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    Ipea sugere reajustar Bolsa Família em 29% e extra de R$ 450 por 6 meses

    As medidas alcançariam o terço mais pobre da população brasileira num momento em que elas estão vulneráveis à crise provocada pelo novo coronavírus

    Pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sugerem que o governo federal conceda um reajuste de até 29% no critério de acesso e nos valores pagos pelo Bolsa Família e crie um benefício extraordinário de R$ 450,00, com duração de seis meses, para todas as famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa. As medidas alcançariam o terço mais pobre da população brasileira num momento em que elas estão vulneráveis à crise provocada pelo novo coronavírus.

    As ações seriam combinadas com a inclusão de 1,7 milhão de famílias que estão na fila de espera do programa. O gasto adicional é calculado com as transferências assistenciais em 2020 é calculado em R$ 68,6 bilhões, mas mais de 80% dessa despesa seria temporária e restrita a este ano. O impacto para o ano que vem seria bem menor, de R$ 11,6 bilhões, de acordo com a nota técnica divulgada nesta sexta-feira, 27, pelo Ipea.

    O cenário é apenas uma entre as 72 alternativas desenhadas e calculadas pelos pesquisadores Luís Henrique Paiva, Pedro Ferreira de Souza, Leticia Bartholo e Sergei Soares. De acordo com o texto, as simulações foram solicitadas pelo Ministério da Economia, que pediu “a construção de cenários de intervenção para potencializar o uso do PBF (Programa Bolsa Família) e do Cadastro Único como mecanismos de redução dos prejuízos econômicos causados pela covid-19 à população brasileira de baixa renda”.

    O trabalho também analisou as dificuldades institucionais e operacionais, uma vez que qualquer resposta à covid-19 para dar suporte às famílias vulneráveis precisam ser rápidas. “De nada adianta uma boa resposta que poderá ser operacionalizada em 3 ou 4 meses, deixando as famílias mais pobres sem recursos durante o período mais crítico da crise”, alerta o texto.

    A avaliação dos pesquisadores é de que é preciso zerar a fila de espera pelo Bolsa Família e restabelecer o valor real das linhas de pobreza e extrema pobreza fixado no início do programa em 2004 nesse momento de maior vulnerabilidade social. Hoje, o benefício é pago a famílias com renda mensal de até R$ 178 por pessoa, e a extrema pobreza é considerada quando o valor é de até R$ 89 por pessoa. Essas cifras, pela proposta, subiriam a R$ 230 e R$ 115, respectivamente, o que ampliaria o número de famílias aptas a ingressar no programa.

    Além disso, os pesquisadores defendem a criação de um benefício extraordinário a ser pago a todas as famílias que estão com cadastro atualizado no Cadastro Único, base de dados do governo federal para a inclusão de famílias em programas sociais, independentemente de elas receberem ou não o Bolsa Família. Para ser incluído no CadÚnico, é preciso ter renda familiar de até R$ 522,50 por pessoa.

    O argumento dos pesquisadores é que as famílias que estão no CadÚnico mas ainda não estão na “linha de pobreza” que justifica o pagamento do Bolsa Família podem passar por um “empobrecimento” durante a crise do novo coronavírus. Isso provocaria uma espécie de corrida aos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), já sobrecarregados e que assistiriam a uma aglomeração de pessoas justamente quando a recomendação sanitária é para que a população fique em casa e evite situações de alto risco de contágio pela covid-19.

    “A concessão de benefícios temporários para famílias vulneráveis é uma resposta preventiva mais racional do que simplesmente esperar que essas famílias caiam abaixo da linha de pobreza e tenham que se dirigir aos CRAS para atualizar suas informações no Cadastro Único”, diz o estudo.

    Durante a vigência do benefício extraordinário, os 30% mais pobres da população brasileira poderiam contar com uma renda mínima mensal de R$ 450 por família. Os beneficiários do Bolsa Família poderiam acumular os pagamentos e teriam, em média, uma segurança de renda mensal de quase R$ 690 por família. Após o fim do benefício extraordinário, as famílias beneficiárias do programa continuariam recebendo em média algo próximo de R$ 240 por família (R$ 77 per capita), valor 27% maior do que o pago atualmente, nos cálculos dos pesquisadores.

    Foram feitas simulações com outros valores, de R$ 150 ou R$ 300 por família, que consequentemente teriam menor impacto nas contas públicas, mas protegeriam menos as famílias no período de crise.

    “Entendemos as restrições fiscais que atormentam o Estado brasileiro, mas, dada a probabilidade de desdobramentos catastróficos do ponto de vista social, nossa recomendação inevitavelmente tende para os cenários mais generosos”, diz a nota técnica. Segundo os pesquisadores, “na pior das hipóteses, mesmo se os riscos sociais estiverem superestimados” a despesa adicional seria quase toda temporária.

    Além disso, o gasto com transferências passaria de 0,4% do PIB brasileiro para 1,4% do PIB neste ano – bem abaixo do déficit anual da Previdência Social e em linha com os programas de transferência de renda de outros países.

    Do ponto de vista institucional e operacional, a sugestão feita pelos pesquisadores é considerada de dificuldade intermediária a alta. Nos reajustes e na inclusão de mais famílias no programa, o obstáculo é a tarefa de entregar tantos cartões ao mesmo tempo para os beneficiários, num momento em que o esforço de logística pode ser difícil.

    Para criar o benefício extraordinário por seis meses, é recomendada uma legislação específica (sem conexão com Bolsa Família) e boa articulação com o Congresso para rápida aprovação. A maior dificuldade seria ajustar os sistemas da Caixa aos novos parâmetros do pagamento especial, uma vez que eles seriam diferentes do Bolsa Família. Mesmo assim, os pesquisadores acreditam ser possível rodar uma folha já no início de abril, para pagamento no fim do mês.

    Rede de assistência

    A nota técnica do Ipea chama a atenção ainda para a falta de recursos da rede assistencial do governo federal, que precisaria de R$ 2,5 bilhões para manter os serviços funcionando, mas conta apenas com cerca de R$ 1,5 bilhão (sendo R$ 500 milhões condicionados à aprovação de um crédito especial pelo Congresso Nacional).

    “Recordemos que é a rede de assistência a responsável por acolher pessoas em situação de rua e até mesmo por arcar com os custos de sepultamento de indivíduos cujas famílias não têm condição financeira para tal. É preciso sublinhar, portanto, que o êxito das sugestões de ampliação de benefícios expostas nesta nota requer a recomposição do orçamento disponível aos serviços de assistência social”, diz o texto.

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