Fed deve subir juros em 0,75 p.p., com mercado atento a sinalizações, dizem analistas
Indicadores recentes reforçaram expectativas de recessão, o que pode suavizar ciclo de alta de juros
O Federal Reserve realiza nestas terça e quarta-feiras (26 e 27) uma nova reunião de política monetária para definir em quanto elevará a taxa de juros dos Estados Unidos, atualmente no intervalo entre 1,5% e 1,75%.
Já majoritária desde a última reunião, a aposta reforçada pelo mercado nos últimos dias é de mais uma elevação de 0,75 ponto percentual, seguindo o aumento de junho, o maior desde 1994.
De um lado, os Estados Unidos enfrentam a maior inflação em mais de 40 anos, alimentada tanto por uma economia aquecida quanto por problemas de oferta ligados à pandemia e à guerra na Ucrânia.
Ao mesmo tempo, o ciclo de alta de juros atual, iniciado em março, levou a apostas de que o país acabará entrando em recessão para que a inflação seja contida.
Dados recentes, em especial o Índice de Gerentes de Compras (PMI) composto de julho, reforçaram essa visão, com o indicador registrando a primeira contração desde maio de 2020.
Entretanto, a surpresa, com um recuo mais cedo que o esperado, pode levar o Fed a ser mais contido nas elevações, com o mercado agora atento à sinalização dos próximos passos da autarquia.
A alta
O recuo registrado pelo PMI de julho atenuou as expectativas do mercado para o ciclo de alta de juros, segundo Thomaz Sarquis, economista da Eleven Financial, servindo como um “freio generalizado nas expectativas” dos investidores e indicando que a economia não está tão aquecida quanto se imaginava, mesmo com dados fortes no mercado de trabalho.
“Há quem diga que esse dado talvez tenha sido uma virada, e agora teremos outros indicadores negativos”, afirma.
Após o resultado, a probabilidade do Fed realizar uma elevação de 1 p.p., que ganhou força depois do Índice de Preços ao Consumidor (CPI) de maio vir acima do esperado, perdeu adeptos, com a previsão de uma alta de 0,75 p.p. ganhando ainda mais espaço.
Para além do dado econômico, Rodrigo Natali, estrategista-chefe da Inv, considera que um ciclo de juros menos agressivo faz sentido já que a autarquia “está começando a sentir uma pressão política”.
Segundo ele, as críticas ao ciclo de alta vinham antes da Casa Branca, mas agora se concentram em partes do Partido Democrata, do presidente Joe Biden.
“Eles estão se preparando para culpar o Fed pela provável recessão que vem aí. O Fed é um órgão com independência, mas ainda é um órgão político”, ressalta.
Há, ainda, um ambiente favorável, com a combinação de “PMIs mais baixos, mercados mais confortáveis, volatilidade menor, sem pressão do mercado para que ele aja mais fortemente”, o que permite que o Fed ganhe tempo com altas menos agressivas.
Também apostando em uma elevação de 0,75 p.p. nesta quarta-feira, Natali avalia que “a maior parte da inflação já veio, então tem mais a perder agora se fosse mais austero, sendo que não foi antes. Uma recessão com preços caindo seria muito criticável, então o Fed tende a ser mais conservador, como tradicionalmente sempre foi”.
Além da alta de 0,75 p.p., Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama, espera que o Fed suba os juros em setembro em 0,5 p.p., uma elevação menor que as anteriores mas que ganhou força após os dados do PMI.
Ele ressalta, porém, que a inflação “está efetivamente muito alta para o padrão norte-americano”, e que o dado do Índice de Preços para Gastos de Consumo Pessoal (PCE) que será divulgado na sexta-feira (29), o indicador de inflação acompanhado pelo Fed, será essencial para determinar os próximos passos da autarquia.
Uma próxima alta de 0,5 p.p. seria, na avaliação do economista, “um grande alívio, pois mostra que a situação não é tão complexa quanto inicialmente estavam imaginando. Mas a prudência recomenda, diante de números de inflação tão fortes, fazer 0,75 p.p. agora”.
Espírito Santo ressalta que a situação do Fed ainda não é confortável, com a autarquia precisando recuperar a confiança do mercado após errar ao apostar em 2021 que a inflação no país seria transitória. Agora, ela está “refém dos números e correndo atrás”.
“O Fed precisa resgatar a credibilidade para que o mercado volte a confiar que ele tomou as rédeas do processo novamente, o que daria mais calma”, diz.
O comunicado
Nesse sentido, a comunicação do Fed após a reunião e a coletiva do seu presidente, Jerome Powell, deverão ser o grande foco do mercado, que estará atento para descobrir os próximos passos da autarquia e o quão duro o discurso será quanto ao combate à inflação.
“Quando a decisão já está precificada, o mercado tende a olhar por informações novas na comunicação. O mercado vai ter que medir o quão disposto o Fed a manter o discurso de controle à inflação”, avalia Sarquis, da Eleven.
Ele ressalta que o Fed mudou neste ano o foco da sua política monetária. Na pandemia, a meta era trazer o mercado de trabalho de volta ao pleno emprego. Bem-sucedido, agora a autarquia quer controlar uma inflação “extremamente descontrolada, e não está medindo esforços”.
Por isso, ele afirma que o Fed não deve ser mais brando na sua comunicação. “O PMI é importante mas não é principal. Os dados oficiais até agora superaram as expectativas pra cima, tanto emprego quanto inflação. Considerando eles, não faria sentido colocar um freio no discurso de controle à inflação”.
Espírito Santo diz que o desafio do discurso será encaixar o número desta reunião com a sinalização para a próxima. Se a escolha for apontar uma próxima alta de 0,5 p.p., seria preciso equilibrar isso com uma elevação dura nesta semana.
A expectativa dele é que o Fed ainda dê mais peso à inflação em sua decisão, mas a recessão começa a ser um “incômodo”. O esforço da autarquia, nesse cenário, é realizar uma “aterrissagem suave”, ou seja, subir os juros o suficiente para controlar a inflação mas sem levar o país a uma recessão.
Já Natali vê menos espaço para surpresas na comunicação do que em outras reuniões, em especial porque a última tentativa de sinalização, quando o Fed descartou subir os juros em 0,75 p.p., precisou ser revista, o que afetou a imagem da autarquia.
“Acho que o Fed aprendeu um pouco que não vale a pena adiantar muita coisa em um ambiente tão difícil, único e com dados tão voláteis”, afirma.
Nesse sentido, ele espera um comunicado mais vago, com Powell atrelando as decisões futuras aos dados sobre a economia que ainda serão divulgados mês a mês.
“Dado o incômodo com a inflação e recordes recentes, ela ainda é o foco, mais que a recessão, e o Fed sabe que está muito distante da sua taxa neutra. Eles vão comentar sobre recessão por ser do mandato, mas não é o foco”, avalia.
Efeitos no Brasil
Com uma mudança na expectativa do mercado, Natali acredita que os investidores terão “menos medo” desta reunião, mas “tradicionalmente o dólar sobe antes da decisão para contemplar o risco de incerteza sobre o resultado”.
Se o Fed não trouxer surpresas, com movimentos dentro do esperado, a tendência é de um ambiente com mais tranquilidade, otimismo e redução da aversão a riscos, o que tende a ajudar ativos em geral, incluindo o mercado brasileiro.
Sarquis lembra que o real “reage muito à taxa de juros nos Estados Unidos”. Por isso, um discurso mais duro tende a aumentar as pressões de desvalorização da moeda e gerar perdas no Ibovespa. Se o discurso for suave, o movimento tende a ser o oposto.
Alexandre Espírito Santo ressalta que apenas a mudança nas expectativas já beneficiou o Brasil, com o dólar caindo, a bolsa se recuperando e, principalmente, as curvas de juros reduzindo um forte estresse.
“Uma alta menor pode dar uma sugestão de que nosso Banco Central realmente está muito perto de encerrar o ciclo daqui, e se efetivamente for dado 0,75 p.p. com indicação que vai voltar para 0,5 p.p., ajuda no trabalho do BC daqui de encerrar o ciclo com menos estresse. Seria um cenário mais positivo para real e Ibovespa”, avalia.