Estímulos governamentais impulsionam PIB da América Latina, dizem especialistas
Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) revisou para cima a perspectiva de crescimento da região em 2022, a 3,2%; em 2023, porém, projeção é de desaceleração
Em retomada das atividades após a fase mais crítica da pandemia do coronavírus, alguns países da América Latina lançaram mão de uma estratégia em comum: reaquecer as economias a partir de estímulos governamentais, em especial no que diz respeito ao poder de compra da população.
É isso o que explica, segundo especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, a revisão para cima do Produto Interno Bruto (PIB) da região latino-americana neste ano, divulgada na última quarta-feira (19) pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).
Segundo previsões da entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), o PIB da América Latina deve apresentar crescimento de 3,2% — previsão mais otimista que a divulgada no último mês de agosto, de 2,6%.
“Várias economias da América Latina, depois de um período prolongado de pandemia, se beneficiaram com estímulos dos governos, cada qual ao seu modo, mas em especial por meio de auxílios à população de menor renda”, explica Francisco Nobre, economista da XP.
“Isso impulsionou uma demanda que tinha sido reprimida durante muito tempo, com as populações latino-americanas respondendo a esses estímulos.”
O Brasil é exemplo desse movimento. As medidas do governo postas em curso este ano, como a redução do teto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para combustíveis e o conjunto de auxílios associados à PEC dos Benefícios, ajudaram a reaquecer a economia, já estimulada pela retomada no pós-pandemia.
A Cepal revisou para cima a previsão de crescimento do PIB brasileiro, de 1,6% a 2,6%, muito em função desse conjunto de medidas de curto prazo que injetaram dinamismo à atividade.
Na visão de Lívio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre), o desempenho do Brasil tem sido um esteio para a economia da América Latina como um todo. “Como o Brasil é muito grande na região, os estímulos governamentais aqui levam a um aumento das projeções de crescimento de curto prazo. Sem muita dúvida, a revisão do PIB de 2022 está associado ao desempenho do país”, comenta ele.
“A profusão de medidas de curto prazo, com auxílios, transferências de renda e choques exógenos para baixo na inflação com mudança tributária, aumenta a renda disponível da economia e fazem com que exista um ‘bolsão de crescimento’ em 2022. A magnitude disso era inesperada no começo do ano. Sabíamos que viria alguma coisa por causa do ciclo eleitoral, mas não sabíamos o tamanho e o efeito que teria.”
Outro fator que justifica a revisão para cima do PIB latino-americano é o desempenho do setor de commodities, afetado pela guerra na Ucrânia e pelos gargalos nas cadeias de produção durante a pandemia. “Até meados de abril, pouco depois do choque entre russos e ucranianos acontecer, o impacto que a alta nos preços das commodities teria sobre o PIB da América Latina foi subestimado”, explica o ex-vice-presidente do Banco Mundial, Otaviano Canuto.
“Essas previsões do começo do ano levavam em conta, sobretudo, como a alta nos preços de energia e alimentos afetaria o poder de compra do pessoal da parte de baixo da pirâmide, que de fato foi muito negativo.”
Com os estímulos governamentais atuando nesta frente, a receita coletada em exportações de commodities fez efeito sobre o PIB da região latino-americana, levando à revisão para cima.
Lívio Ribeiro, porém, faz um alerta para essa interpretação: “Os preços de importação também subiram. É preciso olhar para os termos de troca, que é a relação entre importação e exportação, para fazer uma análise mais completa. As economias exportadoras líquidas de commodities não ganharam renda este ano, elas perderam.”
Previsões para 2023
O relatório da Cepal, embora tenha adicionado otimismo ao desempenho da economia latino-americana em 2022, não vê os mesmos bons ventos soprando em 2023, em linha com outras previsões feitas por órgãos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial.
Segundo a Comissão, o ritmo do crescimento das economias da América Latina deve desacelerar a 1,4% no ano que vem, diante de um cenário de possível recessão global em que os ciclos de aperto monetário, em curso no mundo todo para conter a disparada inflacionária, começarão a surtir efeito.
“Os bancos centrais da América Latina, Estados Unidos e Europa estão trabalhando nessa toada mais contracionista, em que a desaceleração da atividade econômica é um remédio necessário para trazer a inflação de volta para a meta”, comenta Francisco Nobre, da XP.
“Aqui na América Latina, a maior parte dos bancos centrais trabalha com uma meta de 3%, mas a inflação já bateu 10% em alguns países. No Chile, por exemplo, chegou a 14%, que é um patamar altíssimo. Então a conta da alta dos juros altos vai chegar uma hora, e essa hora é o ano que vem.”
Os especialistas ressaltam o fato de que a desaceleração é um fenômeno global, em que os apertos nas políticas monetárias das principais economias do mundo, como Estados Unidos e Europa, necessariamente impactam países em desenvolvimento. “É o caso do México, por exemplo, que, por ser um dos principais parceiros comerciais dos Estados Unidos, sendo um dos mais impactados pela alta nos juros”, diz Nobre.
O desempenho da economia chinesa, muito afetado pela política Covid-zero do governo de Xi Jinping, também impacta na atividade latino-americana: “Com a economia chinesa desacelerando, países daqui que mantêm fortes elos comerciais com a China também tendem a desacelerar, principalmente Brasil, Peru e Chile.”
Os efeitos dos apertos monetários, contudo, não são o único problema a ser enfrentado no ano que vem.
“Temos a Guerra na Ucrânia, um possível estágio de estagflação na Europa, carência de energia e explosão de preços em muitos setores, inclusive alimentícios. É um caldo global que indica um cenário muito ruim para os emergentes de maneira geral”, diz Lívio Ribeiro.
Falando especificamente de Brasil, que ainda enfrenta o adicional de incertezas por causa das eleições presidenciais, o PIB previsto pela Cepal está na casa do 1% para o ano que vem. “Independentemente de quem ganhar a disputa, o mundo é vento de frente, não é vento de cauda”, resume Ribeiro.