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    Participação das brasileiras na força de trabalho cai ao menor nível em 30 anos

    Segundo a Pnad Contínua, a taxa de participação feminina caiu de 53,1% no quarto trimestre de 2019 para 45,8% no terceiro trimestre de 2020

    Thaís Barcellos e Karla Spotorno, do Estadão Conteúdo

     

    A chamada “shecession”, ou recessão feminina, provocou um impacto generalizado no Brasil. É o que mostram indicadores sobre a ocupação profissional das mulheres no País, segundo as divulgações mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e levantamentos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Fora da lista da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), portanto da pesquisa Women in Work 2021 da PwC que mostrou retrocesso de quatro anos, o Brasil registra queda da participação das brasileiras na força de trabalho ao menor nível em 30 anos.

    Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, a taxa de participação feminina caiu de 53,1% no quarto trimestre de 2019 para 45,8% no terceiro trimestre de 2020, último período com dados desagregados disponíveis. Desde 1991, a taxa anual não ficava aquém de 50%, conforme levantamento do Ipea. Outro estudo, da pesquisadora do I Luana Simões a partir dos dados da Pnad Covid, aponta que participação feminina continuava abaixo de 50% em novembro (48,3%), depois de ter recuado ao mínimo dessa crise em julho, em 45,8%. A Pnad Covid era mensal e foi descontinuada em novembro.

    Antes da pandemia, no fim de 2019, a diferença de participação de brasileiros (71,6%) e brasileiras (53,1%) no mercado de trabalho já era relevante, de 18,5 pontos porcentuais, mas como a covid-19 derrubou a taxa feminina mais fortemente que a dos homens (65,7%, no terceiro trimestre) e para o menor nível em 30 anos, essa diferença cresceu, chegando a 19,9 pontos. Ainda que sejam minoria no mercado de trabalho, as mulheres são maioria na população em idade ativa (PIA). Representavam 53,2% no terceiro trimestre.

     

    Já a taxa de desemprego feminina alcançou 16,8% entre julho e setembro de 2020, último dado disponível, um recorde na série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012. Entre os homens, a desocupação também atingiu o nível mais elevado da série no período, mas 4,0 pontos abaixo, em 12,8%. A diferença média desde o começo da pesquisa do desemprego masculino e feminino é de mais de 3,0 pontos.

    Solange Gonçalves, professora da Unifesp e coordenadora do Grupo de Estudos em Economia da Família e de Gênero, afirma que a segregação ocupacional e as decisões familiares explicam a piora do quadro de desigualdade de gênero no trabalho com a crise sanitária e econômica atual.

    As mulheres ocupam mais fortemente posições no comércio e nos serviços, com maior qualificação manual, setores que foram mais afetados pela pandemia, diz. Ela destaca a perda recorde de empregos em trabalhos domésticos, por exemplo.

    Do terceiro trimestre de 2019 para o mesmo período de 2020, a ocupação no trabalho doméstico caiu 26,5%. Em serviços de alimentação e alojamento, a perda foi de 29,9%, enquanto a ocupação em serviços de informação, comunicação, atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas recuou 6,5% e, na indústria geral, 12,2%.

    Já a maior inatividade – não estão ocupadas, nem procurando emprego – está relacionada ao cuidado dos filhos ou de outros familiares em um momento em que escolas foram fechadas e houve perda da rede de suporte devido ao isolamento social, avalia a professora da Unifesp. O trabalho doméstico e o cuidado com filhos e familiares idosos é uma atividade que ocupa integralmente muitas pessoas no mundo. Se fosse uma indústria, seria trilionária. De acordo com relatório da consultoria Oxfam, esse trabalho representa, globalmente, mais de US$ 10 trilhões por ano.

    Segundo Gonçalves, antes da pandemia, essas decisões das famílias já estavam por trás da diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho. “É uma condição socialmente determinada de que a mulher tem mais responsabilidade em relação às tarefas domésticas e ao cuidado com os filhos.”

    A pesquisa Estatística de Gênero de 2019, publicada pelo IBGE na última quinta-feira, 4, mostrou que o nível de ocupação das mulheres de 25 a 49 anos vivendo com crianças de até 3 anos de idade foi de 54,6% e o dos homens foi de 89,2%. O tempo dedicado a afazeres domésticos ou cuidados com familiares é o dobro: 21,4 horas contra 11 horas semanais. E a proporção em trabalho parcial (até 30 horas semanais) também é maior: 29,6% entre as mulheres e 15,6% entre os homens.

    “Muitas vezes, elas também ‘perdem’ na negociação com seus companheiros porque já têm salário menor”, explica Gonçalves, acrescentando que, por tal motivo, muitas preferem trabalhos com jornadas mais curtas ou mesmo ocupações informais, que são mais flexíveis.

    No primeiro trimestre de 2020, portanto antes do impacto mais severo da pandemia, o último dado desagregado disponível mostra que rendimento médio real de homens era R$ 595 maior do que de mulheres (R$ 2.666 x R$ 2.071). Desde o início da Pnad Contínua, em 2012, a diferença média é de cerca de R$ 611.

    Gonçalves ainda aponta que é possível que a reconquista do patamar anterior no mercado de trabalho também seja mais lenta para mulheres do que para homens. “É preciso que as mulheres tenham condições para retorno ao mercado de trabalho. Para isso, precisamos que a vacinação seja fortemente acelerada. Para quem trabalha por conta própria, políticas de crédito podem ajudar a garantir a continuidade das atividades econômicas de pequenos negócios. E é preciso que, do lado das empresas, as diferentes condições de homens e mulheres nesse retorno ao mercado de trabalho sejam discutidas e levadas em consideração no processo de contratação.”

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