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    Juros altos derrubam arrecadação e atrapalham política fiscal saudável, diz Haddad à CNN

    Ministro da Fazenda concede entrevista exclusiva nesta sexta-feira (10) aos âncoras da CNN William Waack, Daniela Lima e Raquel Landim

    Douglas PortoJuliana EliasAna Carolina Nunesda CNN , em São Paulo

    O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, questionou, nesta sexta-feira (10), em entrevista exclusiva à CNN, como seria possível fazer uma política fiscal saudável com a atual taxa de juros, de 13,75% ao ano, que derruba a arrecadação e enfraquece a economia. Assista à íntegra da entrevista acima.

    “Na verdade, essa divisão entre política monetária e fiscal é uma forma de pensar a economia que talvez não consiga traduzir a complexidade desse organismo, que tem dois braços — o fiscal e o monetário — mas que tem que trabalhar juntos. E não é um esperando o outro fazer para depois começar a trabalhar”, declarou Haddad.

    “É uma relação de confiança que se estabelece entre as autoridades fiscal e monetária justamente para que ao observar na mesma direção, concorrendo para os mesmos propósitos, uma política fortaleça a outra. Não existe essa separação dessa maneira, não é assim que a economia funciona. O monetário afeta o fiscal e o fiscal afeta o monetário”, continuou.

    Citando uma entrevista do economista Olivier Blanchard, Haddad afirmou que mudou sua maneira de ver, citando sua metáfora de que “fiscal e monetário são braços do mesmo organismo”.

    “Eu acredito piamente que nós podemos harmonizar essas coisas”, expôs Haddad.

    Sobre a nova âncora fiscal que será anunciada neste mês, o ministro cita que não é uma coisa impositiva, mas, sim, uma negociação com a sociedade, em que vai calibrar e testar o modelo.

    Regra fiscal

    Haddad afirmou que já está com a base pronta, dentro da equipe econômica, para a nova regra fiscal que deve substituir o antigo teto de gastos, e que a proposta tem sido “muito bem recebida” por economistas e especialistas com quem o ministro e seu time têm feito as primeiras sondagens a respeito da proposta.

    Sem dar mais detalhes, Haddad também afirmou que o novo arcabouço fiscal “não é uma regra de dívida”. “Não acredito que isso funcionaria nas condições locais”, disse.

    A possibilidade de atrelar o controle de gastos à evolução da dívida pública, no lugar ou em complemento a uma meta de limite para as despesas, foi uma das propostas que chegaram a ser sugerida por vários especialistas quando começaram as discussões acerca de uma nova regra fiscal.

    “Eu não posso sondar que está no mercado. Eu estaria dando uma informação privilegiada para alguém que está operando”, disse Haddad.

    “Então tem que ter muita cautela pra testar isso com quem não está no mercado – técnicos do governo, do Banco Central, ou pessoas da academia que consigam manter um sigilo profissional. O desenho, eu diria que foi muito bem recebido. Agora cabe depois a negociação dos parâmetros.”

    A apresentação de um novo arcabouço fiscal vem sendo prometida por Haddad ainda para este mês. De acordo com o ministro, a proposta desenhada já foi debatida dentro do ministério da Fazenda e também da área econômica do governo.

    O próximo passo é apresentá-la ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que já está programado para a próxima semana, para depois, então, poder ser trazida a pública. Até lá, Haddad tem evitado dar mais informações sobre os detalhes da proposta desenha.

    O ministro adiantou à CNN que ela será “uma combinação virtuosa dos mecanismos de acompanhamento da evolução das contas públicas” e que procura “afastar os defeitos” dos principais norteadores fiscais atualmente – a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o Teto de Gastos.

    Preocupação com mercado

    Haddad afirmou que está preocupado com o que está acontecendo no mercado, em razão das taxas de juros praticadas.

    “A virada foi muito forte. Quando a taxa [Selic] estava a 2%, tenho conhecimento de empresas sólidas que tomaram [crédito] a 6%. Hoje, esses mesmos empresários estão rolando a 20%”, disse.

    O ministro destacou que em locais como o bloco europeu e os Estados Unidos, a taxa de juros ainda está em patamar muito baixo, ou até negativo, apesar da inflação.

    “Hoje a Europa está com muito receito do impacto de um combate à inflação, que caiu de 9,2% para 8,5% e que comemoram esta queda. Há quantas décadas não se via a  inflação na Europa nesse patamar? Então por que o banco central não dá um choque com juros? Porque depois de praticar taxas negativas ou muito baixas por tanto tempo, estão preocupados em qual vai ser o impacto no mundo real. Ninguém é eh contra combater a inflação, tem que combater”.

    Haddad reforçou que são países com meta de inflação muito baixas e que, mesmo assim, estão com receito do efeito que uma alta de juros pode ter.

    “Minha preocupação como ministro da Fazenda é fazer uma calibragem em um mundo confuso e difícil, com muita coisa que aconteceu que não estava no roteiro. Tem guerra, problema geopolítico, tem coisas de toda ordem. O que estou ponderando é que nós temos que saber navegar em mares turbulentos”.

    Caso Americanas

    O ministro declarou que não há menor dúvida de que aconteceu uma fraude fiscal na Americanas, que está em processo de recuperação judicial.

    “Que é fraude, acho que não tem a menor dúvida”, afirmou Haddad. “Eu sempre espero transcorrer, até porque eu estou no Ministério da Fazenda. Mas enfim, é uma fraude grande, uma fraude que abalou o mercado, porque é 0,5% do PIB, não é uma ‘coisinha’”, continuou.

    A questão, em sua visão, “está afetando a economia, está afetando os humores, está afetando o Banco Central, está afetando tudo. O setor bancário brasileiro sofreu um golpe grande. E os bancos são os primeiros a dizer que foi fraude. E, obviamente, as suspeitas são legitimas, mas tem autoridade para apurar até onde vai a responsabilidade”.

    Autonomia do Banco Central

    Sem citar nomes e situações diretamente, Haddad criticou o posicionamento político na cúpula do Banco Central.

    Haddad também afirmou que o grande problema da lei que formalizou a autonomia do BC em relação a intervenções do governo federal foi ter sido aprovada durante o mandato de Jair Bolsonaro, que, de acordo com ele, dificultou a transição entre governos.

    “Depois que a autonomia do Banco Central foi institucionalizada no Brasil, não só o presidente, mas todo o corpo técnico, da presidência pra baixo no BC, tinha que ter adotado uma postura de abstenção em relação à política partidária”, disse o ministro.

    “Não deve fazer campanha, não deve se pronunciar. É assim que é no mundo: se a pessoa tem autonomia, ela mudou de status. Ela deixou de ser um funcionário do governo e passou a ser funcionário do Estado brasileiro.”

    Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro e atual presidente do Banco Central, foi criticado por votar com uma camisa da Seleção brasileira, símbolo dos apoiadores do ex-presidente, e também por participar de um grupo de WhatsApp que reunia ex-ministros de Bolsonaro.

    Diretoria do BC

    O ministro disse que já levou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a indicação de três nomes “absolutamente técnicos” para ocuparem as duas diretorias do Banco Central que caberão ao atual governo preencher nas próximas semanas.

    “Eu tenho minha preferência, mas os nomes já estão com ele [Lula] e é ele quem vai decidir”, disse Haddad. “Levei um perfil mais acadêmico, um perfil mais técnico e um mais de mercado. Mas todos são pessoas que podem levar ao Banco Central uma contribuição.”

    As duas vagas que serão abertas e preenchidas por Lula, das nove diretorias que compõem o BC, são a do diretor de Fiscalização e o de Política Monetária, este um dos cargos-chave na condução dos juros.

    “São dois nomes em nove, não são eles que vão mudar a política econômica, mas sinalizam coisas importantes”, disse Haddad.

    Reforma tributária

    O ministro da Fazenda disse que está muito confiante na aprovação da reforma tributária no Congresso, e que ela é “muito necessária”. Para o ministro, o principal ponto da reforma será o Imposto sobre Valor Agregado – IVA. “O coração dessa reforma é o IVA. Sem o IVA não existe reforma”, afirmou.

    Haddad explicou que, a ideia agora é apresentar ao final do grupo de trabalho criado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, “o melhor das contribuições” e submeter ao plenário. “E obter, não sei se um consenso, mas algo próximo disso, para que tenhamos os votos suficientes para aprovar.”

    O ministro afirmou estar “muito bem impressionado com o andar da carruagem”, principalmente por conta do apoio dos governadores a favor da reforma.

    “Os sete governadores do Sul e Sudeste fizeram manifestação a favor da reforma. Prefeitos das grandes cidades estiveram comigo, expliquei a eles. Queriam outros projetos, que não são ruins, mas não funcionam agora, mas ficaram sensibilizados com meus argumentos e do Bernard Appy, que me acompanha como secretário especial da reforma tributária”, disse.

    Haddad diz esperar que se vote a matéria na Câmara a partir de junho ou julho.

    ICMS

    O ministro destacou que o apoio dos governadores para a reforma tributária se dá principalmente pela questão do ICMS. Segundo ele, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços estaria deixando os estados “ingovernáveis”.

    “Ninguém aguenta mais o ICMS. Uma coisa inadministrável. Um trilhão de reais e você não tem uma segurança jurídica para cobrar o imposto. Não sabendo quando a Justiça vai surpreender com uma decisão com o que pode ou não pode, como foi o caso do Pis/Cofins. Quando tirou o ICMS da base do Pis/Cofins, a União perdeu R$ 100 bilhões de um dia para o outro.”

    Esse montante, disse o ministro, é equivalente ao tamanho do déficit deste ano. “Precisamos trazer segurança jurídica para este país. Ou se reforça a base fiscal do estado e dê garantias de estabilidade ou o governador e o presidente da República vão ficar correndo atrás de novos impostos para cobrir o rombo.”

    Sistema de crédito

    Ao ser questionado sobre a estagnação no Brasil vive, Haddad disse que o sistema de crédito no país é muito ruim e caro.

    “Nosso sistema de crédito é muito ruim. Nós não temos crédito no Brasil. Nosso crédito é escasso. É caro. Você não consegue empreender. A pessoa tem uma boa ideia, sobretudo, às vezes ela é esperta, mas não teve a oportunidade de se educar. Estou falando como filho de imigrante semianalfabeto, meu pai. Nunca pisou em uma escola na vida e conseguiu ter sua lojinha, criar sua família”, disse Haddad.

    Sobre a arrecadação, o ministro disse que as empresas produtivas são punidas.

    “A empresa que é produtiva, paga seus impostos em dia, os seus trabalhadores em dia, concorre com um picareta, que não paga imposto, não paga direitos trabalhistas e que às vezes mata a empresa boa e sobrevive as custas de Refis [Programa de Recuperação Fiscal], de perdão”.

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