STJ entende que plano de saúde não é obrigado a pagar procedimento fora da lista da ANS
Apesar da decisão do tribunal não ser vinculante, a decisão pode consolidar uma nova jurisprudência sobre o tema e servir para os tribunais inferiores.
Por seis votos a três, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu nesta quarta-feira (8) que a lista de procedimentos de cobertura obrigatória para os planos de saúde, regidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é “taxativa”, ou seja, que obriga a cobertura somente dos itens da lista.
Apesar da decisão do tribunal não ser vinculante, pode consolidar uma nova jurisprudência sobre o tema e servir para os tribunais inferiores.
O julgamento havia sido suspenso em fevereiro, após o ministro Villas Boas Cueva pedir mais tempo para análise. Na sessão desta quarta, o ministro afirmou que o rol é em regra “taxativo”. “A operadora não é obrigada a arcar com tratamentos de fora se já há outro procedimento eficaz já incorporado”, disse.
Em fevereiro, a ministra Nancy Andrighi defendeu a tese que “o rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS tem natureza exemplificativa”, ou seja, pode ser ampliado para cobertura de mais tratamentos e procedimentos quando necessário.
Os ministros começaram a analisar a matéria em setembro do ano passado, quando o relator, ministro Luis Felipe Salomão, defendeu que o rol da ANS deveria ser taxativo, ou seja, quando os pacientes só deveriam ser submetidos a procedimentos com respaldo científico. Dessa maneira, o intuito seria preservar o equilíbrio econômico do mercado de planos de saúde.
Veja como votou cada ministro:
Luis Felipe Salomão (relator) – taxativo
Villas Bôas Cueva – taxativa
Nancy Andrighi – exemplificativa
Raul Araujo – taxativa, com exceções
Paulo Sanseverino – exemplificativa
Isabel Gallotti – taxativa
Marco Buzzi – taxativa
Marco Aurélio Belizze – taxativo
Moura Ribeiro – exemplificativo
O que dizem os especialistas
A deputada federal Flávia Morais (PDT-GO), que presidiu, mais cedo neste mês, audiência pública para o debate na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, mencionou “uma preocupação muito grande de perdermos essa flexibilização que existe hoje através do rol exemplificativo”.
Em sua avaliação, o rol exemplificativo permite um atendimento mais humanizado e até individualizado conforme as necessidades dos pacientes da saúde suplementar, como pessoas com paralisia, câncer, doença rara ou transtorno do espectro autista.
“São pacientes, no geral, que precisam muito de algum tipo de atendimento que, muitas vezes, no rol taxativo não vão ter, vai ser negado a esses grupos, que são grupos sensíveis, e precisam ter essa cobertura. Não tem outra forma. Eles não têm como pagar e a única forma serão os planos de saúde”, disse Morais.
O representante da Comissão de Defesa Profissional da Associação Médica Brasileira (AMB), Florisval Meinão, afirmou que, atualmente, avalia que o rol é tido como taxativo, embora as pessoas recorram à Justiça para “fazer valer seus direitos”.
Com um rol considerado taxativo, os pacientes têm mais dificuldades em vencer processos judiciários para acesso a medicamentos e tratamentos, segundo ele.
Meinão reiterou que os médicos têm o compromisso de sempre oferecer aos pacientes os melhores tratamentos científicos disponíveis e, por vezes, se confrontam com dificuldades pela inexistência de determinados procedimentos no rol da ANS.
A deputada Flávia Morais concordou com Meinão sobre o fato de um rol taxativo deixar mais difícil para pacientes tentarem acesso a medicamentos e procedimentos por meio da Justiça. Ela afirmou que, se judicializar uma divergência já é difícil hoje em dia, a depender da decisão do STJ, poderá ficar mais impeditivo.
“O que a gente vê aqui é uma lógica totalmente cruel e perversa, porque estamos colocando o lucro dos planos de saúde acima da vida das pessoas. Isso é muito grave”, declarou Morais.
Representante do Instituto Rizo Movement – que ajuda famílias de crianças com paralisia cerebral –, o médico Francisco Alencar afirmou já ser comum se deparar com questionamentos relativos a procedimentos fundamentados no rol da ANS, especialmente na área de reabilitação.
“Às vezes, o rol de procedimentos, apesar de ser, de certa forma, bem-feito, quando é interpretado pela fonte pagadora, é como se fosse somente para situações curativas. Desde quando a gente consegue curar alguém [no caso de paralisia cerebral]?”
Alencar disse que, por várias vezes, terapias definidas como padrão a determinados pacientes acabam sendo cobertas somente a partir de demanda judicial, o que pode postergar tratamentos.
Quando são aceitos, falou, há situações em que são autorizados períodos demasiados curtos de terapia que acabam tendo pouco efeito prático. Por isso, a seu ver, com base em sua vivência, argumentou, o rol deve ser exemplificativo.
“O rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação” das enfermidades previstas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde [CID], destacou.
O representante do Instituto Rizo Movement também criticou que novas terapias demoram a ser incluídas no rol pela ANS. Na comissão foi transmitido um vídeo com depoimentos de famílias com crianças com paralisia cerebral. Uma das depoentes disse que o difícil não é ser mãe de uma criança com deficiência, mas se tornar “invisível” à sociedade.
Advogada da Comissão Especial de Saúde da OAB do Rio Grande do Sul, Noemi de Freitas afirmou que uma confirmação no entendimento do rol para meramente taxativo pode deixar de fora a cobertura de medidas como fornecimento de medicamentos de alto custo, cardiopatias graves, videolaparoscopia, hidroterapia e equoterapia, citou.
Em seguida, Freitas alegou que a lei dos planos de saúde deixa claro que o rol funciona como uma listagem de procedimentos básicos com exceções previstas. Ou seja, o rol deve ser tratado como um norteador, uma referência básica, não como um fim em si mesmo.
A presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Goiás, Tatiana Takeda, lamentou que a sociedade tenha que discutir a classificação do rol da ANS, e não a qualidade prestada por certas operadoras de planos de saúde.
“A gente tem que ter em mente que essa legislação que as agências reguladoras fazem não podem se sobrepor aos princípios constitucionais. A gente está falando de direito humano. Como não falar de direito humano sem citar a dignidade da pessoa humana? Esse princípio estampado logo no artigo 1º da nossa Constituição”, defendeu.
Também participou da audiência da comissão na Câmara a vice-presidente do projeto social Angelina Luz, do Rio Grande do Sul, Vanessa Regina Sicchieri Ziotti, que pontuou ser autista e mãe de trigêmeos autistas.
Ela afirmou não existirem provas de que as operadoras de planos de saúde estão prestes a falir de acordo com autos na Justiça até o momento. A seu ver, ações no sentido de limitar as coberturas dos planos “ferem de morte a Constituição Federal” ao contrariarem o princípio do não retrocesso social e os direitos das pessoas com deficiência, disse.
De forma que não costuma ser usual, a direção da comissão permitiu que pessoas presentes à reunião pudessem falar por alguns minutos. A maioria dos depoimentos foi dada por mães de crianças com deficiências.
Elas pediram ajuda aos ministros do STJ e do Congresso para garantir uma cobertura mais ampla pelos planos de saúde.
*Com informações de Luciana Amaral, da CNN