“New Deal verde” do Brasil prevê a criação de quase 10 milhões de empregos
Inspirados em exemplo dos Estados Unidos, pesquisadores elaboram plano para o desenvolvimento do país em acordo com a preservação ambiental
Inspirado no exemplo liderado pela congressista americana Alexandra Ocasio Cortez, o Brasil criou sua própria proposta de Green New Deal, o GND-BR, apresentado na quarta-feira (11), na COP26. O objetivo do plano, liderado pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), é reativar a atividade econômica, gerando emprego e renda por meio de investimento em setores e atividades de baixo carbono, construção de uma infraestrutura resiliente e expansão dos serviços públicos para o atendimento da população.
Entre os resultados, espera-se a criação de 9,5 milhões de postos de trabalho, sendo 5,4 milhões em ocupações formais, a um salário médio de R$ 26,6 mil por ano.
Também prevê um crescimento de R$ 1,3 trilhão (US$ 240,6 bilhões) na atividade econômica do país e R$ 121 bilhões a mais por ano em arrecadação tributária a partir da expansão econômica que deve ser impulsionada pelo plano.
Mesmo com esses avanços, o plano prevê 1 gigatonelada de CO2e (gás carbônico equivalente) a menos de emissões por ano.
“A essência do modelo é buscar uma solução sinérgica da agenda social, econômica e ambiental. Não é gerar custos econômicos. Pelo contrário, é através dos gastos em melhorias social e ambiental que vamos ativar a melhoria econômica. A questão não é só aumentar o PIB, é ter um PIB maior e melhor”, afirma Carlos Eduardo Young, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos pesquisadores do estudo.
O New Deal original, que inspirou a criação dos planos GND, foi um programa de recuperação econômica realizado no governo do presidente americano Franklin Roosevelt (1933-1945). O principal objetivo era recuperar a economia norte-americana após a crise de 1929 em razão da quebra da Bolsa de Valores de Nova York.
Influenciado pelas ideias do economista John Keynes, o plano previa a participação do Estado na economia através de regulação de transações e da produção, além de grandes investimentos, como obras públicas.
Os cinco eixos temáticos do plano
O plano brasileiro, baseado em estudos econômicos comandados por um grupo de pesquisadores, se propõe a ser realizado com responsabilidade fiscal. Ele é baseado em 30 ações que se dividem em cinco eixos temáticos:
- uso do solo e florestas
- infraestrutura
- transição econômica justa e sustentável
- cidades
- mudanças políticas e normativas
Cada um deles apresenta ações e metas com custos definidos. No eixo infraestrutura, uma das ações é eletrificar a frota de transporte público, e a meta é substituir 50% da frota de ônibus.
Em cidades, que os pesquisadores chamaram de eixo de “choque” por demandar cerca de metade dos investimentos. Ele contém a proposta de incentivar e aprimorar a gestão de resíduos sólidos, com a eliminação de 100% dos lixões e a reabilitação dessas áreas, além da redução de resíduos recicláveis secos e resíduos úmidos em aterros.
Algumas ações abarcam diversas metas, como no caso do eixo uso do solo e florestas. Para promover a agropecuária de baixo carbono, propõe-se, por exemplo, elevar em 4 milhões de hectares a área sob sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas, assim como expandir a área de florestas plantadas em áreas degradadas em 3 milhões de hectares.
O eixo mudanças políticas e normativas prevê a revisão de pautas e conduções de políticas públicas para aumentar garantias ambientais, fortalecer as relações institucionais e gerar estruturas para sustentar as mudanças.
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Os mecanismos de financiamento
Os criadores argumentam que é possível gerar mais e melhores empregos (com maiores salários e níveis de formalização), priorizando a utilização e capacitação da mão de obra local.
Para isso, a intenção é investir em tecnologias mais eficientes no uso dos recursos naturais, gerar menos emissões de gases do efeito estufa, reduzir impactos ambientais e reduzir a pobreza e as desigualdades socioeconômicas e ambientais.
O investimento necessário para o atendimento das metas do plano é estimado em R$ 509 bilhões por ano (US$ 91,2 bilhões por ano), equivalente a 6,9% do PIB brasileiro (2019). O valor, segundo Young, é próximo do GND americano.
De acordo com o documento, caso o mesmo valor fosse investido no modelo atual de crescimento da economia brasileira, seria gerado um nível menor de atividade econômica, de empregos (inclusive formais), salários inferiores e um aumento de 0,16 gigatoneladas de CO2 em emissões.
Três mecanismos financeiros foram pensados para tornar o plano realidade:
- autofinanciamento, com arrecadação induzida pelo próprio GND-BR
- instrumentos tributários e fiscais, como imposto sobre grandes fortunas, fim dos subsídios aos agrotóxicos e Imposto sobre carbono
- instrumentos econômicos e cooperação internacional, no caso o REDD+ Amazônia (Redução do Desmatamento e Degradação Florestal, mais manejo florestal sustentável), um tipo de pagamento por serviços Ambientais. Este instrumento recompensa quem protege as florestas (produtores rurais, agricultores familiares e assentados)
“A partir do que existe na literatura, buscamos a melhor estimativa para atingir a meta atrelado ao conceito de desenvolvimento sustentável. Usamos um conjunto de técnicas de simulação econômica”, comenta Young.
Fim dos subsídios aos combustíveis fósseis
Os pesquisadores argumentam que os custos de não fazer o plano são maiores e que o GND-BR pode colocar o país de volta aos trilhos da NDC, a Contribuição Nacionalmente Determinada, a meta assumida, com base no Acordo de Paris, para a redução de emissões de gases do efeito estufa.
Enquanto a proposta começa a ser debatida por aqui, Estados Unidos e Europa avançam na construção de seus GNDs.
O economista Sergio Besserman explica que um programa de investimentos de grande porte como este colabora muito com a transição energética, principalmente por retirar os subsídios dos combustíveis fósseis para investir em energia renovável.
“É importante para destravar os fundamentos da macroeconomia global, no sentido de que, enquanto o carbono não é precificado, os investimentos de longo prazo vivem uma incerteza muito grande. Será que vou poder usar essa fonte de energia? Qual a taxa de retorno quando o carbono estiver internalizado nos preços? Essa incerteza trava a decisão de investir”, avalia Besserman.
Para ele, o momento ideal para alavancar esses programas vai ser quando a taxa global de investimento subir. Apesar de atacar diretamente a questão da matriz energética, o plano não se limita a isso.
“[O plano] Direciona para que todos os setores da economia caminhem para a economia verde. Como ele é definido por investimento público e muita regulação de política pública, não há como fazê-lo sem uma rápida retirada de subsídio dos combustíveis fósseis, que hoje representam no mundo quase US$ 500 bilhões diretos, e indiretamente US$ 1 trilhão. Isso tem que acabar.”
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