Fazenda vê risco de freio antecipado do BC nos juros e rejeita pressão por “marretada” no PIB
Equipe econômica teme que Banco Central interrompa queda da Selic em dois dígitos e quer entregar resultado fiscal "robusto" nos primeiros meses de 2024
Diante das pressões cada vez maiores do PT pelo abandono da meta de déficit zero em 2024, a equipe econômica identificou riscos de que o Banco Central interrompa o atual ciclo de queda dos juros com a taxa Selic ainda em dois dígitos.
Por isso, em uma espécie de antídoto contra atitudes mais conservadoras do BC, o Ministério da Fazenda já avisou ao restante do governo que descarta medidas para acelerar artificialmente o PIB de 2024 e que sua prioridade é entregar resultados fiscais “robustos” nos primeiros meses do ano.
A ordem é não ceder à tentação de um crescimento maior da economia na base da “marretada” — palavra usada por um interlocutor do ministro Fernando Haddad — e continuar apostando na meta de déficit zero como senha para que o BC siga adiante no movimento de corte dos juros.
O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne nesta semana e a expectativa praticamente unânime do mercado é que venha mais uma queda de 0,5 ponto percentual — para 11,75% ao ano.
A grande dúvida agora é quando esse movimento terminará e qual será o piso dos juros no atual ciclo de afrouxamento monetário.
O mercado previa inicialmente a Selic em 9% no ano que vem e já ajustou suas estimativas para 9,25% — segundo o boletim Focus, divulgado semanalmente pelo BC. A projeção é uma média, mas boa parte das consultorias e bancos renomados moveu suas apostas para um piso de 9,5%.
O Ministério da Fazenda está mais preocupado. Integrantes da equipe econômica detectaram que uma ala do BC preferiria interromper esse ciclo com a taxa básica de juros em pelo menos 10%.
Na avaliação da pasta, o Copom está dividido sobre esses próximos passos. Mas um resultado fiscal ruim nos primeiros de 2024 daria munição para o grupo mais cauteloso do BC.
No último comunicado do Copom, logo após a decisão que reduziu a taxa de juros de 12,75% para 12,25% ao ano, o BC enfatizou “a importância da firme persecução” das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação.
Por isso, conforme disseram fontes da área econômica à CNN, é uma prioridade demonstrar o compromisso do governo com a tentativa — ainda que muito difícil — de déficit zero em 2024.
E um gesto seria a entrega de resultados mais consistentes nos dois primeiros meses do ano, antes da primeira reavaliação bimestral de receitas e despesas, que deverá definir o tamanho do contingenciamento orçamentário.
Reajuste zero para servidores
Um ponto já definido pela equipe econômica é o reajuste zero para servidores públicos federais em 2024. Neste ano, houve aumento de 9% — como forma de recompor perdas de salário real acumuladas nos últimos anos.
Na mesa de negociações estabelecida pelo Ministério da Gestão e Inovação com servidores do Poder Executivo, o governo deixou claro que teria recursos, no limite, para um reajuste simbólico inferior a 1%. A ordem é não oferecer mais.
Enquanto isso, a agenda legislativa para aprovar medidas arrecadatórias entra em fase decisiva nesta semana. O ponto mais importante é a MP 1.185, a medida provisória que regulamenta a cobrança de impostos federais para projetos do setor privado que gozam de isenções de tributos estaduais.
A chamada MP das Subvenções deverá propiciar receitas de quase R$ 35 bilhões e 2024. A Fazenda conta, ainda, com um adicional proveniente da cobrança de impostos não pagos no passado e contestados pelas empresas.
A equipe econômica já concordou com um desconto de 80% para as dívidas que sejam acertadas em um prazo de seis meses. Para dívidas a serem quitadas em 12 parcelas, o desconto seria de 65%.
Os débitos acumulados pelas empresas com a União, nos cálculos do governo, chegam a R$ 90 bilhões. Mesmo com o desconto, seria possível recuperar de R$ 15 bilhões a R$ 30 bilhões ainda em 2024.
Esse valor não está nas estimativas de receitas contempladas no projeto de lei orçamentária anual (PLOA) enviado ao Congresso Nacional e conta como um ganho “extra” para o resultado fiscal do próximo ano.
Além disso, a Fazenda espera arrecadar em torno de R$ 10 bilhões com a cobrança de Imposto de Renda sobre os precatórios que serão pagos em 2024.
Na semana retrasada, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou o governo a abrir crédito extraordinário para o pagamento de R$ 90 bilhões a R$ 95 bilhões em precatórios acumulados.
O passivo foi acumulado após emenda constitucional, promulgada em 2021, que fixava um teto anual para a quitação dos precatórios e jogava todas as despesas represadas para depois de 2026.
A liquidação do passivo não será contabilizada dentro das metas fiscais definidas para o ano que vem. Por isso, contando as medidas em tramitação e essas possibilidades adicionais de receita, a equipe econômica defende a necessidade de continuar perseguindo o déficit zero em 2024 como sinal de comprometimento com a saúde das finanças públicas.
PT, “pibinho”, “pibão”
A projeção do mercado para o crescimento do PIB em 2024, segundo o boletim Focus, está em 1,5% — uma desaceleração em relação à alta de aproximadamente 3% neste ano.
Neste fim de semana, durante evento do PT, lideranças do partido criticaram a tentativa de alcançar déficit zero e defenderam uma aceleração do crescimento econômico.
“Eu acho que, sinceramente, a gente não tinha que se preocupar com resultado fiscal no ano que vem. Por mim, faria um déficit de 1%, 2%, não iria mexer na economia”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), manifestou preocupação com o resultado das eleições municipais caso o ajuste nas contas públicas seja do tamanho desejado pela Fazenda.
“Eu falei para a Gleisi: se tiver que fazer déficit, nós vamos ter que fazer, porque, se não, nós não ganhamos eleição em 2024”, afirmou Guimarães.
Nos dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2003 e 2010, houve essencialmente uma alternância entre recessão e forte expansão do PIB.
A economia começou a crescer mais fortemente a partir de 2004 e, à exceção de 2009 (como reflexo da crise financeira internacional), manteve ritmo de pelo menos 4% a 5% ao ano.
As taxas mais baixas de crescimento foram uma característica do governo de Dilma Rousseff (2011-2016), mas nunca de Lula.
Por isso, assessores presidenciais comentam frequentemente que ainda está para ser observado o comportamento do petista diante de um “pibinho”.
Na Fazenda, a convicção dos auxiliares de Haddad é não pisar indevidamente no acelerador e arriscar uma “rampa de crescimento” da economia nos próximos anos.
A crença da equipe econômica é que a agenda de responsabilidade fiscal tem o apoio dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), bem como do Supremo Tribunal Federal (STF).