Escassez de chips, alta da inflação e juros elevados devem impactar Black Friday
Principal consequência para o consumidor na Black Friday deste ano é que os descontos não deverão ser tão grandes
A Black Friday se tornou, em poucos anos, uma das principais datas para o varejo brasileiro. A expectativa para o evento, que ocorrerá no dia 26 deste mês, é de crescimento. Porém, especialistas citam desafios para a data, como a inflação e a taxa juros, que elevadas desestimulam o consumo, e os problemas em cadeias de fornecimento, que não devem levar à falta de produtos, mas manterão os preços altos.
Combinando os fatores, a principal consequência para o consumidor na Black Friday deste ano é que os descontos não deverão ser tão grandes quanto em anos anteriores, segundo os especialistas. Mesmo assim, o cenário de reabertura gera otimismo no setor.
Os desafios
Uma das principais dificuldades que a Black Friday enfrentará neste ano não é uma questão exclusiva do Brasil. Os problemas nas cadeias de suprimento tem levado a escassez de alguns produtos, e os setores mais afetados são os que exigem semicondutores, como o automobilístico e o eletrônico.
A disrupção nas cadeias de suprimento foi intensificada com a pandemia, e tudo indica que ela se manterá pelo menos até uma parte de 2022. “Pode afetar, sim, porque os principais produtos vendidos nessa data acabam sendo impactados por esse problema mundial”, afirma Kelly Carvalho, assessora econômica da FecomercioSP.
“O empresário já vem trabalhando com um estoque menor por causa disso, e há a questão do dólar. Muitos produtos são importados e podem ser impactados na questão do preço, com um desconto menor”, diz Carvalho.
Em geral, porém, o Brasil não foi um dos mais afetados por essa crise. Alexandre Crivellaro, diretor de inteligência de mercado da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), afirma que o comércio continuou vendendo bem, com uma oferta grande de produtos de tecnologia.
A falta de chips também não afeta todos os setores da mesma forma, segundo Jorge Nascimento, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletrônicos (Eletro). Ele afirma que o problema impacta mais os setores que demandam processadores mais potentes, caso dos automóveis e smartphones. Já o setor de eletrodomésticos tem sido pouco afetado.
“Em geral, conseguimos garantir o fornecimento, então, não deixaremos de atender em hipótese alguma o mercado”, diz.
Ele aponta ainda que o Brasil tem enfrentado um alto custo de produção, decorrente da alta do dólar, do custo de energia, dos combustíveis e do preço dos contêineres. Esse cenário limita o espaço de desconto de muitas empresas. Antes da pandemia, o frete via contêiner custava em média US$ 1.500, e hoje está em torno de US$ 15 mil, o que desincentiva importações.
Produtos nacionais X importados
Nascimento afirma que o consumidor não deve encontrar mudanças na quantidade ou variedade de produtos, e que não haverá falta de produtos nacionais na Black Friday ou no Natal.
Já em relação aos produtos importados, ele diz que há sim um risco de falta com o cenário de desabastecimento global, mas que é mais provável que isso ocorra no Natal. Como boa parte das empresas brasileiras possuem fornecedores domésticos, o setor “tem fugido dessa crise”, segundo ele.
Inflação e juros altos
Mas, se o Brasil está lidando melhor com a crise de suprimentos, a crise doméstica é um problema. A principal “novidade” que deve afetar a Black Friday é a inflação elevada, assim como a taxa de juros, uma combinação que, em geral, desincentiva o consumo e reduz o poder de compra da população, além de encarecer os custos de produção.
“Esse cenário pode atrapalhar em relação aos descontos, que antes chagavam a uma média de 40%. Acho que vai cair bastante até porque muitos equipamentos estão até 30% mais caros. Para algumas categorias, de eletroeletrônico e eletroportátil, deve pagar, no máximo, o preço de janeiro. Outras como moda, acessórios, casa e decoração, os preços estão bem lineares, então, pode ter desconto interessante”, diz Crivellaro.
Fernando Baialuna, diretor de negócios e varejo da consultoria GfK, afirma que o cenário de desemprego e dólar altos já existia em 2020, portanto, os impactos desses fatores devem ser semelhantes aos notados no ano passado.
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Estudos da consultoria mostram que, em geral, o consumidor brasileiro está disposto a comprar e gastar o mesmo que o ano passado, buscando um produto melhor. “Mas, mesmo com esse desejo, essa demanda reprimida, é difícil estimular a compra, porque os preços estão mais altos e há a restrição de renda”, diz.
Preço dos combustíveis
Outro problema que se intensificou neste ano é a alta do preço dos combustíveis. Como o transporte rodoviário é a principal forma de levar os produtos comprados ao consumidor, é possível que isso impacte a Black Friday.
“Se houver urgência, ele estará disposto a pagar um preço maior, mas vale ver quais as opções de entrega são oferecidas. O custo está maior para entrega com a alta dos combustíveis e acaba, de alguma forma, sendo repassado para o consumidor”, afirma a assessora da FecomercioSP.
As expectativas
Mesmo diante desse cenário, há um fator em especial que anima o setor de varejo para a Black Friday: a reabertura. Segundo Kelly Carvalho, o e-commerce cresceu durante a pandemia pensando na parcela de faturamento do varejo, mas o impacto ainda é reduzido.
“O e-commerce passou de 5% para 10% do faturamento do varejo, mas o papel do varejo físico ainda é importante. Por isso, a reabertura ajuda bastante. Nunca passamos por uma crise tão forte. A retomada deve ser positiva. A Black Friday é um bom termômetro para o Natal”, afirma.
Tanto a Abcomm quanto a FecomercioSP esperam um aumento no faturamento, mas com um ticket (preço) médio pago pelos consumidores menor que o de 2020. O cálculo da associação considera a expectativa de vendas do varejo em 2021 entre R$ 150 bilhões e R$ 160 bilhões.
“Tradicionalmente, a Black Friday representa 4% das vendas no ano, então, menos que R$ 5,5 bilhões não vai ser”, diz. O valor já seria maior que em 2020, quando as vendas também cresceram e foram cerca de R$ 5 bilhões, e a Abcomm trabalha com um teto de aproximadamente R$ 6,4 bilhões.
Outro fator que deve ajudar a data, segundo o diretor da GfK, é uma quantidade maior de promoções e opções de parcelamento em relação a 2020, uma forma que o varejo encontrou para incentivar as compras.
“Em 2021, o percentual de itens promocionais está um pouco mais alto que em 2019. O consumidor aprendeu a esperar pela Black Friday para ter esse desconto, existe essa expectativa”, diz.
A expectativa da consultoria é que a Black Friday de 2021 mantenha a tendência da de 2020: um aumento no faturamento, mas com uma quantidade menor de unidades vendidas. Um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) vai na mesma linha, apontando que a data deve crescer 3,8% em relação a 2020, mas com o volume de vendas caindo 6,5%.
Já Jorge Nascimento afirma que o setor de eletrodomésticos tem uma expectativa mais conservadora. “O cenário não é o dos melhores, se empatar [com 2020] ou crescer até 5%, sendo otimista 10%, estaremos satisfeitos. Pode ser pouco, mas o ambiente econômico é complexo”.
Segundo ele, a própria função da Black Friday no Brasil é diferente da data original, nos Estados Unidos. Lá, ela é usada como queima de estoque antes da renovação no Natal, e fica restrita a um dia.
Já no Brasil, a Black Friday acabou se expandindo para todo o mês de novembro, com a expectativa de produtos mais baratos e lançamentos. “O consumidor brasileiro usa a Black Friday para se presentear, e o Natal para presentear os outros. Esforços estão sendo feitos para termos preços bem mais interessantes, considerando a conjuntura do dia a dia e uma inflação elevada também”, diz o presidente da Eletro.
Moda e alimentos
Também há a expectativa de que outros tipos de produtos ganhem mais espaço na data, como o de alimentos e moda. Os alimentos foram bastante afetados pela inflação, e a data pode ser usada por supermercados para vender mais, já que eles se inseriram com mais intensidade no e-commerce durante a pandemia.
“No caso de moda, é promissor porque foram quase dois anos com a população mudando a prioridade, roupa deixou de ser prioridade, então, imaginando que o ano passado foi difícil, é positivo, mas Natal tende a ser melhor. Já alimentos são o oposto, já que 2020 foi um ano espetacular, com as pessoas mais em casa. Com a retomada dos encontros sociais, o setor de alimentos mais sofisticados pode trabalhar o evento para ter boas vendas”, afirma Baialuna.
Mesmo assim, os eletrônicos ainda deverão dominar a data. “Apostamos que a Black Friday seja uma retomada, retorno ao consumo, mesmo com a insegurança econômica, até para ajudar a economia”, diz Jorge Nascimento.