Medidas de ajuste fiscal de Haddad têm viabilidade questionável, dizem economistas
Advogados e economistas afirmam que pacote de mudanças não surpreendeu, pois já estava precificado pelo mercado
Nesta quinta-feira (12), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou o primeiro conjunto de medidas econômicas do novo governo. Especialistas ouvidos pela CNN afirmam que as regras não surpreenderam, pois a maioria já estava na conta do mercado. Além disso, muitas serão difíceis de serem concretizadas no tempo estimado, avaliam.
Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, disse o próprio ministro reconheceu que, parte do que foi anunciado, há viabilidade mais complicada. “São medidas complicadas, a ponto de Haddad ter dito que vai perseguir um déficit primário de 0,5% a 1% do PIB (Produto Interno Bruto). Ele mesmo admitiu que alguns pontos têm uma viabilidade questionável”, diz.
Barros diz que, do que é factível, o ministro está convergindo para projeção de déficit do mercado. “Quem tem um crescimento econômico num PIB um pouco mais forte, tem um déficit um pouco menor. Mas, quem está mais pessimista com o crescimento da economia este ano, tem um déficit um pouco maior”, avalia.
Rafaela Vitoria, economista-chefe do Inter, avalia que a sinalização das medidas anunciadas foi positiva. “Depois da aprovação da Pec da Transição aumentando os gastos em R$170 bilhões e estimando um déficit de R$231 bi, bem acima do que previa o mercado, o ministro da fazenda mostra que pretende fazer uma gestão menos expansionista.”
Contudo, aponta que as medidas possuem um “certo otimismo nas estimativas”. “Entre as propostas, estimamos que cerca de R$120 bilhões são factíveis. O corte de gastos proposto de R$ 50 bilhões é o mais relevante. Entre as despesas que podem ser reduzidas, destacamos a atualização do Cadastro Único que pode melhorar a eficiência do programa Bolsa Família. O próprio governo já levantou irregularidades no cadastro.”
Já pelo lado do aumento da receita, Rafaela diz que a revisão da estimativa de arrecadação parece adequada, e que a volta da cobrança do Pis/Cofins sobre os combustíveis também já era esperada. “Nossa estimativa de déficit primário para 2023 estava em 1,3% e, com os cortes propostos, podemos ver um resultado mais próximo de 0,9%.”
Na visão de Rafael Pacheco, economista da Guide Investimentos, o anúncio vai ajudar a conter o efeito fiscal da PEC de Transição, e da manutenção da desoneração dos combustíveis. “Mas, o problema do governo com a credibilidade da política fiscal ainda vai continuar até que se tenha em mãos a nova proposta para a substituição do teto de gastos”.
Outra questão que fica, segundo Pacheco, é se o governo será capaz de cumprir com sua promessa para o superávit primário e, se não serão anunciadas novas medidas de aumento de gastos. “De qualquer forma, se o governo de fato conseguir alcançar essa meta o resultado seria sim bem relevante para efeito do mercado e em especial para a política monetária”.
“Com um superávit dessa magnitude, perto do déficit que estava previsto, torna-se mais provável o início da queda da Selic neste ano”, aposta Pacheco.
Expectativa do mercado
Segundo Barros, a projeção do Haddad convergiu, porque o mercado já havia precificado essas ações. “Isso reduz a surpresa positiva do anúncio, pois já estava na conta uma expectativa de déficit menor do que o que estava orçado”.
Para ele, essa expectativa de déficit menor já contava com medidas que foram anunciadas, como a reoneração do PIS/ Cofins sobre combustíveis.
“Agora, a surpresa pelo lado da arrecadação, o foco das medidas anunciadas, ficou na redução das compensações tributárias pela exclusão do ICMS da base do PIS/ Confins”, aponta Barros.
Pacheco também avaliou que as medidas anunciadas pelo Haddad pouco surpreenderam, visto que foram bem em linha com o que a mídia tinha divulgado. “O próprio mercado reagiu pouco ao anúncio. A promessa de um ajuste fiscal que levaria o déficit previsto de R$ 232 bilhões para um superávit de R$ 11 bi é o principal fato”, destaca.
Repercussão judicial
O pacote é focado em medidas tributárias com foco no estoque de processos administrativos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais, órgão que julga contenciosos tributários.
Igor Mauler Santiago, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT) e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB, disse que o retorno do voto de minerva revela falta de criatividade do novo governo.
“Dar ao Fisco ou aos contribuintes a vantagem do empate apenas desloca a insatisfação. Se é para mudar, melhor seria excluir a multa – onde há dúvida cabe punição – e manter o crédito suspenso, sem necessidade de liminar ou garantia, até o fim da ação judicial, desde que proposta pelo contribuinte até 30 dias após o fim do processo administrativo”, defende.
Arthur Barreto, advogado tributarista do DSA Advogados, o programa de parcelamento extraordinário, “Litígio Zero”, aparentemente concebido nos moldes dos antigos programas do tipo “Refis”, pode ser um passo para trás depois de uma importante evolução no modelo da transação tributária.
“Nesta, há programas mais específicos, por exemplo, para abranger contribuintes afetados pela pandemia — sendo necessário comprovar os danos causados pela emergência sanitária às contas do contribuinte”, contesta Barreto.
“O ministro Haddad justifica o restabelecimento do voto de qualidade no CARF como sendo uma das boas práticas internacionais, levando em conta a prática em outros países do mundo. Ao mesmo tempo, ele diz não haver sistema de julgamento similar em outros países. Ora, se inexiste sistema similar em outros países que contemple o julgamento administrativo com o chamado voto de qualidade, a justificativa para a medida fica esvaziada”, afirma Gabriel Neder, tributarista do Peixoto & Cury Advogados.
Rafaela Vitoria vê ser mais difícil estimar o impacto devido às questões judiciais, bem como a adesão das empresas a programas de Refis. “Mas também é uma sinalização positiva o governo estar endereçando esse risco, o que pode evitar surpresas negativas no futuro, como foi o aumento dos precatórios em 2021.”