Juro alto é o sintoma de uma situação fiscal muito ruim, diz Pessôa à CNN
Em entrevista ao WW, economista comenta cenário atual da economia e legado do Plano Real
Mesmo que o advento do real tenha sanado a questão da hiperinflação, que assolou o Brasil entre as décadas de 70 e 90, a economia brasileira ainda enfrenta desafios na atualidade.
Em evento realizado nesta segunda-feira (24), na Fundação Fernando Henrique Cardoso, para celebrar os 30 anos da moeda, um dos “pais do Plano Real”, o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, apontou para o problema dos gastos públicos elevados, que ferem o legado do real ao prejudicarem o quadro inflacionário do país.
“Tudo o que não pegou foi a responsabilidade fiscal. É muito difícil ter responsabilidade. Aqui foi abandonada. Nós tínhamos, mas piorou”, afirmou.
No WW desta noite, o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e da Julius Baer Brasil, endossou a fala do ex-ministro.
“Ele está totalmente certo. Acho que quando a gente olha o real e a estabilização macroeconômica brasileira, tem uma perna faltando, que é o juro alto. [O Brasil] é um país de juro alto”, afirmou Pessôa à CNN.
“Essa perna é um lado da moeda. Do outro lado tem o desequilíbrio fiscal. As duas coisas andam juntas. O juro alto é o sintoma de uma situação fiscal muito ruim”, pontuou.
Na última quarta-feira (19), o Banco Central (BC) encerrou o ciclo de cortes da Selic que vinha ocorrendo desde agosto de 2023, estacionando a taxa de juros em 10,50%. Entre os pontos de atenção levantados pelo Comitê de Política Monetária (Copom), estava a questão fiscal.
“O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”, afirmou a diretoria do BC em comunicado.
Pessôa reforça que esse não é um cenário de agora, e que também não deve deixar o Brasil no horizonte de curto prazo.
“A gente está sobre o risco da política fiscal. A gente tem déficit, são seguidos os anos de déficit, a gente não conseguiu construir, nem estamos no caminho de construção de uma situação sustentável, não é uma desorganização completa, mas a gente projeta 10 anos à frente em que a dívida não estabiliza”, aponta o pesquisador do FGV/Ibre.
O economista aponta que é necessário “fazer alguma coisa”, mas reforça que há caminhos que já estão sendo pavimentados.
“Eu acho que os outros caminhos, os outros itens, que é independência do Banco Central, com regime de meta de inflação em câmbio flutuante, eu acho que a gente avançou bastante”, afirma Pessôa.
“E tem um item importante, que foi a contribuição que o período petista deu para a construção da estabilidade macroeconômica que foi a acumulação de reservas. A acumulação de reserva gerou muita estabilidade aqui dentro, reduziu muito a percepção de risco e contribuiu para reduzir o juro da economia brasileira.”
O economista conclui que na área externa as coisas vão bem, e que o problema a se resolver é arrumar o doméstico.
“Um problema nosso que a gente vai ter que resolver. Se a gente não resolver isso, a gente perde o que a gente construiu, porque a inflação volta em algum momento”, pontua.
Legado do real
Na efeméride de 30 anos da moeda brasileira, o economista avalia que um ponto forte do Plano Real foi a capacidade de promover um aprendizado para a sociedade.
“Eu acho que tem uma lição importante que a gente deveria voltar a olhar ela com cuidado, que o real é fruto também de aprendizado. Houve tentativas anteriores [de se estabilizar a hiperinflação] que deram errado. Foi se acumulando experiência, foi se aprendendo até que se construiu um programa que deu certo”, explica Pessôa.
“Outras áreas de políticas públicas – por exemplo, política industrial, política de desenvolvimento industrial, fazer navios em estaleiros – aparentemente não há aprendizado. A cada 20, 30 anos a gente tenta reproduzir um programa que já tínhamos tentado anos atrás”, conclui.