Limitação dos juros do rotativo pode estimular novas dívidas no cartão de crédito, diz especialista
Para Beatriz Aguillar, medida pode restringir oferta de crédito e até impactar descontos em renegociações; entidades comemoram ação
O limite dos juros do rotativo do cartão crédito pode representar um risco para quem não tem controle sobre as finanças pessoais. É o que afirma a educadora financeira e criadora do canal Papo de Bolsa, Beatriz Aguillar.
Para a especialista, a medida pode ser um estímulo para a criação de débitos, uma vez que os juros não poderão ultrapassar 100% do valor original da dívida.
“As pessoas podem se aproveitar dessa limitação de crédito, onde R$ 200 ou R$ 300 reais não vão poder mais passar de R$ 400 ou R$ 600, por exemplo. E aí elas vão deixar pra lá essa dívida”, afirma.
Mas a esperança da analista de investimentos é de que esses casos sejam minoria e que não aconteçam a ponto de aumentar a inadimplência de cartões de crédito nos bancos.
Apesar de considerar a medida positiva em um primeiro momento, a especialista também alerta para outras possíveis consequências dessa limitação, que vão desde uma oferta de crédito mais cautelosa até uma menor cessão de descontos por parte das instituições.
“Dar um cartão de crédito com limite muito alto, ou qualquer coisa nesse sentido, muito provavelmente é algo que vai ser reavaliado pelos bancos. Eu trabalhei 7 anos em banco, e muitas vezes a gente via pessoas que ganhavam um salário mínimo com um limite de cartão de crédito até cinco vezes maior do que a renda que elas tinham”, comenta.
Além disso, ela destaca que outros produtos e serviços ofertados por instituições financeiras também podem ficar mais caros para quem descumprir o pagamento da dívida, inclusive os de renegociação.
“A partir do momento que você não tem mais esse tipo de juros, de 400% ou até 500%, quando eles [bancos] forem renegociar essas dividas, eles provavelmente não vão aceitar um papagaio e dois cachos de banana para resolver esse problema. Lá na frente, essa cobrança deve ser mais incisiva”, avalia.
Ela também alerta que, mesmo limitados, juros de 100% ainda são muito elevados. Por isso, para quem precisa de crédito, ela indica que sejam buscadas outras alternativas que podem ter juros menores, como crédito consignado ou empréstimo pessoal, por exemplo.
Para Beatriz, a questão da inadimplência não será resolvida apenas com essa medida. A fomentação da competitividade entre as instituições e, principalmente, o incentivo à educação financeira são caminhos que se complementariam na solução desse problema.
“Estímulo à inadimplência”
Em nota enviada à CNN, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que a limitação dos encargos financeiros do cartão de crédito pode ser um estímulo à inadimplência, à medida em que o devedor, independentemente do prazo em que permanecer inadimplente, saberá que sua dívida no cartão poderá, no máximo, dobrar de tamanho.
“Isso traz preocupações de risco de crédito e os bancos, bem como o Banco Central, estão absolutamente cientes deste risco. Por essa razão, será feito um monitoramento de perto da implementação da regulamentação, para, se o caso, propormos aprimoramentos”, diz o texto.
Sobre a restrição da oferta de crédito, a Febraban concorda que este pode ser um efeito de segunda ordem, e que os agentes que ofertam o cartão de crédito poderão ficar mais seletivos, reduzindo a oferta para os clientes de perfil de risco mais alto.
“É possível que justamente aqueles clientes de renda mais baixa sejam os mais afetados por esta restrição de oferta. Afinal, como sabemos pela experiência de outros países, todo tabelamento ou controle de preços gera distorções e, mais cedo ou mais tarde, leva a uma redução da oferta do produto tabelado”, completa.
A entidade finaliza dizendo ser “prematuro” avaliar se e como estes riscos de inadimplência e redução de oferta se desdobrarão na indústria de cartões de crédito no Brasil.
Entidades de varejo e serviço comemoram limite
Por outro lado, entidades de varejo e serviços lançaram movimento para defender o parcelamento sem juros. Em entrevista à CNN, Décio Lima, presidente do Sebrae — parte da iniciativa — defendeu que “não há relação” entre o parcelado sem juro e a inadimplência.
Para ele, um dos caminhos para corrigir a distorção é a queda das taxas de juros praticadas pelo mercado. Ele pediu um “marco regulatório” pelo BC.
“Não vejo qual a relação entre rotativo e o parcelado sem juros no processo de inadimplência. Este processo de inadimplência, na verdade, existe em razão da voracidade dos juros do rotativo”, defendeu.
Segundo Lima, o parcelamento sem juros é uma instituição dos brasileiros e faz parte de suas vida e cultura. Ele defende que a modalidade permite a inclusão das parcelas mais pobres da população no mercado de consumo.
A Fecomercio-SP, que também fez parte do movimento, celebrou a vigência do teto. Em nota, afirmou ser “evidente que a inadimplência está associada às taxas que vinham sendo praticadas no rotativo”.
Para Roberto Georg Uebel, economista e professor da ESPM, o teto do rotativo deve, em um primeiro momento, permitir a solvência de dívidas. No longo prazo, acredita que pode haver queda da inadimplência, mas também restrição do crédito.
“Com os juros menores, certamente veremos uma menor oferta de crédito para as pessoas, com menor prêmio de risco”, disse.