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    Indústria do uísque nos EUA em crise com fungo destrutivo e disputa tributária

    Vizinhos dos estados do Tennessee e Kentucky, maiores produtores de bourbon do mundo, lutam contra a expansão da indústria, inclusive processando os destiladores

    Associated Press. Tradução Guilherme Guerra, do Estadão Conteúdo

    Por décadas, os produtores de uísque e bourbon dos estados do Tennessee e Kentucky, nos Estados Unidos, foram amados em suas comunidades.

    As destilarias onde as bebidas são fabricadas e as casas de barris onde são envelhecidas têm complementado o caráter rural de suas regiões, enquanto proporcionam empregos e o orgulho de uma indústria caseira de sucesso.

    Mas, agora, a crescente popularidade da indústria em todo o mundo está alimentando conflitos em casa.

    No Kentucky, onde 95% do bourbon do mundo é fabricado, os condados estão se revoltando depois que parlamentares votaram para eliminar gradualmente um imposto sobre barris dos quais eles dependiam para financiar escolas, estradas e serviços públicos.

    Autoridades locais que doaram terras e gastaram milhões em infraestrutura para ajudar os produtores de bourbon agora dizem que esses investimentos talvez nunca sejam recuperados.

     

    Vizinhos em ambos os estados norte-americanos têm lutado contra a expansão da indústria, inclusive processando os destiladores. As reclamações incluem um destrutivo “fungo do uísque” preto, a perda de terras agrícolas de primeira qualidade e desenvolvimentos turísticos temáticos de bebidas alcoólicas que são mais Disneylândia do que visita à destilaria.

    O caso de amor, parece, acabou.

    “Já fomos seus maiores defensores e eles nos jogaram debaixo do ônibus”, disse Jerry Summers, ex-executivo da Jim Beam e juiz-executivo do Condado de Bullitt – essencialmente, o prefeito do condado.

    O Condado de Bullitt há muito depende de um imposto anual sobre barris de uísque envelhecido, que trouxe US$ 3,8 milhões em 2021, disse Summers.

    A maior parte vai para as escolas, mas o dinheiro também é usado para serviços que apoiam as plantas Jim Beam e Four Roses do condado, incluindo um departamento de bombeiros em tempo integral.

    Muitos dos novos armazéns de barris estão sendo construídos com títulos de receita industrial que os isentam de impostos sobre a propriedade por anos ou décadas. Os condados apoiaram as isenções de impostos sobre a propriedade porque esperavam continuar coletando o imposto sobre os barris.

    Quando a legislatura do Estado votou para eliminá-lo gradualmente este ano, após intensa pressão da Associação de Destiladores do Kentucky, os funcionários do condado se sentiram traídos.

    “Nossa indústria sempre foi um acordo de aperto de mão”, disse Summers. Agora, esses acordos estão sendo quebrados.

    Uma vez que o imposto sobre barris termina em 2043, os destiladores não pagarão impostos ao Bullitt em alguns armazéns. O condado ainda terá de fornecer serviços a eles, protegê-los e proteger a comunidade ao redor deles se algo der errado, disse Summers. “Onde você tem uma planta baseada em álcool que produz um material perigoso, você precisa de gestão de emergências.”

    O governador democrata Andy Beshear, que assinou o projeto de lei após a aprovação pela legislatura republicana de Kentucky, disse que vários compromissos da indústria foram vitais para seu apoio, enquanto o projeto incentivará o investimento.

    “Sei que foi difícil. Você tem uma indústria que sustenta tantos empregos e chama o Kentucky de casa. Ao mesmo tempo, você tem comunidades que ajudaram a construir essa indústria. Sei que existem, provavelmente, alguns sentimentos difíceis agora”, disse Beshear em uma coletiva de imprensa.

    O presidente da Associação de Destiladores do Kentucky, Eric Gregory, observou que o projeto de lei de compromisso cria um novo imposto especial para ajudar a financiar os distritos escolares. Outro imposto ajuda os serviços de bombeiros e gestão de emergências, embora não se aplique a todos os condados.

    “Mesmo com este alívio, a destilação continua sendo a indústria mais tributada do Kentucky, pagando US$ 286 milhões em impostos a cada ano”, disse Gregory em um e-mail.

    Uísque ganha as prateleiras

    Enquanto as mudanças fiscais acontecem, o uísque está prosperando.

    Como ex-executivo da Beam, Summers lembra-se de uma época em que o uísque era uma bebida barata, “de prateleira inferior”. Com produtos de pequenos lotes, a bebida lentamente se tornou popular.

    As receitas de uísque americano desde 2003 quase quadruplicaram, atingindo US$ 5,1 bilhões no ano passado, de acordo com o Conselho de Bebidas Destiladas dos Estados Unidos. Durante o mesmo período, o segmento superpremium aumentou mais de 20 vezes, para US$ 1,3 bilhão.

    Agora, muitas das marcas mais reconhecidas fazem parte de conglomerados internacionais de bebidas. A Jim Beam é de propriedade da Beam Suntory, com sede no Japão. A Bulleit é de propriedade da britânica Diageo. O Grupo Campari, da Itália, é proprietário da Wild Turkey.

    Ao pressionar pelo fim do imposto, o grupo de destiladores sugeriu que a indústria poderia deixar o Kentucky. Autoridades como Summers estão chamando isso de blefe. Ele disse que o Condado de Bullitt não quer nenhum novo armazém de barris, a menos que as coisas mudem, e ele não está sozinho.

    O Condado de Nelson, lar de Heaven Hill, Log Still e outras comunidades do Kentucky envolvidas com a indústria, recentemente aprovou uma moratória sobre a construção de novos armazéns de bourbon, enquanto o condado atualiza as regras de zoneamento e permissão. Em breve, todos os novos projetos deverão buscar a opinião dos cidadãos e a aprovação do conselho de zoneamento, disse o juiz executivo Timothy Hutchins.

    “Isso chamou a atenção deles, vamos colocar assim”, disse Hutchins. “Agora, estamos tentando nos reconciliar.”

    O condado recebe cerca de US$ 8,6 milhões por ano do imposto sobre barris, disse ele.

    No Condado de Lincoln, no Tennessee, a Jack Daniel’s recentemente recebeu uma ordem de paralisação de trabalho após vizinhos processarem a empresa por uma grande expansão não autorizada.

    Desde 2018, a empresa construiu seis armazéns de 7.989 metros quadrados cada, comportando 66 mil barris em uma propriedade de 48 hectares, segundo a ação judicial.

    A Jack Daniel’s desde então recebeu retroativamente as devidas autorizações, mas os vizinhos dizem que sua maior reclamação não foi atendida: um fungo preto que se alimenta do etanol emitido durante o envelhecimento do uísque.

    ‘Fungo do uísque’

    O “fungo do uísque” tem sido um incômodo ao redor das instalações de bebidas alcoólicas por séculos, mas o tamanho e o escopo dos novos complexos de armazéns significa que muito mais etanol está sendo liberado em uma área concentrada.

    O fungo cobre as casas e carros próximos com um filme preto fuliginoso, sufocando árvores e arbustos.

    Quando Pam Butler se mudou para o Condado de Lincoln, há 30 anos, havia apenas dois armazéns nas proximidades, e ela não tinha “problemas”.

    “Eu tinha um carro branco e ele permaneceu branco. Eu tinha um trailer de cavalo branco e ele permaneceu branco. Então, há cerca de cinco anos, tudo começou a ficar sujo”, disse Butler.

    Butler possui uma pequena fazenda, onde mantém cavalos, adjacente à propriedade da Jack Daniel’s. Ela disse que suas terras de pastagem não estão prosperando como deveriam, muitas de suas árvores estão morrendo e ela desenvolveu asma. Ela não sabe se sua doença está relacionada ao fungo, mas disse que só começou a ter sintomas nos últimos anos.

    Butler e vários outros vizinhos querem que a Jack Daniel’s capture suas emissões de etanol em vez de liberá-las no bairro. A empresa não quis comentar sobre o fungo, mas o porta-voz Svend Jansen forneceu uma declaração dizendo que “continuará a trabalhar duro para ser um bom parceiro para todos os membros de nossa comunidade”.

    “Reconhecemos que houve, às vezes, um pequeno número de pessoas que não apreciam ou valorizam o crescimento da produção de uísque no Tennessee nas áreas onde operamos”, disse a declaração.

    Agricultura local

    De volta ao Kentucky, o famoso autor e agricultor Wendell Berry tem outra preocupação: a segurança alimentar local e a destruição de terras agrícolas de primeira qualidade.

    “Estou trabalhando há quase 30 anos para desenvolver uma economia alimentar regional para Louisville”, disse Berry.

    “Cidades como Louisville e Nashville são cercadas por terras férteis e bem irrigadas”, mas estão importando grande parte de seus alimentos do Vale Central da Califórnia, disse ele. “Passei a minha vida argumentando que essa terra vai ser necessária para as pessoas que querem algo para comer”.

    Entre 2002 e 2022, o PIB agrícola do País foi de US$ 122 bilhões para US$ 500 bilhões na esteira de investimentos maciços em pesquisa e de políticas públicas para o setor

    Berry recentemente perdeu uma luta com o destilador Angel’s Envy, em Louisville, sobre o desenvolvimento de uma propriedade de 485 hectares adjacente à fazenda onde ele cresceu. O Condado de Henry aprovou os planos da empresa para um complexo turístico de bourbon lá, completo, com cabines, um anfiteatro e um heliporto.

    A Angel’s Envy recusou-se a comentar.

    Fred Minnick, que escreveu livros sobre bourbon e julga competições mundiais de uísque, disse que é um momento interessante para a indústria, pois o bourbon nunca foi tão popular.

    “O bourbon era o mocinho. O bourbon era amado pelo estado”, disse ele sobre o Kentucky. “Será fascinante ver se o bourbon continua sendo um herói”.

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