STF mantém validade da lei de autonomia do Banco Central
A principal mudança das novas regras é a adoção de mandatos de quatro anos para o presidente e diretores da autarquia federal
Por oito votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a validade lei de autonomia do Banco Central nesta quinta-feira (26).
O plenário retomou nesta tarde o julgamento de ação movida pelo PT e pelo PSOL, que questiona o projeto aprovado pelo Congresso Nacional em fevereiro deste ano. Com dez votos esperados, já que o ministro Marco Aurélio se aposentou e ainda não foi substituído, eram precisos seis para definir o placar.
Relator da ação, o ministro Ricardo Lewandowski votou contra a autonomia do BC na quarta-feira. Segundo ele, “houve alteração na medida que busca tirar este órgão da órbita da presidência da república. A lei ao dispor sobre nomeação e exoneração dos presidentes e diretores, por ter vindo de iniciativa parlamentar, violou a Constituição.”
A ministra Rosa Weber votou com o relator quanto à inconstitucionalidade formal da lei. “Entendo vício de iniciativa, da aprovação de proposição parlamentar. Por isso, e na inviabilidade de entender sanado o vício detectado em tema insuscetível à Constituição, declaro a inconstitucionalidade formal da lei complementar sem emitir juízo de valor quanto à escolha efetuada pelo parlamento”.
O ministro Luís Roberto Barroso discordou do relator ao dizer que a lei em questão é constitucional e que as instituições devem servir ao país e não a governos. Nesta quinta, os ministros Dias Toffoli, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Carmem Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux concordaram com Barroso.
O que muda?
A principal mudança das novas regras é a adoção de mandatos de quatro anos para o presidente e diretores do BC, que ocorrerão em ciclos não coincidentes com a gestão do presidente da República.Hoje, sem um prazo definido, o líder do Executivo pode nomear o presidente do BC e retirá-lo do cargo quando quiser.
Para os defensores da proposta, essa regra blinda a política monetária de influências político-partidárias e traz mais credibilidade ao BC frente aos investidores estrangeiros.
A discussão vem enquanto o país passa por um momento de escalada da inflação, o que exige da autarquia federal ação por meio da política monetária, para tentar controlar os preços. A ferramenta usada nesses casos é a alta da taxa básica de juros, visando reduzir a quantidade de dinheiro em circulação.
O medo de investidores é que, diante da necessidade de subir os juros, o BC seja influenciado a não fazê-lo, como já aconteceu no passado. Uma interferência do tipo desancoraria as expectativas do mercado e acabaria prejudicando a economia.
O BC já não tem autonomia?
O BC brasileiro já é visto internacionalmente como uma instuição sólida, que vem consolidando sua autonomia, sobretudo depois do estabelecimento do regime de metas, há vinte anos. Porém, passou por alguns episódios duvidosos, a exemplo do que aconteceu na instituição sob a longa gestão de Alexandre Tombini, na presidência de 2011 a 2016, durante o governo de Dilma Rousseff.
Tombini foi duramente criticado pelo mercado financeiro na época por ceder à pressão do Executivo para cortar juros num momento em que a inflação, que acumulou mais de 10% em 2015, estourava o teto da meta, de 6,5%. Um cenário como esse não era visto desde 2003.
No mandato seguinte, com Ilan Goldfjan à frente da instituição, a institucionalização da autonomia do BC voltou a ganhar força. Goldfjan assumiu o cargo com a Selic em seu maior patamar, a 14,25% ao ano, e com uma inflação anualizada de 9,28%, e deixou a posição pouco mais de dois anos depois, com inflação girando em torno dos 4% ao ano e Selic de 6,5%.
Isso permitiu que a política de redução de juros combinada com uma inflação controlada continuasse, culminando na taxa em sua mínima histórica, a 2% ao ano, em 2020, e com a inflação oficial respeitando a meta no longo prazo por um período considerável. Esse cenário confortável, porém, se deteriorou rapidamente influenciado pelo descontrole entre oferta e demanda trazido pela pandemia. Hoje, a inflação se encontra bem acima do teto da meta e a Selic começou a subir neste ano, chegando a 5,25% e, para o mercado, depende do poder e fogo do BC — e sem influências políticas.
(*Com Neila Guimarães)