Equador, Panamá, El Salvador: conheça os países que adotaram a dolarização como propõe Milei para a Argentina
Entenda como ocorreu o processo nas economias latino-americanas que optaram por fazer do dólar moeda oficial
Uma das principais — e mais polêmicas — propostas econômicas do candidato à Presidência da Argentina, Javier Milei, é a de dolarizar o país.
Contrariando especialistas que afirmam que uma dolarização seria inviável — já que as reservas de dólar da Argentina estão cada vez menores — Milei assegura a seus seguidores que já tem uma solução para o problema.
“Estávamos avançando nas negociações e já conseguimos os dólares para dolarizar a economia ao valor do dólar de mercado. Continuamos trabalhando para resolver um grande problema da Argentina, que é a inflação”, escreveu Milei em sua conta no X (antigo Twitter), sem explicar como teria conseguido os recursos.
Atualmente, na América Latina, três países são dolarizados: Equador, El Salvador e Panamá.
Equador
Nos anos 2000, o então presidente do Equador, Jamil Mahuad, deu início ao processo de dolarização do país. À época, a economia local passava por uma grave crise econômica, que somava hiperinflação, instabilidade bancária e desvalorização constante da moeda local, o sucre.
O processo de substituição do sucre pelo dólar foi feito em etapas. O governo estabeleceu uma taxa de câmbio fixa entre as moedas, e a população teve um período para trocar suas antigas cédulas de sucre por dólares nas instituições financeiras.
O processo de dolarização do país trouxe alguns benefícios imediatos, como estabilidade nos preços, redução da inflação e maior confiança nas transações comerciais.
“A inflação no país era perto de 100% e no ano seguinte caiu para 20%”, explica o especialista em finanças Hulisses Dias.
Além disso, a mudança para o dólar facilitou o comércio internacional e atraiu investidores que estavam preocupados com a volatilidade da moeda anterior.
No entanto, o Equador enfrentou desafios. O país perdeu sua capacidade de usar a política monetária para ajustar a economia em momentos de crise, já que não tinha controle sobre a emissão de sua própria moeda.
Além disso, a dependência do dólar americano deixou o país vulnerável a mudanças na política econômica dos Estados Unidos.
Atualmente, mesmo com a dolarização, o Equador passa por uma séria crise econômica, destaca Dias.
“Eles têm um déficit fiscal de quase R$ 50 bilhões, o que para a economia deles é muito grande. O processo está bem caótico, então isso não quer dizer que dolarizar vai salvar a economia”, afirma.
Ainda assim, Milei já utilizou a dolarização equatoriana como exemplo em sua campanha. Além de elogiar o processo, o candidato afirmou que os equatorianos estão “muito melhor” do que os argentinos.
Para aplicar uma política semelhante, o candidato declarou que uma das possibilidades poderia ser uma “mistura” das dolarizações equatoriana e salvadorenha, em termos de velocidade de implementação.
El Salvador
No ano seguinte à dolarização do Equador, o então presidente de El Salvador, Francisco Flores, anunciou que o país passaria a ter duas moedas oficiais: o cólon e o dólar.
No entanto, à medida que a moeda americana ganhava espaço, os cólones desapareciam gradualmente, até que o país ficasse apenas com o dólar.
“El Salvador dolarizou a economia para cumprir uma condição imposta no Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, e isso também envolvia a eliminação das tarifas aduaneiras entre ambos os países para proteger seus interesses econômicos”, explica Dias.
Além do dólar, em 2021, El Salvador se tornou o primeiro país a adotar o bitcoin como moeda legal depois que o Congresso aprovou a proposta do presidente Nayib Bukele de abraçar a criptomoeda.
Bukele elogiou o uso do bitcoin por seu potencial para ajudar os salvadorenhos que vivem no exterior a enviar remessas de volta para casa, ao mesmo tempo que disse que o dólar americano também continuará como curso legal.
Panamá
No Panamá, a moeda oficial é o balboa, no entanto, o dólar americano é amplamente utilizado e aceito em transações financeiras e comerciais em todo o país.
O balboa tem paridade fixa com o dólar americano, o que significa que 1 balboa é equivalente a US$ 1. Isso acontece porque o país tem uma relação econômica e comercial estreita com os Estados Unidos.
“O balboa, que continua vigente, já não é mais impresso e quase não se usa. Então essa moeda está lá praticamente de modo figurativo”, explica Dias.
O especialista destaca que, diferentemente do Equador e El Salvador, o Panamá tem a diferença de ser um paraíso fiscal.
“É um país usado por muitos políticos e personalidades que tenham offshore, além de ser um entreposto comercial por conta do Canal do Panamá. O país é o exemplo mais bem-sucedido de dolarização que temos”, conclui.
Dolarização era sonho antigo de Menem
Na década de 1990, durante a presidência de Carlos Menem na Argentina, houve um período de reformas econômicas significativas, incluindo a discussão sobre a possível dolarização da economia.
À época, a proposta foi parte de um esforço de Menem para lidar com a hiperinflação e a instabilidade econômica que o país enfrentava.
Em 1991, a Argentina implementou o Plano de Convertibilidade, que estabeleceu uma paridade fixa entre o peso argentino e o dólar americano. O objetivo era conter a inflação e estabilizar a economia ao ancorar a moeda local ao dólar.
Em meio ao cenário, surgiu a proposta de dolarização do país, que enfrentou resistência.
Alguns especialistas e economistas expressaram preocupações de que a dolarização poderia limitar a capacidade do governo de adotar políticas monetárias e fiscais para responder a choques econômicos.
Além disso, houve preocupações sobre como a transição para o dólar afetaria a competitividade das exportações argentinas.
No fim das contas, a Argentina continuou com o Plano de Convertibilidade e manteve a paridade fixa entre o peso argentino e o dólar americano até o início dos anos 2000.
Porém, o plano não foi capaz de sustentar os demais problemas econômicos e políticos que surgiam na Argentina e, em 2001, o país entrou em crise.