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    Países em desenvolvimento: ainda faz sentido essa classificação para os Brics?

    Bloco sofreu mudanças ao longo dos anos e se tornou coalizão com enfoque mais geopolítico do que apenas econômico ou reformista

    Amanda Sampaioda CNN , São Paulo

    Os Brics surgiram como um grupo de países emergentes do chamado Sul Global, com objetivo de cooperação econômica. Mas será que a classificação de “países em desenvolvimento” ainda faz sentido para o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul?

    Inicialmente, no contexto da crise financeira de 2008, os Brics buscavam ter voz e maior representação nas instituições financeiras multilaterais — inclusive, a primeira agenda do bloco foi voltada à reforma de instituições, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), de modo que o peso econômico dos países do grupo fosse refletido nas instituições criadas em 1944, no pós-guerra.

    “A ideia era que o mundo já não era mais aquele, e que as economias do sul global, que eram muito importantes, estavam sub-representadas na arquitetura financeira internacional”, explica a diretora do grupo Brics Policy Center da Puc-Rio, Ana Garcia.

    Porém, com o passar dos anos, o bloco sofreu mudanças e se tornou uma coalizão de países com enfoque mais geopolítico do que apenas econômico ou reformista.

    “Não que eles já não quisessem a reforma das instituições, mas ao enfrentarem demora e resistência, eles não só criaram a própria instituição, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), como também foram mudando o foco da coalizão Brics”, afirma Garcia.

    Hoje, os Brics têm enfoque de multipolaridade.

    “A ideia é de que é preciso criar um mundo multipolar, em que os países ocidentais não dominem sozinhos, e que o mundo hoje é de maior distribuição de poder internacional, com um grande peso da China”, destaca.

    China

    Na visão de Garcia, a China é um claro exemplo de país que não se enquadra mais no status de “país em desenvolvimento” dos Brics.

    O país adotou estratégias de crescimento econômico em um relativo curto período — em torno de 40 anos — para que deixasse o status de “em desenvolvimento” para se tornar uma potência econômica e, principalmente, tecnológica.

    “Isso os americanos viram muito bem, tanto é que as medidas tomadas a partir do governo Trump foram medidas de contenção tecnológica da China, que foram continuadas por Biden”, comenta.

    Para Garcia, a China já não é mais uma potência emergente, e sim uma potência mundial. “No entanto, ela utiliza dessa ‘ideia-força’ para se juntar e angariar mais aliados no sul global”.

    A especialista usa como exemplo a presença chinesa na África. “Ela molda essa presença como cooperação ‘sul-sul’ […] Ela molda e legitima a situação nos países africanos como sendo também um país que foi colônia e entendendo as necessidades de desenvolvimento”, comenta.

    Além disso, segundo a pesquisadora, a China também se mostra na África como um país que age de forma diferente do Ocidente.

    “Ela não impõe condicionalidade aos países que querem uma aliança ou que querem apoio financeiro. Ela usa muito do seu status de ‘sul global’ para ir avançando estrategicamente, como qualquer país que quer ser uma grande hegemonia”, completa.

    Para Garcia, o país asiático é muito estratégico e “astuto” ao não se impor perante a seus possíveis parceiros.

    “Ela não chega com armas, não impõe sua visão de mundo, e vai sempre buscando se adaptar aos parceiros. E com isso vai ganhando crescentemente aliados”.

    Rússia

    Garcia explica que a Rússia foi uma grande hegemonia no período da União Soviética.

    “Ela teve a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética nos anos 1990, o que levou à abertura do mercado local, mas também à precarização da economia russa e à corrupção”, afirma.

    Apesar de ter tido um declínio econômico, o país voltou a ascender.

    “O governo Putin é um governo bem nacionalista, que criou os seus campeões nacionais, particularmente na indústria extrativa, como petróleo, gás e mineração, além da energia nuclear, entre outros”.

    O país ainda conta com as estruturas criadas no período soviético, em termos tecnológicos e de infraestrutura.

    “A Rússia não é um país em desenvolvimento […] A Rússia é uma potência, que teve seu declínio, mas que agora busca se reafirmar, tanto em termos militares, quanto em termos geopolíticos”, explica Garcia.

    Índia, Brasil e África do Sul

    Para a diretora do Brics Policy Center, a Índia ainda é uma potência emergente, com taxas de crescimento alta e avanços tecnológicos em áreas específicas.

    “Mas não são avanços tecnológicos que tenham conseguido se espalhar pela economia indiana por completo”, observa.

    “A Índia tem um setor tecnológico avançado na área de TI e na área de medicamentos, além de categorias de super-ricos e de um investimento muito grande em educação. Também existe uma classe alta indiana bastante evidente”, reitera.

    No entanto, Garcia destaca que a Índia ainda possui um grande número de pessoas em extrema pobreza, além de uma zona rural subdesenvolvida, sem acesso à água e à energia elétrica, por exemplo.

    “Então, talvez a gente ainda tenha um reflexo da categoria de ‘país em desenvolvimento’ na Índia, porque é um país extremamente desigual”, completa.

    Para a especialista, o título de “país em desenvolvimento” também pode ser aplicado ainda para países como o Brasil e a África do Sul.

    “A conotação de países em desenvolvimento é sim apropriada para o Brasil e para a África do Sul. Apesar de serem potências regionais em suas próprias regiões, em termos globais ainda são países em desenvolvimento”, conclui.

    Veja também: Lula defende moeda única para transações entre membros do Brics

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