Em dois meses de guerra, preços dos fertilizantes sobem até 32%, segundo CNA
Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária prevê encarecimento da safra diante do aumento dos insumos e do frete, o que deve impactar o preço dos alimentos na mesa dos brasileiros
Com mais de 20% dos fertilizantes comprados da Rússia, o Brasil viu o preço desses insumos subir até 32% em dois meses da guerra na Ucrânia, completados no último domingo (24).
Os dados são da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), levantados por meio do projeto Campo Futuro, que analisa os custos das principais cadeias produtivas nacionais.
“Esperávamos que a safra passada fosse a mais cara do século. Mas a próxima, de 2022-2023 deve ficar no mesmo patamar ou até mais cara”, disse à CNN o diretor técnico adjunto da CNA, Reginaldo Minaré, sobre o ciclo que começa entre setembro e outubro.
O Brasil importa mais de 80% dos fertilizantes necessários para manter a qualidade do solo. Desde o início do conflito no Leste Europeu, fósforo e potássio tiveram um reajuste em torno de 18% a 20%.
Já a ureia, principal nitrogenado, ficou 32% mais cara por conta do aumento do gás natural, a matéria-prima do insumo, que tem na Rússia um dos principais produtores mundiais.
“O gás representa 80% do custo de produção de nitrogenados. Além de você ter o preço da matéria-prima subindo, tiveram algumas paradas, suspensão de fábricas na Europa por conta do gás muito alto, que torna a produção economicamente inviável”, explicou Minaré.
E os fertilizantes já vinham acumulando altas por conta de quebras na cadeia de abastecimento e estrutura logística. Entre março de 2020 e o mesmo mês deste ano, a ureia sofreu um aumento de 224%. No caso do fósforo, 239%.
Já o potássio, 269%, segundo a CNA.
A subida preocupa os produtores. Segundo Reginaldo Minaré, antes do início do conflito, os preços iniciavam uma tendência de queda.
Com isso, vários agricultores decidiram aguardar para fazer as compras necessárias para a safra de verão, sendo que, de julho em diante, começa um período de aquisições e entrega desses produtos.
“Alguns agricultores compraram, mas outros esperaram que os preços voltassem para um patamar mais tradicional e foram surpreendidos com o começo da guerra. E aquela pequena redução nos preços se perdeu nos últimos dois meses. Teremos novamente uma safra cara”, colocou.
E a consequência do aumento nos custos da produção é o repasse para o consumidor, em um cenário que a inflação se manifesta na mesa dos brasileiros. Em março, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 1,62%, sendo que, junto com transporte e bebidas, os alimentos representaram 72% dessa alta.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os itens de destaque estavam o tomate e a cenoura, com uma subida de 27,22% e 31,47% no mês passado, respectivamente.
O preço da safra ainda deve ser impactado pelo aumento dos combustíveis, já que o valor do escoamento também entra no cálculo e o petróleo foi outro item que registrou alta diante do conflito entre Ucrânia e Rússia.
Com a produção mais cara, a CNA pede uma ampliação do Plano Safra, programa de crédito com o objetivo de incentivar o setor.
“Um ponto que a gente espera é que tenha um Plano Safra mais robusto, principalmente no que diz respeito à questão de seguros, juros, isso é importante, fundamental com esse custo da Selic. O crédito para o agricultor ganha outra dimensão, um Plano Safra robusto é uma expectativa para o setor, é um momento de crise que justifica um incremento”, declarou o diretor técnico adjunto da CNA, Reginaldo Minaré.
À CNN, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que o Plano Safra 22/23 está sendo discutido e que não há previsão de alternativas diferenciadas para a compra de fertilizantes, atualmente já oferecidas por meio de linhas de custeio.
Governo federal nega desabastecimento
A guerra ainda traz a preocupação referente ao abastecimento de fertilizantes. Na semana passada, a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala esteve no país e, à Frente Parlamentar da Agropecuária, disse que “o mundo não sobrevive sem a agricultura brasileira.”
A diretora-geral recebeu do presidente Jair Bolsonaro um pedido para livre fluxo dos fertilizantes no mundo, mesmo com as sanções econômicas aos países envolvidos na guerra.
Apesar da preocupação demonstrada pelo presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento divulgou que as importações dos produtos seguem em ritmo normal, sem interrupção na produção de alimentos.
“Há uma equipe composta por integrantes do governo e setor privado para monitorar eventuais problemas a fim de resolvê-los de maneira imediata, sem comprometer a demanda brasileira. Isso inclui o monitoramento dos embarques e os fluxos logísticos internacionais. Até o momento, estamos recebendo os volumes esperados”, divulgou a pasta em nota à CNN.
O Mapa estima que o estoque interno deve assegurar cerca de três meses da demanda nacional, com a expectativa de garantir o plantio da próxima safra.
O ministério também informou que vem trabalhando para ampliar os fornecedores externos para reduzir o grau de dependência.
Em maio, o novo ministro Marcos Montes fará uma viagem ao Marrocos, Egito e Jordânia para discutir o comércio de fertilizantes com essas nações.