Conservadoras, mas nem tanto: mulheres que apostam na bolsa vão de ‘blue chips’
Especialistas percebem uma maior autonomia das mulheres na hora de aplicar o próprio dinheiro em renda variável
A bolsa está atraente. A crise sem precedentes do novo coronavírus até impactou o mercado, mas os efeitos não duraram muito e, enquanto a economia tenta encontrar o caminho de volta para o crescimento, o Ibovespa não para de acumular altas e, mais que isso, novos ingressantes.
Prova disso é que o número de investidores no mercado brasileiro não para de crescer. A proporção de pessoas físicas investindo na bolsa, por exemplo, chegou a 27% no último dia 29 de julho, ante 24,2% no final de junho, ocupando espaço de institucionais e estrangeiros, que tiveram suas fatias reduzidas a 23,8% e 44,4%, respectivamente. Agora, mesmo o público feminino, que não tinha uma representação muito fervorosa no Ibovespa, também se rendeu ao mercado de ações.
Isso porque, apesar do número de pessoas físicas na bolsa de valores brasileira ter ultrapassado a marca de 2 milhões de CPFs neste ano, as mulheres ainda representam apenas 24% desse contingente — o mesmo número de dez anos atrás. Mas, com a crise induzida pelo coronavírus, no entanto, o público feminino iniciou uma mudança de comportamento, abrindo mão da posição historicamente ‘conservadora’ e apostando, também, na renda variável.
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O novo comportamento tem uma explicação: com as taxas de juros em mínimas históricas – na última semana, o Copom reduziu a Selic para 2% ao ano – e com previsões de que o cenário vai seguir assim por um bom tempo, quem investia na renda fixa se viu obrigado a correr mais risco para tentar obter um melhor rendimento. Diante desse cenário, a solução para muitos foi correr para a renda variável. Até mesmo influciendora de beleza e saúde não perdeu a oportunidade e ‘trocou’ a academia pela prática de day trade.
Mas, a alta debandada para a bolsa fez surgir uma desconfiança sobre o fato de o mercado financeiro estar formando uma “bolha”. Porque mesmo com a economia real destroçada pela pandemia de coronavírus, o Ibovespa, principal índice da B3, rapidamente recuperou os 100 mil pontos, puxado pela alta no preço dos ativos. A movimentação incoerente fez com que alguns investidores passassem a apostar que os preços estão inflacionados, operando vendidos.
“Muita gente pergunta se estamos tendo uma bolha”, disse Gilson Finkelsztain, presidente da B3 numa conferência online realizada recentemente pela Febraban. “Não vejo os preços de ativos no Brasil refletindo uma irracionalidade”, negou o executivo.
Entre as mulheres, porém, a cautela parece prevalecer: mesmo ao aportar em ativos de maior risco, os investimentos femininos parecem se concentrar em “apostas certas”. Nos meses de abril a julho, as ações preferidas das mulheres foram blue chips do varejo e do setor financeiro: Magalu, Via Varejo, Petrobras, Banco do Brasil e Itaú, nesta ordem, de acordo com um levantamento da iHub, escritório filiado à XP Investimentos.
Conservadoras, mas nem tanto
No recorte da iHub, prevalece um perfil concentrado em torno de executivas e profissionais autônomas, com renda em torno de R$ 15 mil mensais e patrimônio investido de R$ 200 mil a R$ 500 mil. Com forte presença no sudeste, com 77% das investidoras, a pesquisa conversou com mais de 1,5 mil pessoas para entender a mudança de comportamento entre as mulheres.
Além das blue chips – e queridinhas do mercado, como Via Varejo, Magalu e Petrobras – o escritório filiado à XP observa uma mudança no comportamento das mulheres investidoras. Agora, diante de uma Selic baixa e renda fixa menos atrativa, a tendência é que a procura por ações (mesmo as mais ‘conservadoras’), seja mais recorrente.
“Existe uma mudança cultural importante em relação a liberdade financeira das mulheres hoje. Muito diferente de anos atrás, são mulheres que podem ter voz, que brigam por mais renda, por salários iguais”, diz Tatiana Tribioli, trader da iHub.
Mais que um cenário de Selic baixa, a trader atribui a tendência a uma consequência direta dos movimentos sociais. Isso porque, se há pouco tempo as mulheres delegavam ao marido ou ao pai as decisões no balcão, agora estão tomando autonomia e se interessando mais pelo tema, como conta Tribioli. “Era muito comum, há algum tempo, o marido operar pela investidora. E hoje isso ainda existe, mas é cada vez menos comum. Agora, elas mesmas me ligam, questionam, querem entender o cenário, acompanhar de perto. E buscam cada vez operações mais sofisticadas”, conta.
Outras corretoras também percebem essa emancipação. Dados atualizados da Easynvest mostram que o número de mulheres solteiras passou de 47% em janeiro do ano passado para 56% em agosto desse ano. Com predominância das mais jovens: 57% das clientes mulheres têm entre 26 e 39 anos.
“É muito interessante ver que as mulheres solteiras tão começando a buscar sua liberdade financeira. Nas nossas pesquisas, a gente percebe que um dos principais fatores que atrapalham as mulheres ainda é a insegurança, porque historicamente o homem tinha essa responsabilidade de cuidar do dinheiro”, explica a gerente de produto de renda variável, Iris Sayuri na corretora e membro do projeto do “Nós, Mulheres Investidoras”.
Informação
A solução apontada para acelerar esse processo é a mesma de sempre: educação financeira. De acordo com a Easynvest, desde que a corretora investiu nesse projeto voltado ao público feminino, a participação cresceu 11 pontos percentuais e, atualmente, 37% dos clientes da fintech são mulheres.
Entre as que investem em renda variável, 71% aplica em ações, 23% em Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs) e 6% em Exchange Traded Funds (ETFs). Ao mesmo tempo, 78% dos homens concentram os investimentos em ações e 18% em FIIs. A gerente de produto da Easynvest, Iris Sayuri, enxerga essa postura feminina, de maior diversificação, como um melhor entendimento de como montar uma boa carteira.
“É um amadurecimento do mercado como um todo. A renda variável é mais um dos produtos que as pessoas deveriam conhecer para compor uma carteira saudável. Por ter menos acesso a conteúdo, antigamente as mulheres eram mais conservadoras, mas agora isso tem aumentado de forma gigantesca. Hoje a gente tem um público feminino buscando informação. E isso é bom para todo mundo”, afirma.
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