Novos contratos de obras indicam retomada da infraestrutura no Brasil, dizem analistas
Medidas como recuperação econômica, aumento da arrecadação, concessões e marcos regulatórios impulsionam setor de construção pesada
O setor de construção pesada, voltado à realização de obras de infraestrutura, deve ajudar a construção civil a manter um processo de crescimento iniciado em 2020, segundo especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business.
Em meio a uma alta de contratos apoiada por uma série de concessões e marcos regulatórios para a área, a expectativa é que o setor substitua a área de habitação e vire o grande motor na construção civil, em especial nos anos de 2024 e 2025, segundo José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).
Com isso, a perspectiva é de uma recuperação de um segmento prejudicando tanto pela crise econômica entre 2015 e 2016 quanto por paralisações ligadas à Operação Lava Jato, em que grandes empresas do setor foram atingidas por investigações e acusações em torno de práticas ilegais de corrupção em contratos.
Ajuda da iniciativa privada
Exemplo do movimento de recuperação no setor de infraestrutura, a empresa Azevedo e Travassos firmou nos sete primeiros meses de 2022 cerca de R$ 1 bilhão em contratos.
Do total, metade é voltada para a área de infraestrutura, e a outra metade, para o setor de óleo e gás, segundo o diretor financeiro da empresa, Leonardo Martins. É um cenário diferente do dos últimos anos. Em 2019, o faturamento da empresa foi de R$ 3 milhões, passando para R$ 27 milhões em 2020 e R$ 78 milhões em 2021. O foco da empresa tem sido a “prospecção de clientes privados no setor de infraestrutura”.
Apesar da empresa não ter sido investigada na Operação Lava Jato, o diretor afirma que as consequências das investigações foram sentidas. “De 2016 para 2019 o mercado de infraestrutura parou, ninguém investiu em nada. As investigações atingiram as grandes empresas, que paralisaram tudo, e os contratos com as empresas menores foram cancelados. A Petrobras por exemplo cancelou um contrato conosco para 2017 de R$ 1 bilhão”, relata.
Com isso, o faturamento da empresa de R$ 600 milhões em 2016 caiu para os R$ 3 milhões do ano seguinte. Entretanto, o diretor vê agora uma recuperação do setor após um período “bem ruim”.
“Temos uma perspectiva favorável nos próximos anos pelo foco em infraestrutura privada. Hoje conversamos com todos os clientes nas verticais do setor”, diz. A expectativa da empresa é firmar mais alguns bilhões em contratos voltados para infraestrutura ainda em 2022.
Um estudo anual da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) publicado em dezembro de 2021 estima que que os setores de transporte e saneamento devem receber cerca de R$ 160 bilhões em investimentos até 2026, considerando iniciativas de concessão e parcerias público-privada (PPPs) federais, estaduais e municipais.
A associação afirma que o novo marco regulatório do setor de saneamento, aprovado em 2020, permitiu um “importante incremento da participação privada, com perspectivas de investimentos da ordem de R$ 60 bilhões em projetos”. A expectativa de investimentos entre 2022 e 2026 é de R$ 35,8 bilhões. Já cerca de R$ 124 bilhões seriam ligados a projetos de transportes e logística.
Em 2021, foram realizados 60 leilões pelo governo federal, com expectativa de investimentos de R$ 334 bilhões e arrecadação de R$ 51 bilhões em outorgas e bônus, envolvendo portos, aeroportos, energia, telecomunicações, ferrovias e rodovias.
Para 2022, o Ministério de Infraestrutura espera ainda realizar leilões de concessão de 15 aeroportos, incluindo o de Congonhas, em São Paulo. Neste ano, é expectativa é conceder 50 ativos, com R$ 165 bilhões em investimentos previstos.
A expectativa é que grandes projetos apoiados por capital privado impulsionem a construção civil entre 2024 e 2025, avalia Martins, refletindo os prazos maiores de projetos de infraestrutura.
Ele cita medidas do governo como concessões, que devem levar a projetos de estradas, aeroportos, portos e ferrovias, apoiados por capital estrangeiro e realizados por empresas mais estruturadas no setor.
Segundo Martins, um único projeto, como da rodovia Dutra, já deve superar todo o investimento público em infraestrutura no ano.
Diante disso, a expectativa é de uma reversão na construção civil nos próximos anos, com a construção pesada gerando mais empregos que a habitação e, com isso, mantendo um crescimento do PIB do setor.
Para o presidente da Abdib, Venilton Tadini, o investimento em infraestrutura poderia ser ainda maior se a parcela de investimento público não estivesse em um dos níveis mais baixos da história.
Na ponta positiva, ele cita uma melhora na governança, fiscalização e elaboração de projetos de concessões, permitindo o crescimento desse modelo.
“Houve um crescimento muito significativo da participação privada, mais de 65% dos investimentos em infraestrutura vêm dela”, afirma. Nesse sentido, ele avalia que as novas concessões representam uma “melhora significativa de qualidade, mas o que continua na mão de Estado fica depauperado”.
Impulso para a construção civil
Com o sétimo crescimento trimestral consecutivo em seu PIB, o setor de construção civil vem passando por um ciclo de expansão auxiliado pela recuperação recente dos investimentos em infraestrutura.
As altas desde o terceiro trimestre de 2020, pelas medições da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ocorrem principalmente devido ao bom desempenho do setor de habitação.
Como o setor opera em um esquema de contratos de obras, um investimento firmado em um ano gera valor efetivamente apenas nos anos seguintes, conforme as obras vão sendo concretizadas, com contratação de pessoal, compra de material e vendas. Na área de habitação, esse prazo é mais curto, e na de infraestrutura, mais longo.
Principal responsável pelo crescimento do setor, o ciclo positivo da habitação começou principalmente em 2020, segundo José Carlos Martins, e continuou em 2021, apoiado por uma taxa Selic historicamente baixa e, consequentemente, crédito barato.
Mesmo com um arrefecimento a partir do segundo semestre, conforme a Selic passou a ser elevada e a inflação corroeu o poder de compra da população, o setor ainda vem firmando contratos e colocando os já firmados em prática, o que aponta para uma continuidade do seu crescimento.
Para 2022, a Cbic espera que o setor de construção civil cresça 3,5%, mais que o projetado no início do ano (2%). O valor seria suficiente para que a construção civil voltasse ao patamar de 2015.
A tendência, entretanto, é que o quadro macroeconômico, de juros e inflação altos, acabem levando a uma desaceleração da habitação nos próximos anos, mas o movimento deve ser compensado pela expansão da construção pesada conforme os contratos são implementados.
A pesquisadora da FGV avalia que o investimento público em infraestrutura deve cair em 2023, devido a uma deterioração fiscal no âmbito federal e estadual, com orçamentos menores nos estados devido ao corte do ICMS.
“Vai ser uma situação complicada, e o investimento privado mesmo crescendo não consegue compensar essa queda. A construção civil pode ter uma situação mais complicada, é um grande desafio”, diz.
Já Tadini pondera que o cenário global mudou, com um quadro de recessão, insumos mais caros e as incertezas em um ano eleitoral, o que pode levar a atrasos nos cronogramas dos projetos e uma prorrogação da concretização deles, postergando alguns investimentos e impactos na economia.
“Certamente, o que poderá acontecer, é que em função da mudança do ambiente macroeconômico pode ter uma prorrogação desses investimentos, mas não acredito que seja um efeito significativo, porque os projetos já estão muito maduros. Mesmo assim, devem entrar projetos novos, então os valores não devem mudar muito”, diz.
Desafios
Citando os impactos negativos para o setor da crise econômica entre 2015 e 2016 e da Operação Lava Jato, o presidente da Abdib destaca que alguns projetos de infraestrutura estão parados até hoje, e mesmo importantes não são retomados pelo Estado pela falta de recursos, com outros problemas, como os legais ligados à operação, já tendo sido resolvidos.
“A quantidade de projetos está muito grande, está avançando, mas não existe lugar no mundo em que só a iniciativa privada investe em infraestrutura”, diz.
Para a coordenadora dos Projetos de Construção do FGV-Ibre Ana Castelo, mudanças regulatórias realizadas pelo governo federal, como os marcos do Saneamento e das Ferrovias, deram um impulso para o setor. Porém, mesmo positivo, ainda não houve uma recuperação de todos os investimentos perdidos no setor.
“Há projeção de crescimento em investimentos em infraestrutura, mas ainda nos deixa em posição ruim. Não conseguimos investir o suficiente para compensar a depreciação de capital. O mercado encolheu muito em função da queda de investimento público em outros anos”, diz Castelo.
Segundo Castelo, as obras de infraestrutura tiveram um ciclo positivo que ganhou força em 2022.
“Temos o contexto de eleições, onde os estados principalmente atuam como impulsionadores, em especial de obras viárias, e com uma situação orçamentária privilegiada, fortalecendo investimentos”, afirma.
O presidente da CBIC avalia que, durante a pandemia, “os estados e municípios tiveram acréscimo de caixa muito grande, o que levou a mais investimentos em obras de infraestrutura, escolas, hospitais”, que também tem impacto positivo atualmente.
Martins, da Azevedo e Travassos, ressalta que nos últimos 30 anos o Estado “investiu em infraestrutura antiga muito abaixo da sua capacidade para substituir por uma nova. Esse atraso, além de uma falta da capacidade do governo de investir, fez com que todo esse investimento tivesse que ser migrado para o setor privado”.
Resultando em uma onda de concessões, ele vê agora uma aproximação de grandes conglomerados de investimentos em infraestrutura, o que beneficia construtoras como a Azevedo e Travassos, cujo foco não é nas concessões em si, mas sim nos contratos de obras resultantes delas.
Citando certames envolvendo aeroportos, portos, saneamento e rodovias, ele acredita que o setor de infraestrutura deve continuar crescendo nos próximos anos. “Os leilões ainda vão gerar mais contratos em 2023, até pelos leilões que vamos ter em 2022. Apenas em rodovias novas leiloadas serão R$ 200 bilhões, e elas vão precisar de obras. Vamos brigar por esses contratos”.