‘Se demitir agora, vamos demorar mais para voltar à normalidade’, diz Stefanini
A Stefanini é uma multinacional brasileira do ramo de tecnologia presente em 41 países, incluindo China, Itália, Espanha e Estados Unidos, os grandes epicentros do coronavírus. Ou seja, bagunçou a vida de todos na empresa. Com a pandemia, mais de 90% de seus 25 mil funcionários foram transferidos para home office num intervalo de 20 dias.
Marco Stefanini, fundador e CEO global da companhia, que teve faturamento bruto de R$ 3,3 bilhões no ano passado, precisou trocar os pneus em movimento e agora vive uma situação inusitada: possui operações em países que vivem momentos completamente distintos. “Na China já voltamos a operar normalmente. Itália, Espanha e Estados Unidos está tudo fechado, com o contágio se estabilizando. Aqui no Brasil estamos duas semanas atrasados”, afirma.
Com isso, precisou fortalecer a autonomia de suas equipes locais e, ao mesmo tempo, concentrar um centro de comando forte para receber informações rapidamente para agir quando necessário. “Fazemos reuniões diárias com os CEOs regionais. Eles compartilham as experiências que tiveram e, assim, conseguimos replicar boas práticas em outros escritórios”, diz.
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Localmente, a empresa foi uma das primeiras a se posicionar contra demissões em massa, participando do movimento #nãodemita. “A gente precisa entender a diferença entre retração e crise. Crise é um movimento longo. Hoje, a gente sofreu uma pancada, mas pode voltar no mesmo nível de antes se não congelar a economia”, defende. Para isso, Stefanini diz que está à disposição dos seus clientes, mais ou menos afetados.
“Companhias como as de varejo e de serviços quase pararam. Como trabalhar nestas condições? Aí, também tentamos aconselhá-los e ajudamos a procurar soluções para o curto prazo”, afirma. Apesar disso, garante não ter parado de observar boas oportunidades de negócio.
Confira a entrevista completa cedida exclusivamente ao CNN Brasil Business:
CNN Brasil Business – A Stefanini está presente na China e em diversos países da Ásia. Quando foi que você entendeu a gravidade do coronavírus? Quais foram suas primeiras reações e medidas?
Marco Stefanini – Na época em que o surto começou na China, no final do ano passado, nossa equipe local percebeu que não era algo simples. Contando com a diligência e rapidez dos funcionários de lá, conseguimos mudar nossa operação local para home office rapidamente. Apesar disso, ninguém pensou que chegaria a este ponto no restante do mundo.
Quando a COVID-19 começou a chegar na Europa, ainda não tínhamos entendido a magnitude do problema. A coisa começou a tomar outro nível e foi tudo muito rápido. No dia 15 de março eu estava no México, a caminho dos Estados Unidos, mas vendo a gravidade da pandemia e como poderia piorar, voltei para o Brasil e começamos uma operação para lidar com essa crise.
Hoje, tudo que é possível está em home office, cerca de 95% da empresa. Nossa resposta foi rápida porque temos estrutura independente em cada um dos nossos escritórios. É claro que, como alguns países saíram de situação normal para lockdown da noite para o dia, tivemos alguns percalços, mas mesmo assim considero que saímos bem do problema inicial.
Agora estamos estamos trabalhando para manter a empresa funcionando. O que mudou, principalmente, foi a prioridade que a gente dá para cada ação.
Como foi transferir uma força de trabalho tão grande para home office? A Stefanini já tinha estrutura adequada para isso?
Em alguns lugares a situação estava melhor. Muitas empresas para as quais prestamos serviço, no entanto, não contavam com essa estrutura. Tivemos, em algumas situações, que deslocar a nossa equipe e até a dos clientes. Outras companhias, como as de varejo e de serviço, quase pararam. Como trabalhar nestas condições? Aí, também tentamos aconselhá-los e ajudamos a procurar soluções para o curto prazo.
Internamente, como atuamos em um modelo de células, mais ágil e flexível, não demoramos para fazer as mudanças. Mas foi um trabalho hercúleo – eu tive minha primeira folga no último domingo. Fazemos reuniões com os CEOs regionais todos os dias, compartilhando as experiências que cada região teve para aplicar boas práticas nas outras.
Neste momento, também é preciso acalmar as pessoas, cuidar da saúde delas. Física e mental. O nível de desinformação é brutal em momentos de pânico como esse, então estamos realizando um trabalho intensivo para acolher a todos.
Quais foram os impactos diretos na operação?
Não fechamos operações e nem demitimos colaboradores. Temos feito, no entanto, alguns ajustes pontuais. Como no caso de clientes que pedem suspensões de contrato por um, dois meses. Nossa receita teve uma alteração pequena, mas estamos tentando compensar isso oferecendo serviços adicionais às empresas.
Apesar disso, ainda estamos no início do problema, então é complicado estimar como isso vai ficar. O período mais difícil será entre março e maio, em que teremos que ajustar a operação. A partir de junho, conseguiremos ter uma ideia melhor. Mas a gente está buscando manter a operação rodando e estamos de olho em oportunidades de investimento também.
No médio prazo, acreditamos que as nossas soluções tecnológicas continuarão ganhando espaço e poderão oferecer um bom retorno.
Vocês foram uma das primeiras empresas a aderir ao movimento #nãodemita. Qual é, na sua visão, a postura que o empresariado tem que adotar em momentos como esse?
Sim, e eu tenho insistido muito nisso. A gente precisa entender a diferença entre retração e crise. Crise é um movimento longo. Hoje, sofremos uma pancada, mas podemos voltar no mesmo nível de antes se não congelar a economia. O governo está tomando boas medidas para não parar. Se começar a demitir funcionários, vamos demorar muito para conseguir voltar.
As empresas brasileiras são muito afoitas. Demitem, postergam pagamentos. Tem a demissão direta, que conhecemos, e a indireta, que é cortar contratos, postergar pagamentos. A gente precisa é segurar um pouco, porque serão dois meses mais agudos e depois passa.
Na China, por exemplo, já estamos operando normalmente. Como na minha empresa estou vivendo diversos momentos diferentes da pandemia, preciso dar autonomia na ponta e ter um comando ativo para que as informações sejam passadas rapidamente.
Acredita que o governo brasileiro tem agido em conformidade com a gravidade do problema? As empresas precisam de ajuda?
Eu acredito que o governo federal atacou certo. Procuraram não segmentar a ajuda por setores. Vão primeiro prover dinheiro para os informais, que não têm grande ajuda. Além disso, irrigou o sistema financeiro e atrasou os impostos das empresas. Também gostei dos prazos. Não dá para prolongar muito essas medidas, porque uma hora vem a conta. Esqueceram o arrocho fiscal por agora, que é o certo, mas tudo tem limite.
Por outro lado, sou contra o Congresso querer pensar em como vamos pagar estas contas agora. Tem que manter girando e daqui a uns meses, com o problema resolvido, a gente vê como paga. Não é aumentar imposto, a dívida já aumentamos. O importante agora resolver o problema, depois você calcula o tamanho do rombo.
Num momento como esse é possível apontar para o futuro, procurar opções de investimento? Como será sua postura nesse momento?
É preciso manter o negócio operando, mas sabemos que as coisas ainda não estão funcionando normalmente. Temos clientes pouco e muito afetados pela efeitos da pandemia. Estamos tentando manter um alto nível de flexibilidade, nos colocando à disposição para ajudar.
Acho que é um momento de observação. Precisamos ter cautela do ponto de vista financeiro, mas não podemos nos fechar a oportunidades de investimento. Até porque, um processo de aquisição tem “uma fase de namoro” relativamente longa, nada vai acontecer tão rapidamente assim.
Com um faturamento de R$ 3,3 bi no ano passado, tudo levava a crer que a empresa poderia realizar um IPO em 2020? Acredita que essa janela se fechou?
Neste momento é impossível, o mundo inteiro está parado. Mas não dá para saber o que vai acontecer nos próximos 12, 24 meses. Estamos fazendo uma gestão pensando no dia de amanhã, e não no longo prazo.