Usinas de cana querem apoiar governo diante de crise hídrica
Empresários do setor de açúcar e etanol têm afirmado há anos que poderiam aumentar a produção de energia para a rede caso tivessem incentivos financeiros
Usinas de cana-de-açúcar do Brasil têm conversado com o governo sobre eventuais medidas que poderiam apoiar um aumento na geração de energia em suas instalações, com uma oferta de eletricidade de biomassa por menos da metade do custo de muitas térmicas acionadas emergencialmente hoje em dia.
Segundo representantes do setor, o movimento permitiria uma importante ajuda ao país, equivalente à geração de uma hidrelétrica de médio porte em 2021, em momento em que o país enfrenta uma seca histórica que afeta os reservatórios das usinas hídricas. Mas há algumas questões que precisam ser resolvidas.
O gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Zilmar de Souza, disse que recebeu do Ministério de Minas e Energia pedido de estudos sobre como o setor poderia contribuir com o sistema diante de preocupações geradas pela redução no nível dos reservatórios das hidrelétricas, principal fonte de energia do Brasil.
A entidade fez então um levantamento em parceria com a Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), segundo o qual centrais de geração movidas a biomassa principalmente de bagaço de cana poderiam gerar cerca de 1.249 gigawatts-hora (GWh) adicionais em energia entre julho e dezembro de 2021.
O volume poderia ser mais que o dobro em 2022, com cerca de 3.522 GWh, uma vez que os empresários do ramo contariam com mais tempo para se preparar para a geração extra na próxima safra.
“Essa geração é algo estrutural, que conseguimos ter desde que tenha planejamento. Podemos fazer a gestão da biomassa, trazendo mais bagaço e palha, comprando bagaço e palha de outras usinas, cavaco de madeira, casca de arroz”, disse Souza.
O vice-presidente da Cogen, Newton Duarte, disse à Reuters que o montante de energia a mais que poderia ser exportado por usinas de açúcar para a rede representaria em 2021 algo como a produção de uma hidrelétrica de médio porte, com cerca de 400 megawatts em capacidade, e praticamente o dobro disso em 2022.
Essa produção poderia vir de usinas de 21 diferentes empresas, mas dependeria de alguma medida do governo para permitir a compra da energia para o sistema, acrescentou ele.
Sinalização
Empresários do setor de açúcar e etanol têm afirmado há anos que poderiam aumentar a produção de energia para a rede caso tivessem incentivos financeiros para isso, uma vez que precisariam comprar mais biomassa para alimentar as caldeiras.
Pelas regras do setor, as usinas têm a opção de vender essa energia adicional no chamado mercado de curto prazo, ou spot.
Mas o processamento de pagamentos e recebimentos entre empresas pelas operações no mercado de curto prazo tem sido travado nos últimos anos por uma disputa judicial na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), responsável pela liquidação financeira das transações.
“Precisaríamos de uma sinalização de como seria adquirida essa geração. Isso só vai ficar de pé se essa questão puder ser equacionada”, disse Souza, da Unica.
Duarte, da Cogen, sugeriu que o governo poderia editar uma portaria para autorizar a compra dessa energia por meio de algum tipo de leilão emergencial.
Ele destacou que as usinas de cana, concentradas no centro-sul, poderiam entregar energia por entre 300 e 400 reais por megawatt-hora, enquanto hoje há usinas térmicas com custo superior a mil reais por MWh acionadas para atender à demanda.
“Essa energia fica perto do centro de carga e permite guardar água nos reservatórios. Seria uma contribuição fundamental”, afirmou.
Ele apontou ainda que a oferta extra poderia ser até maior se não fosse o efeito da própria seca sobre os canaviais.
Com menor disponibilidade de cana, as usinas estão com dificuldades para comprar bagaço para gerar mais energia, o que deve fazer com que boa parte dos empresários busque negociar a aquisição de cavacos de madeira para suas caldeiras se o governo sinalizar com uma medida nesse sentido, acrescentou Duarte.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia não respondeu de imediato a perguntas sobre as conversas com o setor de açúcar.
Na semana passada, a pasta disse em nota que tem buscado ações para preservar o nível de armazenamento nas hidrelétricas.
“A expectativa é de que a redução no uso dos reservatórios abra espaço para aumentar, ainda mais, a geração termelétrica e de outras fontes, em prol da segurança do suprimento em todo o país”, afirmou o ministério na ocasião, sem detalhar.