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    Do protecionismo ao liberalismo, guerras e desindustrialização: o Jubileu de Elizabeth II na economia

    Em 70 anos de reinado, Grã Bretanha viveu racionamentos, guerras — como as de Suez e da Ucrânia — e a troca da indústria pesada pela criativa

    Lílian Cunhacolaboração para o CNN Brasil Business

    O Reino Unido era uma economia em declínio em 2 de junho de 1953, quando Elizabeth Alexandra Mary foi coroada como Elizabeth II, a 12ª monarca da nação desde a unificação com a Escócia, em 1707.

    Nestes 70 anos de reinado, a Grã Bretanha mudou muito. Em sete décadas, Elizabeth II viveu muitos altos e baixos da economia britânica.

    O primeiro período de depressão enfrentado por ela foi quando Elizabeth assumiu o reino. A Grã-Bretanha, que dominou o mundo no século 19 com a Revolução Industrial e suas colônias, agora via sua indústria pesada — focada em aço, carvão, metalurgia — perder para os Estados Unidos que, depois da Segunda Guerra Mundial, cada vez mais avançava em termos tecnológicos.

    O racionamento

    Nos primeiros dias de Elizabeth, os britânicos só podiam fazer suas compras em sistema de racionamento: as pessoas tinham que se cadastrar nas lojas de sua escolha, onde recebiam um talão especificando os produtos e limites de quantidade que podiam comprar. Esse racionamento, que começou durante a guerra, continuou ao longo dos anos e só acabou ao final de 1954.

    “Até a primeira metade do reinado de Elizabeth II, a Inglaterra e todo o reino passaram por grandes dificuldades econômicas porque foi a época do fim do colonialismo, que era o que sustentava o Reino”, diz Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira, professor adjunto em Economia e Relações Internacionais na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), de São Paulo. A Índia, que era a colônia mais próspera, havia se tornado independente em 1947.

    Sem as colônias

    Mas, como diz Paulo Vicente Alves, professor de Estratégia e Gestão Pública na Fundação Dom Cabral, o colonialismo, no século 20, saía caro para o Reino. “O Império era muito caro. O governo britânico cada vez mais assumia custos econômicos e sociais após a Segunda Guerra e a nação ia perdendo competitividade.”

    Então veio a Guerra de Suez, que envolveu Israel, França e Inglaterra na disputa com o Egito pelo domínio de seu canal, o Canal de Suez. Foi a pá de cal no imperialismo britânico.

    O Egito era uma nação independente, mas subjugada pelos ingleses e permaneceu assim até o fim da Segunda Guerra. Por conta da importância crescente do petróleo na economia mundial, produto que vinha do Oriente Médio que fez o canal ganhar ainda mais importância – o que acabou trazendo os Estados Unidos para a disputa. Ao final do conflito, em 1957, o domínio britânico sobre o Egito terminou.

    “Então, a Inglaterra entrou nos anos 60 enfraquecida. O produto interno na França já tinha ultrapassado o do Reino Unido, e a Alemanha vinha se sobressaindo. Os ingleses não eram mais os líderes da Europa”, resume o professor da FAAP. O Reino precisou, por exemplo, pedir empréstimo para os Estados Unidos, período bem retratado na primeira temporada da série “The Crown”.

    A indústria mundial, nessa época, já tinha percebido que era uma boa mudar para países onde a mão de obra era mais barata e isso fez muitas delas deixar a ilha britânica para ir ao Oriente ou até mesmo para América Latina. “Os ingleses podiam até ser mais produtivos. Mas não eram tão produtivos quanto eram caros”, diz Alves.

    Nessa época, o estado britânico era muito protecionista. “As indústrias locais foram perdendo competitividade porque elas tinham essa proteção estatal”, diz Paulo Feldmann, professor de economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).

    Além disso, a aposta foi investir em setores tradicionais, como o automobilístico, o químico e o farmacêutico – o que mais tarde cobrou seu preço dos britânicos. “Quem se sobressaiu na economia mundial foram os que jogaram suas fichas em eletrônica, tecnologia da informação”, diz Feldmann.

    Thatcher e os punks

    Nesse cenário de indústria perdendo competitividade o desemprego correu solto. A taxa era de dois dígitos no meio da década de 1970. É nesse clima de revolta das classes trabalhadores que surge, por exemplo, o movimento punk. “Eles eram jovens da classe trabalhadora que não tinham perspectiva. Outro exemplo dessa mesma época é o filme ‘The Full Monty (Ou Tudo ou Nada)’”, ilustra Vieira.

    A situação só foi mudar anos mais tarde, com Margaret Thatcher assumindo como primeira-ministra, em 1979. O que ela fez, basicamente, foi eliminar o subsídio do estado britânico para quase tudo. Até o leite, que o governo fornecia gratuitamente para as crianças, foi cortado.

    Moda, turismo e pesquisa

    E como o Reino Unido nunca foi um país com grandes reservas naturais, recursos para agricultura, a primeira-ministra focou na exploração de petróleo no Mar do Norte e no que se convencionou chamar de “Soft Power”: a indústria criativa – com o cinema (007 é um exemplo), a música, o turismo e o foco em serviços de alto valor agregado, como o setor financeiro, moda, capital intelectual e inovação.

    Com o fim da União Soviética e da Guerra Fria, o Reino Unido também pode investir menos num setor que sempre consumiu muito dos recursos do país: a indústria de armas.

    “Com mais dinheiro para outras coisas, que não armamento, o foco em pesquisa e desenvolvimento, que já estava se intensificando nos anos 1960 e 1970, aumentou nos anos 1980 e 1990, favorecendo principalmente as áreas de medicina e energia”, diz Alves.

    A Quarta-Feira Negra

    A essa altura, a Grã-Bretanha já era novamente uma das maiores economias do mundo. As seguradoras e os bancos ingleses estavam entre os maiores do planeta. Tudo que era relacionado à ciência também crescia e trazia divisas para o país.

    Esse período de riqueza, após a era Thatcher, só foi brecado em 1992, com o que ficou conhecido como a Quarta-Feira Negra.

    O governo inglês prometeu manter a libra esterlina supervalorizada por conta do desemprego em alta e do desenvolvimento do programa de unificação da moeda europeia. Os países europeus, naquele tempo se preparavam para formar o que hoje é a União Europeia.

    Na Grã-Bretanha, a pressão por taxas de juro mais elevadas foi maior que os esforços para segurar a libra lá em cima. O Reino Unido teve, então, de se retirar do Mecanismo de Taxa de Câmbio Europeu (o órgão criado no fim dos anos 1970 para estabilizar as moedas europeias em preparação para a União Econômica). O país foi forçado a sair porque não conseguiu evitar que o valor da libra caísse abaixo do limite inferior especificado pelo mecanismo.

    Percebendo essa manobra com antecedência, o empresário e economista George Soros apostou na desvalorização da moeda britânica. Na quarta-feira, 16 de setembro de 1992, ele ganhou 1 bilhão de libras.

    Mais uma vez, a rainha Elizabeth viu seu país ter de se recuperar de mais uma crise econômica, que só veio a se repetir mais tarde, em 2008, quando a maioria dos mercados globais quebraram por conta da bolha imobiliária nos Estados Unidos: houve aumento nos valores imobiliários que não foi acompanhado por um aumento de renda da população. “Nessa duas crises, a recuperação foi muito rápida”, diz Feldmann.

    Brexit, pandemia e Ucrânia

    Um dos arranhões mais fortes que essas crises provocaram foi a perda salarial dos adultos mais velhos. Descontentes, eles acabaram dando apoio ao movimento de saída do Reino Unido da União Europeia.

    E essa é a mais nova crise enfrentada pela monarca, a crise do Brexit.

    Ao se retirar da União Europeia em janeiro de 2020, o custo de tudo voltou a subir na Grã-Bretanha. “O Reino Unido saiu da União Europeia e vem lidando com os efeitos disso até agora, agravados ainda pela pandemia”, diz Alves.

    O país vive uma falta de mão de obra para empregos mais baratos – devido às restrições para imigração – um aumento generalizado dos custos, por conta das novas taxas que precisam ser pagas para entrada e saída de produtos no país. “O comércio com a Europa ficou mais complicado e o Reino Unido perdeu um dos seus maiores mercados”, diz Feldmann.

    E como se não bastasse a inflação que isso vem causando, a pandemia e a guerra na Ucrânia pioram ainda mais tudo, pois o descompasso entre demanda e oferta de produtos aumenta. “Por muito tempo, a Grã-Bretanha se beneficiou de um cenário de risco institucional baixo, de pouca inflação e juros também baixos. Agora, tudo isso se inverteu”, diz Alves.

    Mesmo assim, o país que tem uma população três vezes menor do que a do Brasil, tem um produto interno duas vezes maior que nosso. A indústria de armas, o setor químico, a área cultural, as empresas do ramo financeiro continuam garantindo a riqueza do Reino Unido. A questão que fica é: até quando?

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