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    Quem trabalhava para as maiores empresas da China agora prefere limpar casa; entenda

    Economia chinesa enfrenta crises no mercado de trabalho e funcionários fogem da pressão de trabalhos em escritórios, especialmente na área de tecnologia

    Hassan Tayirda CNN

    Leon Li desempenhava um papel discreto, mas indispensável, em um dos maiores gigantes da tecnologia da China. Como funcionária administrativa, ela trabalhava sem parar para agendar reuniões, preparar documentos e fornecer aos seus chefes todo o suporte necessário.

    Mas em fevereiro, Li deixou a empresa e abriu mão de uma carreira estável e de um salário confortável por algo um pouco menos estressante: limpar casas.

    “Todas as manhãs, quando o despertador tocava, tudo o que eu conseguia ver era o meu futuro sem graça”, disse ela à CNN, refletindo sobre seu emprego no escritório.

    Ela tem 27 anos e faz parte de uma base crescente de trabalhadores chineses que estão trocando empregos de escritório de alta pressão por um trabalho flexível de “colarinho azul”.

    Muitos deles costumavam trabalhar para algumas das maiores empresas do país. Mas essas corporações estão lentamente perdendo seu apelo à medida que a economia da China enfrenta ventos contrários, incluindo uma crise imobiliária, o declínio do investimento estrangeiro e a queda do consumo.

    A economia do país asiático cresceu 4,7% em relação ao ano anterior no segundo trimestre de 2024, perdendo as expectativas dos economistas e marcando o crescimento mais fraco desde o primeiro trimestre do ano passado, segundo dados mais recentes do National Bureau of Statistics (NBS) divulgados na segunda-feira (15).

    As longas horas de trabalho e a redução dos recursos levaram funcionários como Li a repensar se vale a pena trocar seu tempo e sua saúde por um salário mais alto.

    “Eu gosto de limpar. À medida que os padrões de vida melhoram (em todo o país), a demanda por serviços de limpeza também está aumentando com um mercado em constante expansão”, disse Li, que mora na metrópole central chinesa de Wuhan.

    Mas o mais importante é que ela se sente mais feliz. “A mudança que isso traz é que minha cabeça não fica mais tonta. Sinto menos pressão mental. E estou cheia de energia todos os dias”, disse ela.

    Trabalhadores rejeitam a cultura “996”, que normaliza as horas extras

    Li não é a única trabalhadora de “colarinho branco” que encontrou um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional ao trocar o trabalho de escritório pelo trabalho manual.

    Alice Wang, 30 anos, que está usando um pseudônimo por motivos de privacidade, costumava trabalhar para uma das principais plataformas de comércio eletrônico de transmissão ao vivo da China, ganhando 700.000 yuans (US$ 96.310) por ano.

    Mas ela pediu demissão em abril, mudando-se de Hangzhou, um pitoresco centro de tecnologia, para a cidade mais tranquila de Chengdu, onde o aluguel é mais barato, para se dedicar à preparação de animais de estimação.

    A notória cultura de trabalho “996” da China — a prática de trabalhar das 9h às 21h por seis dias na semana, comum entre as empresas de tecnologia, startups e outros negócios privados do país — tem sido um fator de pressão para muitos funcionários que pedem demissão.

    Wang lembra que se sentia fisicamente frágil e “muito sem vida e estagnada” em seu antigo emprego, quando costumava dedicar a maioria de seu tempo ao trabalho. Mas agora ela se sente diferente.

    “A sensação de crescimento é relativamente boa”, disse ela, acrescentando que está fazendo treinamento de preparação e tem a ambição de um dia abrir sua própria loja.  “Esse é o plano de longo prazo”, disse ela.

    A tendência de mudar de empregos profissionais para manuais ocorre em meio ao aumento da demanda por trabalhadores braçais, conforme a plataforma de recrutamento chinesa Zhaopin.

    Em sua última pesquisa divulgada em junho, a plataforma constatou que a demanda por empregos de colarinho azul, como entregadores de comida, motoristas de caminhão, garçons e técnicos — havia aumentado 3,8 vezes no primeiro trimestre do ano em comparação com o mesmo período de 2019.

    A demanda por entregadores foi a que mais cresceu (800%) após três anos de lockdown relacionados à Covid, que deram origem a uma cultura de comida para viagem.

    E o salário dos trabalhadores braçais também aumentou, atraindo mais pessoas para empregos que poderiam ter evitado anteriormente.

    A explosão das compras on-line fez com que o salário médio mensal de um entregador aumentasse 45,3% desde 2019, passando de 5.581 yuans (US$ 768) para 8.109 yuans (US$ 1.116), conforme a pesquisa.

    No entanto, para alguns graduados universitários, aceitar um trabalho manual não foi sua primeira escolha. Com a desaceleração da economia, as vagas para recém-formados se tornaram mais difíceis de conseguir em um mercado de trabalho corporativo cada vez mais competitivo.

    A pesquisa também constatou que o número de pessoas com menos de 25 anos que se candidataram a empregos de “colarinho azul” no primeiro trimestre deste ano aumentou 165% em comparação com o mesmo período de 2019.

    A taxa de desemprego da China para jovens de 16 a 24 anos atingiu incríveis 21,3% em junho de 2023, de acordo com o NBS, que posteriormente suspendeu a divulgação do número por meses enquanto ajustava sua metodologia.

    As autoridades trouxeram de volta os dados em janeiro deste ano — excluindo do número cerca de 62 milhões de estudantes, cuja principal tarefa, segundo eles, deveria ser estudar em vez de procurar emprego.

    Nos últimos meses, a taxa de desemprego para trabalhadores em potencial com idade entre 16 e 24 anos ficou entre 14,2% e 15,3%, conforme o NBS.

    Os economistas Larry Hu e Zhang Yuxiao, da Macquarie, escreveram em um relatório de pesquisa no ano passado que o setor de serviços da China, as empresas privadas e as pequenas e médias empresas costumavam ser as principais fontes de emprego para os jovens trabalhadores.

    Entretanto, eles foram duramente atingidos pela fraca demanda dos consumidores.

    David Goodman, diretor do Centro de Estudos da China da Universidade de Sydney, disse que houve um descompasso entre o tipo de graduados que as universidades produzem e o que o mercado realmente precisa.

    Ele analisou que a economia da China estava mudando para tecnologia avançada, tecnologia verde e setores de serviços, enquanto a educação universitária ainda se concentra em grande parte na manufatura e no serviço público, áreas que estão desatualizadas ou saturadas.

    “Há um problema importante se o sistema de ensino superior não tiver se ajustado ou sido ajustado para atender às rápidas mudanças na estrutura da economia”, explicou Goodman.

    Pressão de outro tipo

    Mas alguns se perguntam se o trabalho de “colarinho azul” é realmente o refúgio livre de estresse que pessoas como Li e Wang imaginam que seja.

    Um vídeo recente que circulou nas redes sociais chinesas demonstrou como as coisas podem dar errado. O clipe mostrava um barista em Xangai perdendo a paciência com um cliente que ameaçou fazer uma reclamação contra ele.

    Em um acesso de raiva, ele jogou pó de café na cliente, tornando-se instantaneamente o centro de um drama em um café, o qual provocou um debate on-line sobre os desafios enfrentados pelos trabalhadores do setor de serviços.

    Reclamações ou críticas on-line ruins podem ser desastrosas para lojas e restaurantes na China, pois muitos consumidores seguem religiosamente as recomendações em plataformas populares de mídia social, como Xiaohongshu e Douyin, a versão chinesa do TikTok.

    A ameaça de uma crítica ruim pressiona os trabalhadores mal remunerados a evitar fazer qualquer coisa que chame uma atenção negativa para a empresa.

    Alguns usuários da internet denunciaram o comportamento inadequado do barista. Enquanto outros simpatizaram com ele.

    “O salário já é baixo, ainda mais tendo que enfrentar reclamações. É melhor pedir demissão (quando você é) pressionado tanto pela empresa quanto pelos clientes”, escreveu uma pessoa on-line.

    Mas para Li, que trabalha apenas seis horas por dia limpando casas como freelancer, sua experiência tem sido positiva. Ela gosta de se relacionar com seus clientes e diz que cada sessão de limpeza faz com que ela se sinta mais do que apenas uma transação comercial.

    “Os clientes cuidadosamente nos dão água para beber. Quando chega a hora de comer, eles pedem comida para nós, nos trazem comida e nos lembram constantemente de beber água e descansar”, disse Li.

    Até agora, ela disse que não se arrepende de ter deixado seu emprego no escritório. “Depois de um dia cansativo, posso ir para casa, comer e fazer o que quiser sem nenhuma pressão mental extra”, concluiu ela.

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