoria Interna e nem em qualquer área de controle e riscos. Por sinal, havia retornado ao Banco há três anos de uma licença interesse onde ficara cinco anos na França, acompanhando o marido, que também é funcionário do Banco (hoje ele é Presidente da Cassi).
    O despropósito de alocar a Sra. Cláudia Kakinoff como Auditora Geral interina repercutiu nas diretorias do Banco, além de representar um pré-julgamento em relação aos demais executivos, já sinalizando para onde a apuração se encaminhava (destituir todos).
    Por óbvio que a independência da Auditoria Interna ficou comprometida e a Unidade andando “de lado”, sem tocar projetos importantes e “sem atrapalhar”. O sentimento era de que a Auditoria Interna estava sob intervenção, já que a Sra. Cláudia Kakinoff, na prática, não se desligara da Secretária Executiva, se reportando diretamente ao Presidente do Banco e ao Sr. Hélio Magalhães. Se, por um lado, a Sra. Claúdia Kakinoff, tentava transmitir a ideia de que tudo iria se resolver da melhor maneira possível, pois não havia elementos que provassem dolo, má- fé e muito menos fraude, por outro, trazia a mensagem da Alta Administração de que os gerentes executivos não deveriam conversar com os colegas afastados. Lembrando que a maioria dos membros do comitê se conhecia há aproximadamente 20 anos, e era natural haver uma relação de amizade e contatos de apoio. Além disso, os colegas afastados passaram por um dano moral imensurável, além dos danos à saúde. Imaginem como deve ser terrível, profissionais com uma vida inteira dedicada ao Banco, com histórico de retidão de caráter, ter de explicar para familiares e amigos que foram afastados dos serviços? A Sra. Cláudia Kakinoff, enquanto Auditora Geral Interina, também foi incumbida, a partir de fevereiro, de atuar na “lateralidade” da Disin, em razão da aposentadoria do Diretor José M. Bergo. Isso mesmo, chegamos ao ponto em que a Sra. Cláudia Kakinoff não havia se deligado da Secretaria Executiva, estava à frente da Auditoria Interna e também da Diretoria Segurança Institucional, vinculada ao Vice-Presidente de Controles Internos e Gestão de Risco, Sr. Carlos Bonetti, integrante da CAN. Essa situação perdurou por uns 60 dias, até que foi nomeado um Gerente Executivo da própria Disin para a função de Diretor. A partir daí, soube-se que a Sra. Cláudia Kakinoff seria nomeada na Diretoria de Marketing e Comunicação, mas somente após a solução do PAD envolvendo o Auditor Geral. No período, o Diretor da Dipes ficou na lateralidade da Dimac. Tudo isso para não alocar um dos executivos da própria Auditoria na interinidade da função de Auditor Geral. Essa situação somente se resolveu, na segunda quinzena de maio/2020, não por vontade do Sr. Rubem e do Sr. Hélio, mas por questionamento da CGU sobre a situação de interinidade na Auditoria Interna, há mais de 90 dias. O relato acima, deixa claro que além da Audit outras diretorias tiveram sua gestão prejudicada, tudo por conta de um afastamento irregular e desnecessário do Auditor Geral de suas funções

    Por fim, mas não menos importante, há menção do início de um processo seletivo para Auditor Geral do Banco do Brasil. Ocorre que a se confirmar todos elementos apresentados, em especial, o suposto desmonte intencional da auditoria interna do Banco, há de se acompanhar a transparência do referido processo, posto existir indícios de ações que estão fragilizando as estruturas de governança e controle do Banco.

    Desse modo, ainda que haja discricionaridade na alocação dos funcionários do Banco, entendo não só importante, como fundamental, que o setor de auditoria do BB seja independente e técnico. 

    A se confirmar todos os elementos apontados, existe o risco de funcionários do Banco terem sido removidos de setor e até demitidos visando mitigar a competência da área de controle. Isso porque se as nulidades apontadas de fato existirem, há o risco de o processo do PAD relativo à Ação Disciplinar – Gedip 239.462, que fundamentou a demissão e a realocação de funcionários da auditoria interna, ter sido utilizado com finalidades impróprias, em possível desvio de finalidade. 

    Além disso, conforme já defendi, compete a essa Corte avaliar as medidas de gestão do Banco do Brasil. Se por um lado há liberdade de escolha na penalidade aplicada aos empregados, por outro lado, possíveis responsabilidades não devem servir de fundamento para mitigar o controle e compliance da entidade. 

    Sendo assim, a par de quaisquer responsabilidades, a proporcionalidade e razoabilidade das penalidades impostas devem assegurar a continuidade e a independência da auditoria interna. 

    Nesse sentido, até que o Tribunal avalie os indícios de desmonte e mitigação de competência do controle interno do Banco do Brasil, entendo adequado que haja a manutenção de, ao menos, parcela da equipe anterior de auditoria interna do Banco, a fim de evitar perdas de conhecimentos técnicos, historicidade de fatos e processos, bem como utilização do instituto de realocação dos funcionários como modus indireto de penalidade a amargar a própria essência  e a independência da auditoria interna.

    Diante das razões acima apontadas, é de se concluir que o caso ora em consideração encerra as condições necessárias e suficientes para que, com base no que dispõe o artigo 276, caput, do Regimento Interno do TCU, seja adotada medida cautelar determinando que o Banco do Brasil se abstenha de realocar, ao menos, parcela da equipe anterior do corpo técnico do Comitê de Auditoria Interna para outros setores, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão. 

    Por fim, é de se observar que este Ministério Público junto ao TCU possui legitimidade para formular representações a esse Tribunal, que os fatos foram apresentados em linguagem clara e objetiva e estão acompanhados, em anexo, das informações – confidenciais –  referenciadas nesta peça.

    – III –

    Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, com fulcro no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e nos artigos 237, inciso VII, e 276, caput, do Regimento Interno do TCU, aprovado pela Resolução 155/2002, requer, pelas razões acima aduzidas, que o Tribunal conheça desta representação para, no cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública federal:

    a)       adote as medidas necessárias tendentes a apurar os indícios de irregularidades na atual gestão do Banco do Brasil com relação a ações propensas a fragilizar as estruturas de controle e de governança daquela entidade, em especial, os supostos interesses escusos no desmonte do Comitê de Auditoria Interna em clara afronta à independência desse setor;

    b)      adote as medidas necessárias a solicitar, a conhecer e a avaliar os indícios de irregularidades ocorrido no processo do PAD do Banco do Brasil relativo à Ação Disciplinar – Gedip 239.462, sem prejuízo de que esse Tribunal atue conjuntamente e em cooperação com a Controladoria-Geral da União (CGU);

    c)      adote as medidas necessárias a conhecer e a avaliar o suposto processo seletivo em andamento no Banco do Brasil para o cargo de Auditor Geral do Banco, ante os riscos que essa escolha pode advir para a independência do controle interno;

    d)     adote as medidas necessárias a encaminhar à unidade técnica do TCU responsável na fiscalização do Banco do Brasil todos os demais elementos de indícios de irregularidades existentes nas peças em anexos, a fim de que, o corpo técnico desse Tribunal avalie a pertinência e a adequação dos subsídios apresentados a compor possíveis outras ações de controle já em andamento no TCU; 

    e)       fazendo-se presentes, no caso ora em consideração, o fumus boni iuris e o periculum in mora, determine V. Ex.ª, o Plenário do TCU ou o relator desta representação, em caráter cautelar, que o Banco do Brasil se abstenha de realocar, ao menos, parcela da equipe anterior do corpo técnico do Comitê de Auditoria Interna para outros setores, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão; e

    f)      em conformidade com o disposto nos artigos 8º, caput e § 3º, inciso II, e 10, da Resolução TCU 294/2018, adote as medidas necessárias a garantir o tratamento sigiloso das peças comprobatórias em anexos.

    Propõe-se, ademais, encaminhar cópia da presente representação com seus documentos comprobatórios em anexo (preservando a confidencialidade das fontes) e da decisão que vier a ser proferida à Controladoria – Geral da União (CGU), ao Presidente da Câmara dos Deputados e ao Presidente do Senado Federal. 

    Ministério Público, em 29 de setembro de 2020.

                                                                                               (Assinado Eletronicamente)

    Lucas Rocha Furtado
    Subprocurador-Geral
     

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