TCU avalia que desoneração da folha não cumpre mais com objetivos e virou “acomodação”
Medida que foi criada para vigorar por menos de um ano e meio, tinha ainda o objetivo de gerar empregos, aumentar a renda do trabalhador, recompor cinco setores produtivos que estavam em estagnação e preservar as relações e os direitos trabalhistas
O ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União (TCU), afirmou nesta quarta-feira (12) que a desoneração da folha de pagamento entrou em um “estágio de acomodação”, deixou de cumprir com seus objetivos pretendidos inicialmente e hoje obriga o governo a “recorrer ao balcão da dívida”.
Vital do Rêgo é relator no TCU das contas do governo referentes ao exercício de 2023.
O recado do ministro a respeito do benefício fiscal que vem sendo concedido a setores da economia foi dado em seu voto favorável à aprovação das contas com ressalva.
“Sem dúvida, o caso da desoneração da folha padece do mal comum aos gastos tributários em geral: causa a diminuição das receitas públicas, em situação de déficit fiscal, obrigando o governo a recorrer ao balcão da dívida, onde precisa pagar o alto preço dos encargos, sem que haja comprovação de que os resultados da política de incentivo valem a pena”, afirma.
A avaliação de Vital do Rêgo é compartilhada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que desde o ano passado sustenta que a proposta é inconstitucional e não conseguiu gerar tantos empregos quanto o esperado na época em que foi criada.
“Não se nega que a política possa ter dado algum ganho no seu primeiro momento, porém, à medida que foi sendo prorrogada, passou para o estágio da acomodação”, diz o ministro do tribunal de contas.
Vital do Rêgo lembra em seu voto que a desoneração da folha surgiu em 2011 em um ambiente de recuperação econômica após a crise financeira internacional de 2008 com o objetivo de fomentar a competitividade da indústria brasileira.
A medida, que foi criada para vigorar por menos de um ano e meio, tinha ainda o objetivo de gerar empregos, aumentar a renda do trabalhador, recompor cinco setores produtivos que estavam em estagnação e preservar as relações e os direitos trabalhistas.
A desoneração da folha vem sendo continuamente prorrogada desde 2012.
Desde então, o benefício passou de cinco para os 17 setores da economia que mais empregam. Em 12 anos, a medida provocou uma perda tributária de mais de R$ 148 bilhões.
O Congresso Nacional aprovou, em outubro, uma nova prorrogação do benefício até 31 de dezembro de 2027.
Um mês depois, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou integralmente o projeto sustentando que ele era inconstitucional por criar renúncia de receita sem apresentar impacto e por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Antes do início do recesso de final de ano, o Congresso derrubou o veto do presidente e restabeleceu a prorrogação da desoneração até 2027.
Em abril deste ano, o governo acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que a Corte declarasse a inconstitucionalidade da lei.
O ministro Cristiano Zanin atendeu ao pedido do governo e suspendeu a lei que prorrogou desoneração da folha por entender que a norma não observou o que dispõe a Constituição quanto ao impacto orçamentário e financeiro.
Zanin determinou que até o final de junho o Congresso e o governo busquem uma solução consensual.
“Objetivos foram ignorados”
Vital do Rêgo examinou em seu voto, uma a uma, as metas pretendidas pelo projeto de desoneração quando ele foi criado em 2011.
Para o ministro, a política ignorou seus objetivos iniciais – como fortalecer a competitividade externa, resgatar setores específicos, proteger as relações trabalhistas – e não foi capaz de implementar a geração de empregos e o aumento da renda.
O relator afirma haver um descompasso entre as curvas de evolução dos gastos com a desoneração da folha e das taxas de desemprego entre 2013 e 2023 quando se poderia esperar o contrário.
“Ou seja, que quanto maiores fossem os gastos tributários e, por conseguinte, maiores as disponibilidades financeiras nas mãos do setor produtivo, menores seriam as taxas de desemprego”, diz.
O relator também sustenta que o movimento de renda entre 2012 e 2023 parece também não ter relação com a desoneração da folha.
“Embora o rendimento médio anual, do universo de trabalhadores, tenha ascendido de 2016 a 2020, nota-se que em 2015, ano em que houve o maior suporte financeiro para o setor produtivo, em função da desoneração, a renda baixou”, cita, como exemplo.
“Além disso, 2022 registrou a segunda pior renda desde 2013, mesmo com a desoneração vigente durante todo esse intervalo. Por outro lado, 2023 apresentou a maior renda em pelo menos uma década”, afirma Vital do Rêgo.
No quesito da competitividade da indústria nacional, considerado o verdadeiro fundamento da proposta, o ministro afirma ter havido desvio do “espírito da lei”.
Isso teria acontecido, em sua avaliação, a partir do momento em que houve “a inclusão de setores que nada têm a ver com exportações, como os de serviços de call center, transporte rodoviário coletivo e transporte metroviário de passageiros”.
O ministro ressalta em seu voto que, embora favoreça, em princípio, diretamente 17 setores produtivos, a desoneração é amarrada a produtos ou serviços que chegam a 2.638.
“Assim, empresas fora do setor característico que, apesar disso, fabriquem um produto ou prestem um serviço admitido pela política podem usufruir de um desconto proporcional na tributação da folha”, afirma.
Ao contestar o argumento de que a desoneração mitigaria a precarização do trabalho, o ministro apresenta dados da Receita Federal que mostram que, no final de 2011, quando o benefício foi implementado, havia 1,6 milhão de microempreendedores individuais inscritos.
Em 2023, o total chegou a 15,7 milhões.
“Depreendo que a desoneração da folha foi modelada diante de uma conjuntura absolutamente especial, mas continuou indefinidamente, mesmo depois de se afastar das suas causas determinantes. Trata-se de um incentivo fiscal vistosamente custoso para o Estado”, diz.
“A desoneração da folha caminha para se transformar, de uma política pública pelo menos vocacionalmente meritória, em nada mais do que algo como uma subvenção econômica pela qual o Estado apenas participa do custeio das atividades produtivas”, avalia o ministro.
Alternativas à desoneração
Ao concluir seu voto, o ministro sugere que sejam estabelecidas contrapartidas para as empresas beneficiadas pela desoneração, como a manutenção ou aumento do número de empregos formais, condicionando-se a continuidade do benefício ao cumprimento desse quesito.
Vital do Rêgo cita programas de financiamento urbano e rural para combater o desemprego e estimular a formação de renda como políticas públicas com objetivos similares à desoneração da folha e que dão mostras de sucesso, sem serem contraindicadas na questão fiscal.
“Diferentemente do descontrole que vemos hoje quanto à aplicação das receitas renunciadas, o microcrédito é uma forma direta e transparente de aproveitamento de recursos públicos em prol do social, que conta com a devida avaliação e resultados concretos”, conclui.