Novo ministro da Economia da Argentina apresenta medidas para tirar país da crise
Sergio Massa anunciou que trabalhará com base em quatro eixos: investimento, produção, exportações e mercado interno; especialistas analisam
O novo ministro da Economia, Desenvolvimento Produtivo e Agricultura da Argentina, Sergio Massa, tomou posse nesta quarta-feira (3) e apresentou um programa de medidas econômicas para tentar lidar com a crise cambial e financeira que afeta o país.
Massa não só assume as rédeas da pasta em meio a uma situação econômica muito difícil, com altos níveis de inflação e pobreza, moeda desvalorizada em mercados paralelos, falta de liquidez para fazer frente ao pagamento de dívidas e escassez de reservas internacionais. Sua chegada também ocorre em um momento político difícil para o governo do presidente Alberto Fernández.
Há pouco mais de um mês, Silvina Batakis havia sido nomeada ministra da Economia, após a renúncia de Martín Guzmán, que liderou a pasta desde o início do governo Fernández, em dezembro de 2019.
Guzmán estava sendo pressionado pela situação econômica do país e pelas tensões entre Fernández e a ex-presidente, que agora é vice, Cristina Fernández de Kirchner, uma das lideranças mais importantes da coalizão governista.
Mas Batakis não durou muito no cargo: em meio a uma valorização significativa do dólar em relação ao peso nos mercados paralelos, Fernández anunciou na semana passada que Massa, até então presidente da Câmara dos Deputados do Congresso argentino e também um dos líderes da coalizão, a substituiria.
Agora, o novo ministro acaba de apresentar suas medidas para tentar conter a situação, com base, segundo documento compartilhado com a CNN e discutido nesta quarta-feira durante os pronunciamentos de Massa, em quatro eixos: investimento, produção, exportações e mercado interno.
“Foi uma suposição de sinais. As medidas anunciadas estão no caminho esperado, temos que ver o que acontece com o ‘repo’ dos bancos estrangeiros e do fundo soberano e se vai sustentar o apoio político”, disse o economista argentino, Javier Marcus, à CNN.
“Repo” é como são chamados os empréstimos de curto prazo entre bancos e com garantias, segundo o grupo bancário espanhol BBVA.
Martín Uribe, professor de economia da Universidade de Columbia, disse à CNN Radio que “os anúncios que ouvimos estão geralmente indo na direção certa”, mas também alertou que existem “deficiências no programa do mercado de câmbio”. “Não jogar gasolina no fogo, ao contrário disso, jogar água é a coisa certa a se fazer”.
Mas em que consistem os anúncios e o que pensam os especialistas consultados pela CNN?
1 – Ordem Fiscal
De acordo com os princípios do programa do novo Ministério da Economia, Desenvolvimento e Produção, o primeiro ponto refere-se à ordem fiscal e estabelece que será cumprida a meta de manutenção do déficit primário em 2,5%, conforme já foi estabelecido no orçamento.
O economista Jorge Neyro questionou “como eles vão chegar a 2,5% do déficit fiscal, porque se ajustar neste país é a coisa mais difícil que existe”. “(Seria) um ajuste dentro do que pode ser implementado politicamente. É o que os ministros anteriores vêm implementando, mas Massa tem mais respaldo para fazer ajustes mais fortes”.
O documento estabelece ainda que não haverá Adiantamentos do Tesouro, ou seja, emissão de divisas para o resto do ano, e que regula de forma a travar novas contratações de funcionários públicos na administração pública centralizada.
Finalmente, no que diz respeito à segmentação dos subsídios energéticos iniciada pela sua antecessora, Batakis, será feito um progresso no programa de poupança de energia para as famílias que mantêm subsídios, estabelecendo um limite de consumo mensal que pode ser subsidiado.
“Não é muito diferente do que o ministro Guzmán propôs na época, a questão é poder executá-lo e a realidade é que hoje eles deram a ele (Massa) mais poder e dá a possibilidade de que essas medidas possam ser tomadas e poder colocar as contas fiscais em ordem”, disse Fabián Onetti, presidente da Winston Capital Advisors.
Neyro disse que “há algumas mudanças fortes como a aceleração da segmentação tarifária, a questão fiscal onde se propõe conviver com a arrecadação, não pedir mais dinheiro ao Banco Central e cumprir a meta de 2,5% para o déficit fiscal”.
Enquanto Uribe destacou que “é bom ter ido além de Martín Guzmán no sentido de aumentar as taxas e limitar o consumo”.
2 – Superávit comercial
No segundo ponto do programa, o ministério liderado por Massa buscará criar regimes especiais para promover as exportações do agronegócio, mineração, hidrocarbonetos e indústria do conhecimento, sem esclarecer detalhes.
“Há um recado aí: tenho a impressão de que a tributação vai tentar fazer um melhor tratamento cambial. Há uma expectativa desses grupos industriais de que haverá uma melhora cambial para que sejam estimulados a liquidar as exportações. Há uma expectativa positiva”, destacou Onetti, referindo-se à diferença entre o dólar oficial (a 134,75 pesos por unidade) e o dólar do mercado informal, que semanas atrás estava cotado a 337 pesos e agora caiu um pouco.
Neyro considerou que “em termos discursivos e políticos, a visão muda em termos de relações. Em termos de fatos, nota-se uma mudança apreciável com a relação do campo como gerador de divisas no país”.
Ainda, de acordo com as medidas anunciadas, serão lançados créditos a taxas promocionais para os primeiros exportadores e será desenvolvido um sistema de rastreabilidade para controlar o uso de moeda estrangeira nas importações.
Por fim, serão denunciados na justiça argentina e na unidade de combate à lavagem de dinheiro dos Estados Unidos eventuais casos de subfaturamento de exportações e superfaturamento de importações.
“Os Estados Unidos e a Argentina têm acordos de cooperação em tudo que se refere à atividade criminosa na área de evasão fiscal, e se a Argentina fizer denúncias de abuso serão atendidas. E acho que os Estados Unidos vão concordar totalmente com a Argentina”, disse Onetti.
3 – Reforço das reservas
Neste momento, o governo argentino espera receber um adiantamento de exportações dos setores de agricultura, pesca e mineração nos próximos 60 dias e no valor de US$ 5 bilhões, que irão para as reservas do Banco Central da Argentina.
“A questão é se é suficiente diante de gastos significativos de energia. Por isso, devemos olhar para as letras miúdas do chamado agrodólar e os resultados da viagem de Massa em busca de dólares”, disse Marcus.
A isso se somarão US$ 1,2 bilhão em empréstimos de orgãos internacionais e outros US$ 750 milhões do CAF – Banco de Desenvolvimento da América Latina, segundo o programa.
Uribe destacou que “há deficiências importantes no programa sobre a questão cambial e é muito preocupante; a forma de resolver o problema das reservas pedindo dinheiro ao mundo não é o melhor caminho, mas sim resolver a questão cambial tentando eliminar a brecha”.
Haverá ainda, de acordo com o programa, quatro ofertas de “repo” para reforço de reservas e recompra de dívida soberana, três de instituições financeiras internacionais e uma de fundo soberano.
A esse respeito, Onetti explicou sobre as “repos” que “a Argentina vai entregar títulos que o Tesouro tem, títulos do próprio governo, como garantia, e por essa garantia emprestarão dinheiro”.
O documento de medidas informa também que foi realizada uma primeira reunião com o Fundo Monetário Internacional (FMI), com o qual a Argentina assinou um acordo em março para refinanciar a dívida, para continuar com os desembolsos planejados.
Para Onetti, “o fato de Sergio Massa ter entrado em contato com o FMI é positivo e bem-vindo, e nos anúncios em nenhum momento houve um tom combativo ou agressivo de começar uma briga com o Fundo”.
“A relação (com o FMI) tem que continuar com o que está sendo feito, afirmar as metas até que a realidade mostre que elas são alcançáveis ou não. E ao mesmo tempo dar previsibilidade em relação ao que é anunciado”, disse Neyro. “Massa vai ter que mostrar resultados para que a relação não fique tensa novamente”.
4 – Desenvolvimento com inclusão
O último ponto do programa do ministério de Massa refere-se à difícil situação na Argentina e aos programas de ajuda estatal para os setores mais vulneráveis.
Assim, é estabelecido um reforço aos aposentados para mitigar os danos da inflação, e uma série de reuniões com entidades empresariais e trabalhadores para aumentar a renda dos empregados do setor privado.
Em relação aos planos sociais, busca-se um reordenamento a ser realizado nos próximos 12 meses e com base nos eixos de retorno ao mercado de trabalho, fortalecimento de cooperativas e de proteção em caso de situações de vulnerabilidade.
Também será realizada uma auditoria a quem recebe os planos sociais e quem não cumprir as regras será suspenso. “Nossa ideia de país é que o plano seja emergencial, e o trabalho seja permanente”, diz o programa.
Para Marcus, “a auditoria dos planos sociais não muda o paradigma, mas pelo menos questiona o rumo e mostra a ação”.
Finalmente, o governo procurará unificar os programas de crédito a taxas promocionais para setores produtivos, pequenas empresas e comércio no valor de 400 bilhões de pesos.
“Não é um ajuste puro e simples, mas é um ajuste com visão social e consciência de que as reservas devem ser reforçadas”, disse Neyro.
*Com informações de Ignacio Grimaldi.