Regra fiscal e cenário nos EUA empurram dólar abaixo de R$ 5, mas pode não durar
Moeda norte-americana fechou valendo R$ 4,92 nesta quinta-feira, na menor cotação em 10 meses
Foram bem poucas as temporadas que a cotação do dólar passou abaixo dos R$ 5 desde que a pandemia começou, em 2020, e esta é uma delas.
Nesta quinta-feira (13), a moeda norte-americana voltou a cair e, pelo segundo dia seguido, fechou abaixo dos R$ 5, cotada a R$ 4,927.
É uma linha que não cruzava desde junho do ano passado e abaixo da qual, antes disso, a moeda só tinha ficado por alguns poucos dias de junho de 2020 e, depois, do mesmo mês em 2021.
De acordo com economistas consultados pela CNN, há uma conjunção de fatores que ajudam, nesse momento, o real a se fortalecer de novo.
Eles passam pelo relativo alívio dos investidores após o governo apresentar as linhas gerais da nova regra que deve controlar os gastos públicos do país, ao mesmo tempo em que uma tendência global tem feito a moeda norte-americana ficar mais fraca em relação a diversas outras, em especial as de países emergentes.
Por outro lado, poucos especialistas acreditam que a tendência deve durar, e, como das outras vezes, em breve a cotação volta para cima dos R$ 5.
“A coisa começou a mudar a partir do momento em que ficou claro que os Estados Unidos terão que baixar os juros, mas isso deve começar a perder um pouco do brilho em maio”, diz o economista Fábio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector.
“A economia brasileira terá um baixo crescimento, o que espanta os investidores da renda variável, e tem fragilidades estruturais que não serão equacionadas em 2023”, acrescenta Silveira, mencionando fatores como a atual crise no varejo no rastro da quebra das Americanas, a alta inadimplência das famílias brasileiras e as restrições no mercado de crédito em meio aos juros altos.
O dólar, de acordo com ele, pode até ensaiar novas quedas mais para perto dos R$ 4,80 nessas semanas, mas, do meio do ano em diante, deve voltar a subir.
A estimativa da MacroSector é que a moeda chegue ao fim deste ano na faixa dos R$ 5,25, se mantendo mais ou menos em linha com a cotação média dos últimos anos.
A projeção não é diferente do que a maioria dos analistas de mercado está esperando. De acordo com o Boletim Focus do Banco Central, a expectativa média de bancos e corretoras para a taxa de câmbio ao fim do ano é, atualmente, também de R$ 5,25.
Alívio com regra fiscal
Entre os fatores que deram uma mão ao fortalecimento do real, está a apresentação da nova regra fiscal, há duas semanas, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, depois de meses de expectativas e mistério.
O texto final ainda não está pronto e ainda há pontas soltas que deixam economistas, investidores e empresários ressabiados, mas uma proposta robusta ajudou a aplacar o receio de um terceiro governo Lula sem nenhum comprometimento com o controle dos gastos e da dívida pública.
“O primeiro fator que ajudou o dólar a cair foi a divulgação do novo arcabouço fiscal, que ainda está tendo um impacto positivo sobre o câmbio”, diz a economista do banco Ourinvest Cristiane Quartaroli.
“Claro que ainda depende do que vai acontecer de fato com o texto no Congresso, mas a sinalização foi positiva e o mercado viu com bons olhos.”
O economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, que também não acredita que o dólar se manterá abaixo dos R$ 5 por muito tempo, destaca que, apesar do alívio agora, os reais testes do novo marco fiscal, montado com um conjunto de regras mais complexas que a anterior, virão na prática.
“Não será uma crise fiscal, mas o mercado vai perceber que as dificuldades desse marco, como está, virão no dia a dia”, diz. “Ele depende de um aumento muito grande na arrecadação que nem o Congresso, nem a sociedade estarão dispostos a entregar.”
Inflação e juros nos EUA
Outro fator que vem ajudando a baratear o dólar para os brasileiros é o fato de que a moeda dos Estados Unidos vem ficando mais barata para todo o mundo, conforme chegam as divulgações de dados mostrando que a economia norte-americana pode já estar perdendo força, depois de um ano de subidas nos juros por lá também.
“Alguns indicadores de atividade econômica dos Estados Unidos vieram abaixo do que o mercado esperava, acendendo uma luz de que talvez o Fed [Federal Reserve, banco central dos EUA] possa afrouxar os juros por lá”, explica Cristiane, da Ourinvest.
“E, quando os Estados Unidos param de subir juros, é positivo para moedas emergentes, porque o fluxo de capitais vem para cá, que ainda tem juros atrativos.”
Soma-se a isso o fato de que, no Brasil, mesmo com os primeiros grandes sinais de desaceleração dos preços e da economia, a Selic, taxa de juros local, deva cair mais lentamente, já que uma expectativa de inflação perto dos 6% ao fim deste ano é ainda longe da meta de 3,25% que o país tem para este ano.
“Temos a expectativa de baixa nos juros americanos, e uma expectativa de estabilidade ou leve declínio nos juros brasileiros”, diz Silveira, da MacroSector.
“Logo, o diferencial de juros volta a ser atrativo para o risco que o nosso país tem. E aí começa a chover dinheiro; o dinheiro do estrangeiro ou do brasileiro que estava lá fora vem para cá.”
O diferencial de juros é a distância entre os juros locais e a taxa praticada em outros países.
Mais do que o nível da taxa em si, o que interessa, de fato, para os investidores globais, que podem escolher para qual país levar o seu dinheiro, é em quanto o rendimento de um país de risco mais alto, como os emergentes, supera o retorno que eles podem ter nos títulos americanos, o maior e mais seguro mercado do mundo.