Entenda o que são Nord Stream 1 e 2 e como eles impactam o Brasil
Em meio a cortes de fornecimento, sanções e conflitos diplomáticos, Nord Stream 1 e 2 são chave para entender as consequências da invasão russa à Ucrânia
Com cidades na Europa atingindo temperaturas recordes — e o inverno europeu gradativamente se aproximando — a União Europeia (UE) busca medidas emergenciais para economizar energia, e buscar novas alternativas àquelas antes fornecidas pela Rússia.
Em meio a cortes de fornecimentos, sanções e conflitos diplomáticos, Nord Stream 1 e Nord Stream 2 são termos que aparecem com frequência. Isso porque os gasodutos são chave para entender as consequências da invasão russa ao seu vizinho, e têm o potencial de instaurar uma verdadeira crise energética na Europa — que traria impactos (e oportunidades) para o Brasil. Entenda:
Nord Stream 1
O Nord Stream 1 é o maior gasoduto entre a Rússia e Europa, transportando gás para o continente via Alemanha. Ele está em operação desde 2011, e tem como proprietário majoritário a Gazprom, maior empresa de energia da Rússia.
Com cerca de 1.200 km de extensão, o gasoduto tem capacidade de transportar 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano.
Nord Stream 2
O Nord Stream 2 é o segundo gasoduto entre o oeste da Rússia e nordeste da Alemanha, também pertencente à estatal Gazprom. Ele passa sob o Mar Báltico, e tem aproximadamente 1.200 km de extensão.
Pelo gasoduto, também são transportados 55 bilhões de metros cúbicos de gás ao ano. Ou seja: no total, a Rússia tem o potencial de fornecer 110 bilhões de metros cúbicos de gás por ano à Europa.
O projeto, que existe há alguns anos, saiu do papel em maio de 2018, e foi finalizado em setembro de 2021. Apesar da conclusão, o Nord Stream 2 ainda não entrou em atividade, devido a questões burocráticas envolvendo regulamentações europeias. Com a guerra, não está claro quando (e se) isso irá acontecer.
Essa não é a primeira vez que o gasoduto está envolvido em controvérsias: os Estados Unidos se posicionaram contra o acordo desde o início. Em 2018, o então presidente dos EUA, Donald Trump, impôs sanções a todo indivíduo ou entidade envolvidos no projeto, em uma tentativa de pressionar a então chanceler Angela Merkel a desistir do acordo.
Em 2021, contudo, a medida foi revertida por Joe Biden, que buscava amenizar as relações entre Washington e Berlim.
Guerra e sanções
O setor de energia é fundamental para entender os desdobramentos da invasão russa à Ucrânia. Iniciada em 24 de fevereiro deste ano, ela levou a uma troca de golpes econômicos entre a Rússia e o Ocidente, responsáveis por desencadear uma série de questões energéticas para a Europa.
Quando a guerra na Ucrânia começou, os países do Ocidente retalharam com uma série de sanções, que vão desde a exclusão de bancos russos do Swift, sistema global de pagamentos, a medidas que envolvem a família e pessoas próximas de Vladimir Putin.
Em resposta, a Rússia vem tomando medidas envolvendo as ferramentas mais poderosas que tem: gás natural.
No final de março, Putin anunciou que os países “hostis” da Europa que compram gás russo deveriam pagar exclusivamente em rublos, a moeda oficial russa, com risco de cortes de fornecimento caso descumprissem a regra.
Isso significa que os mesmos países que impuseram sanções à Rússia teriam que comprar rublos a taxas fixadas pelo banco central do país, aumentando a demanda pela moeda e reforçando seu valor. Bulgária e Polônia, que se recusaram a pagar em rublos, tiveram seu fornecimento de gás cortado, por exemplo.
Após reunião com os membros da União Europeia, o bloco decidiu não aderir à exigência, alegando que o pagamento das compras de gás russo em rublos representava uma ruptura das sanções adotadas pela UE contra a Rússia.
Na data, a comissária europeia de Energia, Kadri Simson, afirmou que a União Europeia deveria se preparar para uma suspensão do abastecimento. E é o que tem ocorrido: o fluxo de gás à Europa — especialmente à Alemanha, um dos países mais dependentes dele — está flutuando.
No início de julho, a Gazprom fechou o Nord Stream 1 por 10 dias, alegando a necessidade de trabalhos de manutenção.
No final de julho, a Rússia reduziu a 20% o fluxo de gás do Nord Stream 1, sendo que o duto já operava em 40% da capacidade desde junho. A Gazprom alegou que o corte foi causado por problemas técnicos com uma peça do gasoduto, mas o ministro da Economia alemão, Robert Habeck, afirmou que “não havia razão técnica para uma redução nas entregas”.
“Usando a Gazprom, Moscou está fazendo todo o possível para tornar o próximo inverno o mais duro possível para os países europeus. O terror deve ser respondido – impor sanções”, complementou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em um discurso em vídeo.
[cnn_galeria active=”697596″ id_galeria=”697682″ title_galeria=”Veja imagens da invasão da Ucrânia pela Rússia”/]
Transição energética
Essas medidas têm impactado radicalmente a União Europeia porque ela é altamente dependente do gás russo. A Rússia fornece cerca de 40% do gás natural europeu — mais da metade, quando se olha exclusivamente para a Alemanha.
Os gasodutos são chave para a transição energética da Europa, que vem assinando uma série de tratados visando controlar o aquecimento global, como o Acordo de Paris, que tem compromissos ambiciosos para a redução da emissão de gás carbônico.
Com isso, os países vêm aposentando suas antigas usinas nucleares e termelétricas (a base de carvão). Como a Alemanha, que no final de 2021, fechou três das últimas seis usinas nucleares que estavam em funcionamento no seu território.
Para suprir a demanda energética do bloco, ele vem ampliando suas fontes renováveis de energia — como eólicas offshore e energia solar. Essas, contudo, não são suficientes para fornecer a quantidade de energia que a UE necessita, especialmente no inverno.
Aí que entra o gás russo, complementando o sistema renovável. Países da UE compram o gás russo no verão, a um preço mais barato, e estocam essa energia em países como Holanda até a chegada do inverno.
O Nord Stream 2, que ainda não entrou em funcionamento, agregaria ainda mais a essa dinâmica. “A Europa contava com o Nord Stream 2 para a expansão energética da próxima década”, explica Edmilson dos Santos, professor associado do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
Agora, o bloco tem aprovado medidas emergenciais que buscam reduzir a dependência e reformular o plano energético dos países. Os países da União Europeia aprovaram, no final de julho, um plano de emergência para conter sua demanda de gás.
Bruxelas está pedindo aos estados-membros que se preparem economizando gás e armazenando-o para o inverno. Além disso, os ministros da Energia aprovaram uma proposta para que todos os países da UE reduzam voluntariamente o uso de gás em 15% de agosto a março.
Para lidar com a redução do fluxo, a UE ainda afirmou que voltaria temporariamente à energia do carvão, reativando suas usinas. Momentaneamente, o bloco também aumentou sua importação de gás dos Estados Unidos.
“A Rússia se tornou um fornecedor de produtos não confiáveis”, explica Pedro Rodrigues, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), à CNN. Por essa razão, ainda que a Rússia retome o fluxo de gás e o Nord Stream 2 entre em funcionamento, será necessário pensar em novas alternativas no longo prazo para substituir esse serviço.
O especialista explica ainda que a Europa estava tão preocupada em acelerar sua transição energética que se esqueceu de um ponto central: a segurança energética.
“A Europa se colocou dependente de fontes renováveis e do gás russo”, ressalta. “Hoje, não há nenhuma tecnologia com preço competitivo que consiga resolver essa situação.” Ele cita o hidrogênio verde, por exemplo, que é uma solução plausível, mas se considerada no longo prazo, devido ao alto custo.
Como os cortes impactam a Rússia
Os gasodutos são parte de uma relação de mútua dependência. A Europa precisa da energia que a Rússia fornece, e a Rússia precisa da receita que recebe com essa venda. Como, então, a Rússia pode realizar esses cortes em meio às sanções ocidentais e à crise econômica em seu país?
Em termos históricos, a população russa está habituada a viver com guerras, conflitos, sanções e embargos, explica Rodrigues. Por essa razão, o embargo não é tão preocupante para Putin.
Além disso, a Rússia está vendendo seu excedente de petróleo para Índia e China.
A Índia aumentou exponencialmente suas importações de petróleo russo nos últimos meses: antes da invasão da Ucrânia, apenas 1% de suas explorações de petróleo eram destinadas ao país; em maio de 2022, esse valor subiu para 18%.
As importações chinesas de petróleo bruto da Rússia, por sua vez, subiram 55% em maio na comparação anual, atingindo nível recorde e tirando a Arábia Saudita da posição de principal fornecedor do país. Os dados são da Administração Geral de Alfândegas da China.
Gigantes chinesas ainda estão recebendo grandes descontos da Rússia, após a invasão afastar compradores dos EUA e Europa. Inclusive, a União Europeia anunciou que pretende bloquear até 90% da compra de petróleo russo até o final deste ano.
Portanto, para o especialista, a posição mais complicada é da Europa e especialmente da Alemanha, porque não existe nenhuma solução a curto prazo para o problema energético que enfrentam. “Por ora, esses países precisam ceder às vontades e decisões da Rússia”, ressalta.
Ainda sim, o professor Edmilson acredita que os russos estejam em uma situação crítica. “A máquina de guerra consome muito recurso”, diz. Para ele, a Rússia depende fortemente da alta nos preços do petróleo; caso essa caia, a compensação de receita some — obrigando o país a retomar exportações para a Europa.
Impactos e oportunidades para o Brasil
Apesar dos gasodutos serem algo regional, as consequências e movimentações que a crise energética gerou afetam os mercados e relações comerciais no Brasil.
A Europa tem importado quantidades massivas de gás natural e diesel de outros países, visando aquecer as casas e manter o setor industrial funcionando durante o inverno. Isso disparou o preço de ambos os produtos — prejudicando o consumidor aqui no Brasil.
Em relação ao gás, o Brasil importava o produto dos Estados Unidos, que direcionou suas exportações à Europa. Sobre o diesel, em alguns postos de gasolina, o preço do combustível chegou a ultrapassar o da gasolina.
Além disso, a Ásia, e especialmente a China, são os maiores parceiros comerciais de petróleo do Brasil. Como eles receberam a oportunidade de comprar essa commodity a um preço mais baixo da Rússia, há um desafio para o país de encontrar novos parceiros e mercados.
Apesar disso, nem tudo é negativo. Para ambos os especialistas, essa é uma janela de oportunidade única para o Brasil desenvolver a produção de gás natural, que hoje é reinjetado no solo por falta de infraestrutura e interesse do mercado doméstico.
Santos ressalta que não estamos vivenciando um mero pico de preços. Para ele, esses valores do gás ficarão altos por uma década ou mais. “Assim como o petróleo, o Brasil precisa encontrar uma vocação exportadora”, diz.
Independente dos desdobramentos, Pedro Rodrigues, do CBIE, acredita que a guerra é um marco no mundo da energia como o primeiro e segundo choque do petróleo. “Essa guerra entre Rússia e Ucrânia modificou para sempre a geopolítica energética mundial. O mundo nunca mais será o mesmo.”
Teste seus conhecimentos sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia
Entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022, o mundo assistiu à escalada das tensões entre Rússia e Ucrânia. Teste seus conhecimentos sobre as notícias
Rússia e Ucrânia fizeram parte da União Soviética durante o século 20. Em que ano ocorreu a divisão da URSS e a formação destas repúblicas?
O que são as regiões de Donetsk e Luhansk?
Quem é Volodymyr Zelensky?
O que significa a sigla Otan?
Assinale a alternativa que mostra corretamente três países que apoiam a Rússia na invasão à Ucrânia
Quais destes países já anunciaram sanções econômicas contra a Rússia?
Qual dessas cidades ucranianas já sofreu com bombardeios russos?
Qual foi o primeiro país a enviar ajuda para a Ucrânia após a invasão?
No dia 24 de fevereiro, a Rússia invadiu o local de uma tragédia ocorrida em 1986. Qual é esta região?
Qual o nome do conjunto de leis militares que substitui as leis civis em períodos de guerra?
Precisa estar por dentro das notícias
Você pode seguir os acontecimentos da guerra na Ucrânia na CNN.
Bem-informado
Você tem se mantido por dentro das notícias sobre o conflito no Leste Europeu. Continue acompanhando os desdobramentos na CNN
*Sob supervisão de Ana Carolina Nunes e com informações de CNN Internacional e Reuters