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    Governo precisa cortar gastos, setores têm de discutir desonerações e vice-versa

    Ano passado encerrou com rombo de R$ 230,5 bilhões nas contas do governo, o segundo pior resultado da história

    Prédio do Ministério da Fazenda em Brasília
    Prédio do Ministério da Fazenda em Brasília REUTERS

    Fernando Nakagawada CNN

    São Paulo

    A equipe econômica mantém a promessa de que vai entregar déficit zero em 2024. Economistas duvidam e pedem corte de gastos. Em resposta, o governo fala em reduzir desonerações, mas setores resistem.

    Está criado um impasse — e dos grandes. É urgente que os dois lados recuem. O governo precisa pensar seriamente em cortar gastos e os setores da economia precisam rediscutir desonerações.

    O ano de 2023 terminou com um rombo de R$ 230,5 bilhões nas contas do governo. Foi o segundo pior resultado da história — só inferior à pandemia. O número grita porque mostra que o problema fiscal está, infelizmente, longe de ser resolvido.

    O principal pilar do plano de recuperação fiscal da atual equipe econômica é baseado na arrecadação. A intenção é arrecadar mais e, assim, cobrir parte desse rombo com bilhões de reais extras dos impostos. Matematicamente, aumentar receitas melhora o resultado. Mas será que é possível?

    Fernando Haddad, ministro da Fazenda, tem enfrentado uma resistência praticamente intransponível entre os pagadores de impostos. Quando não se consegue ultrapassar um obstáculo em uma jornada, é preciso mudar de caminho. Haddad deveria fazer isso — e com uma tesoura.

    Há uma semana, o ministro da Fazenda disse que topa discutir corte de gastos, desde que a discussão comece pelo “andar de cima”.

    A frase foi seguida por duas dicas importantes: o Ministério da Fazenda e a Controladoria Geral da União (CGU) entregaram o endereço de dois desses andares altos.

    Primeiro, o andar do Judiciário.

    Estudo do Tesouro Nacional mostrou que a Justiça brasileira é a mais cara do mundo. Em uma comparação entre 53 países, os tribunais brasileiros têm, de longe, a mais elevada conta: 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano. A despesa média dos demais emergentes é de 0,5% do PIB e dos desenvolvidos, de apenas 0,3%.

    Esse andar alto da Justiça gasta mais de 80% do orçamento anual de R$ 160 bilhões apenas em salários e bonificações — uma proporção muito superior à média dos demais países do estudo.

    Assim, o Tesouro apontou para o andar e até o cômodo onde a tesoura dos gastos públicos poderia trabalhar. Haddad deveria avançar com a discussão sobre o orçamento dos tribunais — segmento do setor público que passou longe da magreza financeira vista em outras áreas.

    É só dar uma volta por Brasília para perceber que o cafezinho cortado nos ministérios segue quente e abundante nos tribunais.

    Outro andar ainda mais alto é o das desonerações.

    Um louvável esforço da Receita Federal com a CGU criou área no Portal da Transparência com o detalhamento das renúncias e benefícios fiscais. Os números são exuberantes: R$ 215 bilhões em impostos que o governo deixa de cobrar ou oferece em incentivos aos mais diversos setores da economia.

    Só para citar os cinco primeiros: R$ 77 bilhões em Cofins vinculados à importação, R$ 48 bilhões em Imposto de Importação, R$ 41 bilhões em Imposto de Renda no Norte e Nordeste em programas da Sudam e Sudene, R$ 21 bilhões em Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e R$ 16 bilhões em PIS de importados.

    Tantos bilhões não arrecadados por alguma decisão tomada no passado – muito provavelmente justa. Mas, desde então, nenhum governo faz seriamente um acompanhamento da qualidade desse gasto tributário.

    É preciso entender se os benefícios à sociedade e à economia continuam. Se o impacto positivo sumiu, é preciso cortar. Mas dessa tesoura muita gente não quer nem ouvir falar.

    São mais de 20 mil empresas com algum tipo de benefício tributário. Entre elas, 27 têm mais de R$ 1 bilhão em benefícios tributários. Juntas, gozam de R$ 102 bilhões em renúncia do Estado brasileiro.

    Se Haddad propuser um corte de gastos eficiente e racional no Orçamento, faltarão argumentos para o setor privado interditar o debate da desoneração.

    Se o setor privado propuser um corte de benefícios tributários eficiente e racional, faltarão argumentos para Haddad interditar o debate sobre o corte de gastos.

    É urgente dar um passo atrás.