Bancos brasileiros fecham acordos na China para facilitar transações sem uso do dólar
Bocom BBM adere ao Cips, alternativa ao Swift, e sucursal do banco chinês ICBC vai atuar como clearing house para compensar transações na moeda chinesa
Entre os acordos privados que acontecem na visita de empresários e da comitiva brasileira à China, o Banco Bocom BBM anunciou a adesão ao China Interbank Payment System (Cips). O Cips é a alternativa chinesa ao Swift, ambos sistemas de compensação financeira que facilitam transações em moedas locais entre os países.
E a sucursal brasileira do Industrial and Commercial Bank of China (ICBC), o maior banco do mundo, passa a atuar como banco de compensação do renminbi no Brasil, ou “clearing house”. As informações sobre os acordos foram divulgadas pelo Conselho Empresarial Brasil China, que está organizando os eventos entre empresários no país asiático.
O Bocom BBM será o primeiro a participar do Cips dentro da América do Sul. O banco é resultado da compra do BBM – antigo banco da Bahia, um dos mais antigos do país, fundado em 1858 – pelo Bank of Communication, um dos cinco maiores bancos comerciais da China. Hoje, o Bocom BBM é o maior banco chinês no Brasil.
As reduções das restrições ao uso do renminbi têm o potencial de promover o comércio bilateral e facilitar investimentos com a moeda chinesa. A China já é o principal parceiro comercial do Brasil, destino de 27% de tudo o que foi exportado pelo país em 2022. A corrente de comércio entre os países somou US$ 150 bilhões no ano passado. Os Estados Unidos aparecem em segundo lugar no ranking de exportações, com 11% e uma corrente de US$ 88 bilhões.
À CNN, Alexandre Lowenkron, presidente-executivo do Bocom BBM, afirmou que apesar da crescente importância na relação comercial e financeira entre China e Brasil, hoje o renminbi é apenas a oitava moeda mais usada nas transações brasileiras. O comércio feito na moeda chinesa não chegou a US$ 1 bilhão em 2021 e ficou atrás de moedas como o peso mexicano, o dólar canadense e a libra esterlina, países que possuem uma parceria comercial muito menor com o Brasil, diz o CEO.
“Considerando o crescente e expressivo volume de negócios entre Brasil e China, fica claro que a simplificação das operações financeiras potencializa uma maior diversificação da pauta de comércio entre os dois países, abrindo espaço, inclusive, para empresas brasileiras que não exportam para a China hoje”, afirma Lowenkron.
Ele diz que é difícil mensurar o impacto, em termos de valores, dos anúncios recentes, mas acredita que ao longo do tempo a tendência é que o renminbi se torne uma das principais moedas usadas no comércio brasileiro. “O potencial é enorme”, diz o CEO.
Desdolarização
Em fevereiro, o Banco do Povo da China, o banco central chinês, anunciou a assinatura de um memorando de entendimento (MOU) com o Banco Central brasileiro para a realização de acordos que viabilizem o pagamento do comércio entre os países na moeda chinesa, o renminbi.
A adesão do Bocom BBM ao CIPS e a definição do ICBC como clearing house estavam entre os próximos passos previstos, após o memorando assinado entre os bancos centrais, explica Karin Costa Vazquez, pesquisadora da Universidade de Fudan de Shangai e membro sênior do Center for China and Globalization.
“O anúncio abre caminho para o futuro estabelecimento de acordos de compensação de renminbi no Brasil. Esses acordos podem aumentar o acesso ao financiamento overnight [operações realizadas no mesmo dia] e reduzir o custo das transações comerciais com a China”, afirma Vazquez.
Os acordos também se inserem em uma discussão geopolítica importante sobre pagamentos em moedas locais e desdolarização.
Com as facilidades de pagamento em renminbi, Brasil e China avançam em relação à desdolarização, a redução da dependência do comércio global da moeda americana.
O assunto tem sido amplamente discutido em meio à guerra entre Rússia e Ucrânia e às investidas dos russos para realizar mais transações com chineses em moedas locais. O objetivo dos chineses e russos é tentar reduzir a participação do dólar como principal moeda de troca do mundo e, assim, hegemonia dos Estados Unidos.
China pode “fincar o pé” no mercado financeiro brasileiro
Alexandre Coelho, pesquisador do Observa China e ex-diretor jurídico do Banco da China no Brasil, afirma que a possibilidade de receber pagamentos em renminbi se torna real e maior com a assinatura do memorando entre os bancos centrais e com a indicação do ICBC como clearing house. O próximo passo será abrir portas para integrações também no mercado financeiro.
Ele afirma que um dos objetivos do Brasil seria criar um “Renminbi Offshore Center”, uma estrutura de mercado de capitais que permite a transação de ativos financeiros na moeda chinesa. Países que possuem esse centro, primeiro definem uma clearing house – passo dado pelo Brasil com a definição do ICBC – e em seguida realizam contratos de Swap entre os bancos centrais, operações que envolvem troca de moedas.
“Todos os países que têm Renminbi Offshore Center, como Reino Unido, França, Alemanha, Argentina, Chile, Cingapura, Japão, Luxemburgo e até Rússia, seguem esses passos. Em sistemas mais avançados, como o do Reino Unido, as bolsas de Shangai e de Londres têm acordos para disponibilizar produtos em renminbi, como títulos de dívidas públicas denominados na moeda chinesa”, afirma Coelho
Ao ampliar a integração das moedas para o mercado financeiro, o Brasil diminui a dependência do dólar e passa a contar também com renminbi, segundo o pesquisador do Observa China.
“Do ponto de vista geopolítico, a China finca o pé na área financeira. Em suma, estamos falando da concretização de um mercado secundário de produtos financeiros em renminbi”, diz.