Economistas esperam dólar acima de R$ 5,50 até fim de 2022 após manobra no teto
Proposta que muda regra de gastos deve elevar despesas e dívida do governo no ano que vem, e fez moeda disparar
Até poucas semanas, a maior parte dos economistas acreditava que o dólar tinha superado os piores momentos e caminhava para chegar ao fim de 2021 podendo pousar na casa dos R$ 5,20, depois de ter flertado com os R$ 5,90 em parte de 2020 e no começo de 2021.
Os juros voltando a subir no Brasil, depois de terem sido derrubados aos 2% no ano passado, explicavam boa parte do alívio, já que juros mais altos melhoram os rendimentos da renda fixa e ajudam a atrair capital estrangeiro de volta para o país.
Mas o otimismo durou pouco. Após a sucessão de notícias sobre Auxílio Brasil e teto de gastos na semana passada, muitos bancos e corretoras estão revisando suas perspectivas para o câmbio.
Boa parte deles já veem o Brasil tendo que conviver com o dólar na faixa dos R$ 5,50 – ou até mais do que isso – não só pelo resto deste ano, como ao longo de 2022 inteiro também. Isso alonga ainda mais a espera do brasileiro por ver a moeda estrangeira abaixo dos R$ 5 de novo.
O Credit Suisse, por exemplo, passou a esperar a taxa de câmbio a R$ 5,50 ao fim de 2021 e de 2022. Antes, o banco calculava dólar em R$ 5,20 ao fim dos dois anos.
É a mesma revisão feita pelo Itaú Unibanco, que também elevou dos R$ 5,20 para os R$ 5,50 a expectativa para a cotação ao fim deste e do próximo ano.
“Os mercados reagiram de forma bastante negativa às notícias sobre as prováveis mudanças no arcabouço de política fiscal do Brasil”, disse o banco em relatório a clientes. “Mesmo com uma taxa Selic mais alta, o aumento do prêmio de risco no Brasil limitará o potencial de apreciação do real.”
A XP foi ainda mais longe: a corretora, que imaginava antes que o dólar podia baixar aos R$ 5,10 até o final do ano que vem, agora afirma que a moeda deve gravitar em torno dos R$ 5,70 tanto neste quanto no próximo ano.
“A regra constitucional do teto de gastos, principal norte de controle das despesas públicas, terá menor efetividade daqui para frente e, diante disso, a percepção de risco dos agentes de mercado subiu consideravelmente nos últimos dias”, escreveu o economista-chefe da casa, Caio Megale.
Manobra no teto aumenta dívida
Por trás da obsessão que o mercado financeiro tem pelo teto de gastos está o fato de que ele é um mecanismo que controla o crescimento das despesas do governo e, por consequência, também da dívida pública do país, que está hoje em 82% do PIB e já é uma das mais altas entre os principais países emergentes.
Países muito endividados tendem a ter maior risco de não pagarem seus compromissos e, por isso, os investidores ou fogem (o que eleva o dólar) ou pedem mais prêmio para continuar aplicando seu dinheiro ali (o que eleva os juros).
Criada em 2016, a regra do teto proíbe que o governo federal aumente o orçamento anual acima da inflação, o que ajudou as despesas a não ficarem muito maiores do que a receita nos últimos anos.
Na semana passada, atrás de verba para conseguir pagar um Auxílio Brasil maior, o governo propôs mudar a maneira como a inflação é contabilizada no teto.
A manobra vai abrir um espaço de bilhões de reais extras para gastar no ano que vem sem formalmente descumprir regra alguma – e foi isso que foi visto pelo mercado financeiro como a pá de cal sobre a regra de controle fiscal.
Nas contas do Itaú, o remendo no teto, somado à proposta de deixar de pagar parte dos precatórios que vencem em 2021, deve permitir ao governo gastar até R$ 75 bilhões a mais no próximo ano do que o inicialmente orçado, o que representa 0,8% do PIB. A Câmara dos Deputados deve votar a PEC dos Precatórios nesta quinta-feira (28).
Como consequência, o déficit primário – que mede em quanto as despesas ficaram maior que as receitas – deve praticamente dobrar em 2022 (de 0,8% em 2021 para 1,5%). Com isso, a dívida, que no cenário com o teto original mantido seguiria caindo, deve subir de 82% do PIB em 2021 para 86% em 2022.
É esta reversão na trajetória da dívida o que, ao fim, dá tantos arrepios ao mercado.
Eleição no Brasil e juros nos EUA
André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, acrescenta que ajudam a piorar os prognósticos para o dólar no ano que vem a corrida presidencial no Brasil, que tradicionalmente já aumenta a volatilidade para o câmbio, e a possibilidade de que, lá fora, os Estados Unidos também voltem a subir juros depois dos hiperestímulos concedidos durante a pandemia.
Juros mais altos na economia mais forte do mundo tendem a atrair os capitais de países emergentes de volta para lá, e o dólar acaba se fortalecendo no mundo todo.
A Necton também elevou sua previsão de câmbio, de R$ 5,40 para R$ 5,55 no fechamento deste ano, e algo entre R$ 5,45 e R$ 5,50 no próximo.
“Os termos de troca [que medem o valor das exportações] estão positivos para o Brasil e o real tinha que estar bem mais forte do que está. Eu só não digo que a cotação vai cair para R$ 5,10 ou R$ 4,90 [em 2022] porque há muitos fatores pressionando.”
*Com informações da Reuters