Entenda como uma recessão na Alemanha pode afetar a União Europeia
País é considerado a maior potência da Europa e ocupa o quarto lugar entre as maiores economias mundiais
A importância da Alemanha para a economia da Europa é significativa. O país é um importante exportador de produtos tecnológicos, químicos e industriais, além de ocupar a posição de quarta maior economia do mundo.
Contudo, a economia alemã, que já demonstrava perda de competitividade, enfrenta agora as dificuldades econômicas geradas pelos efeitos da pandemia de Covid-19 e, principalmente, pelas restrições do fornecimento de gás por parte da Rússia.
A inflação no país atingiu seu nível mais alto em quase 50 anos em agosto, alcançando 8,8% na base anual e superando uma máxima anterior estabelecida apenas três meses antes, sob o peso dos preços de energia, segundo o escritório federal de estatísticas.
Os preços da energia elétrica na Alemanha, por exemplo, que são considerados referência na Europa, saltaram brevemente acima de 1.000 euros (US$ 999,80) por megawatt-hora para o próximo ano.
Com indicadores desfavoráveis e preços cada vez mais altos, principalmente com relação à energia, na semana passada, o próprio banco central alemão disse que uma recessão no país é cada vez mais provável. A instituição ainda estima que a inflação deve continuar acelerando e pode atingir um pico de mais de 10% antes do fim do ano.
Dada a importância do país para o bloco econômico europeu, especialistas alertam que uma recessão na Alemanha pode gerar um efeito cascata em todos os demais membros da União Europeia.
Importância alemã
O país localizado na Europa Ocidental estabeleceu seu papel de importância na economia local a partir da reunificação em 1990.
A Alemanha possui características consideradas importantes por especialistas como a alta produtividade e altas taxas de inovação. Dessa maneira, o país tem sua força na exportação de produtos tecnológicos e industriais.
O professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado Vinícius Vieira explica como o modelo da zona do euro foi desenhado tendo como âncora a Alemanha.
“Temos essa dependência da Alemanha que pode ser resumida em um esquema básico. Como a economia da Europa funcionou nos últimos 20 anos, desde a implantação do euro? Tendo a Alemanha como força suficiente para exportar para a periferia europeia, principalmente, para os países do sul da Europa, que, em troca, eles enviam produtos e serviços de menor valor agregado para os alemães”.
A fama de grande exportadora e de potência industrial vem de um dos principais segmentos da economia alemã e que alimenta os demais países europeus: a indústria automobilística. É o que reforça o economista e professor da ESPM Leonardo Trevisan.
“Se olharmos como ela construiu essa potente industria, foi em torno do setor automobilístico. Se visitar qualquer capital do bloco ainda hoje e observar a cena automobilística, temos 70% dos carros que são de fabricação alemã. Fruto do desenvolvimento tecnológico e, principalmente, desenvolvimento de preço”, afirma.
Ao considerar a zona do euro, a economia alemã representa cerca de um terço do Produto Interno Bruto (PIB) da região. Já ao levar em consideração a União Europeia (UE), o país representa um quarto do PIB do bloco.
Perigo da recessão
Além dos desafios gerados pela quebra na cadeia do mercado global pela pandemia de Covid-19, a Guerra na Ucrânia é um dos principais responsáveis pela alta da inflação na Alemanha e o que mais gera preocupação com uma possível recessão do país.
O conflito coloca o país em xeque uma vez que desgastou a relação do entre Berlim e Moscou. Leonardo Trevisan explica que desde a unificação, a Alemanha, na prática, se transformou em um grande aliado da Rússia, pois adiquiria gás barato e financiava o desenvolvimento russo
“Em troca do investimento alemão na Rússia para desenvolver diferentes setores, o troco dessa condição era de que a Alemanha receberia energia barata dos russos. É isso que, de alguma forma, a guerra quebrou. A indústria depende do modal energético, e este modal da Alemanha, sem dúvida, está em risco”.
Segundo os especialistas, por se tratar de um grande exportador e chamariz de investimentos, “se a Alemanha pegar uma gripe, a talvez a periferia da Europa pegue uma pneumonia”, resume o professor Vinicius Vieira.
“A Alemanha está enfrentando o esgotamento do modelo que a permitiu ser a grande estrela econômica da Europa nos últimos 30 anos, desde a reunificação até um tempo atrás, e mesmo no período de grande crise da zona do euro ela não foi tão afetada assim”, avalia.
Expectativas
De acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Alemanha deve crescer 1,2% em 2022. Em 2021, o país cresceu 2,9% após registrar -4,6% em 2020, no início da pandemia.
A avaliação dos especialistas é de que a questão energética continuará sendo o principal entrave para a economia alemã.
Em agosto, o ministro da Economia alemão Robert Habeck disse que a Alemanha enfrenta a “amarga realidade” de que a Rússia não vai restaurar o fornecimento de gás ao país. “Isso não vai voltar… É a amarga realidade”.
Atualmente, a Rússia está fornecendo apenas 20% da capacidade usual do gasoduto Nord Stream 1 para a Alemanha.
“É preciso que ocorra uma alteração da matriz energética do país, esse é o novo normal. Até eles alterarem a matriz energética, se adaptar a essa nova realidade, isso vai levar um longo período, é difícil estimar, é algo do médio para o longo prazo, acredito em um prazo de 5 a 10 anos para que ocorra” comenta Vieira.
Além do planejamento para uma readaptação da matriz energética, no curto prazo a Alemanha tem buscado novos fornecedores.
“O que a Alemanha está fazendo, e sendo forçada a isso é a trocar o fornecedor. Ao invés de comprar o gás russo, ela está sendo obrigada a comprar dos americanos. A pergunta é: sobre o preço que o gás chegará ao país?”, conclui Leonardo Trevisan.
Além da inflação, a economia alemã também terá de lidar com o remédio amargo para o problema dos preços, o aumento da taxa de juros.
Em julho, o Banco Central Europeu (BCE) elevou a principal taxa de juros da zona do euro em 0,5 ponto percentual, iniciando com isso um ciclo de alta. Com isso, a taxa de depósito passa a ser de 0%, ante -0,5% anteriormente.
E movimento deve continuar em um “ritmo constante” até chegar ao fim de seu ciclo de alta, em parte para manter espaço para corrigir o caminho do aperto se as circunstâncias mudarem, disse o economista-chefe do BCE, Philip Lane, na última segunda-feira (29).
*Com informações da Reuters