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    Dá para investir na dívida do governo com pessoas: entenda o que são precatórios

    Empresas compram títulos de dívida do governo com pessoas e empresas em transações ganha-ganha, mas há riscos; entenda

    Leonardo Guimarães, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Quando alguém processa o Estado, vence a causa e precisa receber uma indenização, o governo (municipal, estadual ou federal) não paga o que deve imediatamente. Para organizar seu orçamento, o poder público dá precatórios aos ganhadores das causas. Eles funcionam como um lugar na fila de pagamentos, ou semelhante ao antigo cheque pré-datado. E os precatórios podem ser um tipo de investimento. 

    Os ganhadores de causas contra o governo e donos desses precatórios geralmente têm processos se arrastando por anos na justiça. O Estado tem até dois anos e meio para pagar essas pessoas e empresas. Mas muito não querem esperar tanto para receber o dinheiro. É aí que está a oportunidade de investimento. 

    Empresas de investimentos alternativos abordam os donos de precatórios para comprar os títulos e lucrar com isto. Uma pessoa que vai receber uma indenização de R$ 20 mil em 2023 pode aceitar vender seu precatório e receber imediatamente R$ 15 mil, por exemplo. Em teoria, é a típica transação ganha-ganha, mas há riscos, como todo investimento. 

    O ecossistema

    Existem pelo menos três tipos de empresa atuando nesse mercado: os fundos que colocam parte de seu capital em precatórios, empresas que ganham a vida identificando oportunidades para outras fazerem o investimento, e outras que oferecem a oportunidade diretamente para o investidor interessado em comprar os títulos. 

    As empresas não revelaram qual o percentual cobrado para fazer ess ‘ponte”, alegando que “depende de cada caso”. Para o investidor comum, geralmente é necessária a intermediação dessas empresas, já que essas são oportunidades difíceis de serem identificadas. 

    A Ori Assets, por exemplo, fez um grande investimento em tecnologia para desenvolver um algoritmo capaz de identificar todos os precatórios emitidos em tribunais federais. A partir desses dados, a empresa filtra as oportunidades que lhe atraem, entra em contato com o dono do precatório, negocia um valor e, se tudo der certo, entrega essa oportunidade para a empresa que a contratou para este serviço. 

    “Identificamos as necessidades de investidores PJ e fundos, buscamos na nossa base oportunidades aderentes, negociamos com os donos dos precatórios dentro dos parâmetros que o cliente estabelece e apresentamos a oportunidade para ele”, explica o CEO da Ori Assets, Allan Edward. 

    Com a tecnologia e tempo para receber o dinheiro lá na frente, a Ori Assets afirma que consegue oferecer a seus clientes rentabilidade de até 20% nos negócios. 

    Edward explica que tem buscado parceiros interessados em investir nos precatórios pulverizados – aquelas dívidas do Estado de até R$ 200 mil. É que, segundo ele, muitas empresas estão focadas nos grandes precatórios, com valor acima de R$ 1 milhão, mas esses títulos representam apenas 5% das dívidas dos governos brasileiros, explica. 

    Existem também os fundos que têm sua própria tecnologia para identificar boas oportunidades com precatórios. É o caso da Jive, que também desenvolveu um algoritmo que mostra os títulos emitidos em todas as instâncias. Desde 2015, os fundos da empresa já investiram quase R$ 4 bilhões em precatórios. 

    Quando o time de atendimento da Jive consegue falar com o dono do precatório para negociar a compra, a taxa de conversão é de 50%. Para os precatórios federais que serão pagos no ano que vem, a empresa oferece o pagamento imediato de até 80% do valor.

    Riscos

    Lucrar com precatórios não é tão simples assim. Para ter um bom retorno, as empresas que investem nessas ações judiciais precisam assumir alguns riscos – uns grandes, outros menos preocupantes. 

    É preciso conhecer muito bem quem está vendendo o precatório. Se a pessoa tem uma dívida com uma empresa, por exemplo, um banco ou uma varejista, ela vende seu precatório, mas sem quitar aquela dívida, a empresa credora pode ganhar na justiça o direito de receber aquele precatório. Dessa forma, quem comprou o título ficará a ver navios, já que não vai poder cobrar nada do antigo dono. 

    Também pode acontecer de o dono do precatório vender aquele título para duas empresas diferentes. “Nada impede que o vendedor registre dois compradores no tribunal onde está correndo a ação. Um dos dois compradores vai sair perdendo. O vendedor será obrigado a indenizar uma das partes, mas não sabemos se ele tem dinheiro para isso”, explica Guilherme Ferreira, sócio-gerente da Jive. 

    O comprador de precatórios ainda precisa ficar de olho em quem emite o documento. Isso porque há diferentes níveis de risco conforme a esfera do processo. Há 20 anos, o governo federal vem pagando os precatórios em dia, por isso suas dívidas são as mais cobiçadas e consideradas as mais seguras do mercado. 

    Para estados e municípios, é preciso ficar de olho se o emissor está no regime geral ou especial. O primeiro é para aqueles que pagam em dia. As cidades e estados com dívidas em atraso com pessoas e empresas entram no regime especial e podem pagá-las até 2029. O problema é que esse prazo já foi prorrogado várias vezes.

    Há ainda a chance de uma ação rescisória atrapalhar os planos de quem comprou um precatório. Mesmo com o trânsito em julgado, municípios, estados ou União têm um prazo de dois anos para tentar reverter a decisão que gerou o precatório. Isso pode acontecer quando um fato novo surge no caso. “Este é o risco menos avaliado por quem compra”, afirma Ferreira.

    Vale a pena? 

    Mesmo com seus riscos, o investimento em precatórios pode ser uma boa para quem quer diversificação na carteira. 

    Um dos fundos da Jive, por exemplo, tem 40% de seus recursos alocados em ações judiciais, mas a proporção muda conforme a perspectiva que a economia brasileira oferece aos gestores. Quanto mais incerteza no horizonte, maior é o investimento do fundo em precatórios. Quando a expectativa é de retomada econômica, a aposta é maior em imóveis. Essa flexibilidade é a chave para um rendimento de 21% ao ano, segundo Ferreira. 

    “Quem só investe em um único tipo de ativo acaba sendo obrigado a investir naquilo mesmo quando o momento não é ideal para isso”, afirma Guilherme Ferreira. 

    Quem faz parte do ecossistema dos precatórios está otimista com o crescimento do mercado por causa dos altos rendimentos. Clientes da Ori Assets, por exemplo, têm rendimento médio de 17% com esse tipo de investimento. 

    Outro fator que anima as empresas é a popularização desse investimento alternativo. Desde o início do ciclo da redução da taxa básica de juros, investidores procuram alternativas mais rentáveis que ativos de renda fixa. “Esse processo de popularização deve continuar e, cada vez mais, investidores vão procurando essas oportunidades”, diz Ferreira.