Perspectivas são menos sombrias, mas não há euforia, diz chefe do FMI sobre Davos em último dia do Fórum
Sensação é de que manter o realismo seja necessário para combater um termo muito utilizado no Fórum ao longo dos últimos dias: policrise
Ao longo do Fórum Econômico Mundial, em Davos, que se encerrou nesta sexta-feira (20), termos como “fragmentação da economia global”, “incerteza econômica” e “o ano da inflação” foram frequentes nas discussões.
Enquanto muitos executivos e economistas adotaram um tom mais otimista, os líderes globais se mostraram preocupados com as perspectivas econômicas.
A diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, por exemplo, resumiu o sentimento dos líderes globais: as perspectivas são menos sombrias, mas não há motivos para euforia.
Para o FMI, a economia global deve crescer 2,7% este ano. “De longe, nada fabuloso. É a taxa mais baixa das últimas décadas após a crise financeira global e a Covid”, disse Georgieva.
A reunião, que começou com um relatório que apelidou esta década de “turbulentos anos 20” e a “era da policrise”, termina com novas variantes da Covid-19 e novos vírus, juros altos, pobreza, guerra na Ucrânia e mudanças climáticas no radar.
China
Além dos riscos citados, um novo problema se sobressaiu e foi amplamente citado por Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE): a pressão inflacionária com a reabertura da China.
“Haverá uma pressão inflacionária sobre muitos de nós. Simplesmente porque o nível de energia que foi consumido pela China no ano passado é certamente menor do que a que consumirão esse ano, e a quantidade de energia que vão comprar será maior”, alertou.
Até agora, o fornecimento de energia se manteve na Europa, e os EUA e a China estão envolvidos em relações diplomáticas — a secretária do Tesouro, Janet Yellen, e o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, se encontraram em Zurique na quarta-feira (18).
A remoção das rígidas restrições ao coronavírus pela China no final do ano passado também deve desencadear uma onda de gastos que pode compensar a fraqueza econômica nos Estados Unidos e na Europa.
Risco fiscal pelo mundo
Em tempos de inflação alta, Lagarde e seus pares falaram sobre a importância de a política monetária não ficar isolada no combate à inflação. A presidente do BCE ressaltou que a política fiscal, ou seja, os gastos públicos também têm que fazer sua parte. “Os estímulos fiscais precisam ser melhor direcionados”.
Larry Summers, ex-secretário do Tesouro americano disse que a credibilidade fiscal surge como uma grande preocupação para o mundo. “No curto prazo, eu destacaria como risco ressurgimento da inflação por causa da queda de credibilidade fiscal.”
Mudanças climáticas
O ministro da economia francês, Bruno Le Maire, deixa claro em sua fala nesta-sexta feira (20) algumas contradições do evento.
No painel “Perspectivas Econômicas Globais: Será o Fim de uma Era?” fez um discurso defendendo a Europa. Mas ao ser questionado se estaria sendo nacionalista e criando uma versão do America First — uma espécia de Europa First — respondeu com o que pode ser um dos poucos temas que une o mundo hoje.
“A questão chave não é ‘China Primeiro’ ou os ‘América Primeiro’ ou ‘Europa Primeiro’. É o ‘clima primeiro’”.
As mudanças climáticas podem ser um ponto de consenso nesta nova ordem global, mas a diretora do FMI destacou que o mundo deve evitar o risco de focar no meio ambiente e esquecer os países emergentes.
“Se formos fazer greve para limpar o mundo industrializado, sem antes pensar nos mercados emergentes, teremos grandes problemas”, afirmou Georgieva.
O secretário-geral da ONU acusou os produtores de combustíveis fósseis e seus financiadores de “correr para expandir a produção, sabendo muito bem que seu modelo de negócios é inconsistente com a sobrevivência humana”.
Falando em Davos na quarta-feira (16), António Guterres disse que o compromisso de limitar o aquecimento global a 1,5 grau acima dos níveis pré-industriais está “virando fumaça”.
“Estamos flertando com o desastre climático. Toda semana traz uma nova história de terror climático”, disse ele.
A ativista sueca Greta Thunberg também foi à Suíça e entregou uma “carta de cessar e desistir” aos CEOs de combustíveis fósseis – assinada por mais de 800 mil pessoas.
Na quinta-feira (19), a ativista sueca se encontrou com Marina Silva. Antes de ser ministra era apenas elogiada entre os ambientalistas, mas agora que faz parte do governo também é cobrada. Fontes que participaram do encontro relatam que Greta entregou a petição à ministra do Meio Ambiente, mas Marina só pôde receber o texto com um leve sorriso, e não assinou o documento.
Marina comentou que Greta citou a questão dos combustíveis fósseis e concordou que a fonte de energia “tem que ser totalmente superada”. Mas como o Brasil se tornou uma potência energética por causa de uma grande petrolífera, a Petrobras, pisou em ovos. “O Brasil tem que ir para o lugar da solução, não do problema. A cobrança é de todo mundo. A ciência está dizendo que tem que acabar com o combustível fóssil. Governos estão assumindo compromissos nessa direção”.
Brasil se destaca, mas contas públicas trazem cautela
Com o debate sobre mudanças climáticas em evidência, Marina Silva foi tratada como presença ilustre.
Mesmo com a presença tímida da América Latina no fórum, Fernando Haddad, Marina e os três governadores brasileiros que passaram por Davos – Eduardo Leite (RS), Helder Barbalho (PÁ) e Tarcísio de Freitas (SP) – tiveram agendas cheias e vários encontros bilaterais.
A preocupação do começo do fórum com os ataque aos Três Poderes e instabilidade política se dissipou. Mas o temor sobre o rumo das contas públicas foi recorrente nas pautas sobre o governo Lula.
Em entrevista exclusiva à CNN Larry Summers, porém, disse estar “esperançoso que o novo governo no Brasil vai inaugurar um período ótimo para a economia. O país tem um potencial enorme e acho que há perspectiva de realizá-lo”.
*Com informações de CNN Internacional