‘Éramos os únicos aviões no céu’ – a vida surreal dos pilotos da era Covid
Aqueles que ainda voam enfrentam diminuição de horários, testes regulares de Covid-19 e isolamentos rigorosos em quartos de hotel
Darrel Myers ainda se lembra da sensação surreal que teve em março do ano passado, quando quase todas as viagens de passageiros foram interrompidas, deixando pilotos como ele voando sozinhos.
“Vimos a devastação atingir a indústria aérea”, disse Myers, presidente da Associação de Pilotos de Linhas Aéreas de Luxemburgo e capitão da Cargolux. “Houve momentos em que minha companhia era a única com aviões no céu”, recorda.
Assim como muitos trabalhadores essenciais, os pilotos internacionais tiveram que se adaptar a um ambiente de trabalho drasticamente diferente nos últimos 12 meses.
Como a pandemia causou a queda mais acentuada do tráfego aéreo da história, as companhias aéreas foram forçadas a demitir ou afastar quase metade dos pilotos, de acordo com uma pesquisa recente da Goose Recruitment e da FligthGlobal.
Aqueles que ainda voam enfrentam horários drasticamente reduzidos, testes regulares de Covid-19 e escalas de isolamento em quartos de hotel.
O primeiro oficial Jason Voudri estava no meio de uma mudança de empresa quando a Covid-19 atacou e ele ficou impedido de trabalhar por vários meses.
Quando finalmente recebeu o chamado para voar novamente, ele precisou de um treinamento de atualização em um simulador antes de começar a voar pela Air Senegal.
De volta ao trabalho desde 8 de janeiro, ele sabe que está entre os sortudos e afirmar ser “apenas grato por estar entre os pilotos que realmente têm um emprego agora”.
Protocolos de segurança
A rotina de Voudri como piloto comercial agora inclui uma verificação de temperatura obrigatória ao chegar ao aeroporto e o preenchimento de um formulário para atestar que ele está livre dos sintomas da Covid-19.
Ele limpa as alavancas de empuxo, botões e interruptores na cabine ao assumir o controle de uma tripulação. Os voos que sua companhia aérea costumava fazer diariamente agora funcionam apenas três dias por semana.
Eles também agruparam alguns destinos, transformando voos sem escala em voos de conexão. Os pilotos que voam regularmente entre países enfrentam uma série de regras relativas a testes, escalas e tempo de descanso, determinadas pelos governos nacionais que tentam equilibrar as preocupações de saúde e segurança com a necessidade de facilitar as viagens necessárias de passageiros e cargas.
Alguns países isentam os pilotos dos requisitos de teste e quarentena, desde que obedeçam às regras locais de máscaras e distanciamento social, enquanto outros exigem que fiquem confinados em um hotel ou mesmo dentro de um quarto individual durante a escala.
O capitão Myers às vezes é testado mais de uma ver por dia para Covid-19. Ele brinca que está tão acostumado com o swab nasal que agora deixa a pessoa que aplica o teste “surpreendê-lo” escolhendo a narina direita ou esquerda.
Quanto aos bloqueios de hotéis, Myers conta que os pilotos têm diferentes mecanismos para enfrentar o isolamento. A tecnologia, especialmente as videochamadas, é uma grande aliada.
“Às vezes, levo um violão comigo nas viagens. Você aprende a se adaptar ao isolamento. Mas acho que, a longo prazo, começaremos a ver que as pessoas são impactadas por ele”, diz.
Isolamento mais rígido
Hong Kong introduziu as políticas mais rígidas do mundo em relação às tripulações aéreas no mês passado, exigindo que fiquem em quarentena em um quarto de hotel por 14 dias.
A FedEx disse em um comunicado interno que ofereceria realocação para suas tripulações aéreas como resultado dessa política, dizendo que as quarentenas levariam a “longos períodos de isolamento” e tempo longe de suas famílias.
Taiwan e alguns estados da Austrália tornaram as regras de quarentena mais rígidas para tripulações de voos nos últimos meses, após incidentes específicos. A Federação Internacional de Associação de Pilotos de Linhas Aéreas adverte que tal “bloqueio completo pode ter efeitos prejudiciais à saúde mental”.
Meidan Barr, presidente da Associação de Pilotos de Linhas Aéreas de Israel, acredita que o modelo atual não apoiará a recuperação pós-pandemia. Ele quer que um padrão global seja estabelecido.
“A maioria de nós está vacinada, mas ainda fazemos o teste e voltamos para um hotel sem a chave do quarto, às vezes sem janela, pegando comida fria na porta, sem poder andar ou mesmo fazer exercícios”, disse Barr.
Enquanto a maioria dos pilotos de Israel são vacinados, as tripulações de voo em grande parte do resto do mundo ainda esperam por esse dia. Várias organizações que representam os pilotos, incluindo a Federação Internacional de Associações de Pilotos de Linhas Aéreas, a Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte e os principais sindicatos dos Estados Unidos solicitaram os governos a dar às tripulações de voo acesso prioritário às vacinas.
Myers não quer seus colegas no final da fila de vacinas, mas ele espera que eles também não sejam pressionados a se vacinarem. Como Barr, ele está defendendo principalmente a consistência, dizendo que o atual “caleidoscópio” de recomendações só tornará mais difícil a recuperação da indústria.
“As regras de quarentena criam um efeito de mudança constante que, obviamente, têm um fator desestabilizador em nossa capacidade de realmente planejar o futuro, às vezes planejando o descanso ou, você sabe, às vezes dizendo à família onde estaremos”, disse ele.
Ivan Watson e Will Godley contribuíram para esta matéria.
(Texto traduzido. Clique aqui para ler o original)