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    “Como falar com 5 gerações e 1 único slogan”, questiona co-autora do Manifesto sobre o Marketing do Futuro

    Documento neste ano com o objetivo de gerar um debate sobre a função dos marqueteiros e descolar a imagem da área do que fazem os publicitários

    Matheus Meirellesda CNN , São Paulo

    O marketing deve atuar em 3 dimensões: física, digital e social. Esse é o entendimento dos autores do Manifesto sobre o Marketing do Futuro, que propõe uma atuação em rede, com propósito e em tempo real, acompanhando as novas gerações.

    Os professores Rosário Pompéia e Silvio Meira lançaram o documento neste ano com o objetivo de gerar um debate sobre a função dos marqueteiros e descolar a imagem da área do que fazem os publicitários.

    “As teorias do marketing, estavam desde a era da revolução industrial, e elas não estavam olhando para os novos negócios que estavam surgindo, que estão surgindo, e que são plataformas. Então, observou-se, por exemplo, que não estava se utilizando efeitos de rede, que é uma estratégia utilizada em negócios de plataforma. Estava-se utilizando metodologias do passado. Foi esse um dos primeiros sinais que começamos a estudar esse fenômeno”, explicou Rosário Pomppeia, que atua como diretora de operações da LeFil e leciona na Católica Business School, da Universidade Católica de Pernambuco, e na Cesar.School. “O marketing deixou de ser feeling”, pontuou.

    No Manifesto, os autores ressaltam a necessidade de tratar o marketing como parte e imerso em um mundo físico, digital e social, mas sem considerar essas dimensões como “canais” de acesso, mas como um espaço comunitário.

    “Se no passado você fazia um produto ou serviço e anunciava ao mercado para ver quem queria, no presente, no ambiente de ecossistemas de comunidades, você está numa comunidade, sabe quais são os problemas dela, e vai atrás de produtos, serviços, negócios de experiências para resolver aqueles problemas. Essa inversão dos modelos de negócio ainda não foi completamente percebida não só por quem faz marketing, por quem faz a estratégia e por quem opera as empresas”, destacou Silvio Meira, que além de ser professor emérito do centro de informática da Universidade Federal de Pernambuco, é cientista-chefe da tds.company e fundador e presidente do conselho de administração do Porto Digital.

    Rosário afirma que das conversas para elaboração do manifesto, que duraram cerca de 4 anos e transpassaram pelas mudanças geradas pela pandemia de Covid-19, foi criada a teoria AEIOU, que abrange as palavras chaves para um marketing do futuro: Ambiente, Estratégia, Interação, Operação e Unificação. “Atualmente temos 5 gerações no Brasil. Como vou falar com 5 gerações com um único slogan? E será que eu preciso falar com as 5? Então essa forma de ser massa como antigamente não funciona hoje. Preciso conversar de forma mais nichada. E como vou operar esse marketing? Quem é responsável por entregar essa experiência? O marketing de produtos e serviço não existe mais, o que existe é a experiência”, ressaltou.

    O Manifesto destaca a importância de um posicionamento no mundo, ressaltando a reivindicação das novas gerações por um propósito. Segundo Silvio, o marketing tem a necessidade de aproximar. “As pessoas olham e dizem ‘essa experiência é coerente com a minha vida, minha visão de mundo’. Nesse sentido em particular, o marketing tem que deixar de ser um lugar dentro da organização para ser uma rede inteira, que olha de fora para dentro e de dentro para fora, e vê se a gente consegue se aliar a comunidades que estão fora, mas que ao mesmo tempo a gente quer que esteja na borda, na proximidade da empresa”, ponderou.

    Os autores também elaboraram o Manifesto sobre o Marketing do Futuro na Política, que aborda o impacto da área na tentativa de reaproximar os cidadãos de seus representantes. “o marketing do passado encapsulou a política no político, transformou o político em um produto, e vende ele no mercado. Fala “olha, bota sua transação aqui que essa pessoa vai te representar”. E lá na frente isso não acontece. Existe um descolamento entre minha intenção em ser representado e a representação efetiva”, destaca Silvio.

    Rosário sugere que não só o marketing, mas a sociedade como um todo, precisa se movimentar para debater as melhorias necessárias para o bem estar social. “A gente deixou de discutir qualidade de vida, humanidade, para discutir quem é que sobe e quem é que desce no poder. E isso está perpassando por todo mundo. Então a gente retoma nesse manifesto para dizer, gente, precisamos fortalecer a democracia. O Marketing deveria ter um papel nisso. É só o marketing? Não. O Estado tem um papel nisso, os políticos tem um papel nisso, a sociedade principalmente precisa acordar e querer discutir isso”, concluiu.

    Leia a entrevista completa:

    CNN: Quais foram os sinais do mercado que acenderam o sinal de alerta para as mudanças no marketing?

    Rosário: A gente começou a perceber que a estratégia se confundia com o que não era estratégia. Todo mundo fazia a mesma coisa em diferentes mercados e os resultados não estavam chegando. Então, foi olhando para essa angustia de que resultados o marketing precisava entregar e porque não estava entregando que nós percebemos que a base, as teorias do marketing, estavam desde a era da revolução industrial, e elas não estavam olhando para os novos negócios que estavam surgindo, que estão surgindo, e que são plataformas. Então, observou-se, por exemplo, que não estava se utilizando efeitos de rede, que é uma estratégia utilizada em negócios de plataforma. Estava-se utilizando metodologias do passado. Foi esse um dos primeiros sinais que começamos a estudar esse fenômeno.

    Silvio: Nós estamos vivendo uma mega transição. Uma transição de uma economia de fábrica em forma de plataformas, produtos, não só para serviços, mas para experiências. E isso tem um marco ali em 1995 quando a gente coloca o digital em rede. A chegada da internet não é simplesmente conectar pessoas. É criar possibilidades para tudo que já era e já vinha sendo transformado em digital de alguma forma ser conectado em rede. Isso faz com que, por exemplo, a gente possa virtualizar o domínio físico do espaço. Você chega lá e diz o que, vou fazer uma loja, só que vai ser online. Quando você diz que vai fazer uma loja online, não é pura e simplesmente criar um e-commerce. É você modificar toda uma cadeia de valor, cadeia se transformando em rede. Cadeia era passado e rede de valor passa a ser presente com a chegada da internet. E redesenhar como o mundo funciona. Ele passou a ter 3 dimensões, a dimensão física, digital em rede e social, onde a gente conecta, relaciona, onde a gente articula os agentes que estão na dimensão física e digital da realidade. Isso mudou simplesmente tudo, tornou obsoletas não só as teorias de marketing, mas também as teorias de estratégia para negócios. Tudo que a gente conhecia de logística, por exemplo, de varejo, começou a se tornar obsoleto muito rapidamente.

    CNN: Quando se fala em marketing do futuro para pessoa leiga, vem algumas palavras chave na cabeça. Plataforma, tendência, conexão, abordagem, estratégia. Esses 3 pontos, físico, digital e social, são os principais pilares na construção do marketing do futuro?

    Silvio: Quando a gente fala das 3 novas dimensões do espaço físico, digital e social, criando um espaço “Figital”, a gente está dizendo basicamente que, por exemplo, físico, digital e social não são canais. Canais de comunicação por exemplo são parte de uma teoria de 1948, que quando chegaram as redes sociais, o marketing simplesmente olhou para a internet, para as redes sociais, olhou e falou ‘ok, temos um canal digital e social’. Não é isso que acontece. A gente vê uma coisa muito mais complexa. Uma redefinição do que a gente faz quando a gente olha para redes, em termos de conexões, relacionamentos, interações possibilitadas pelas conexões de relacionamentos, de criação de significados comuns, formando comunidades e ecossistemas de comunidades habilitados por plataformas. Toda essa nova estruturação, articulação do mundo ao nosso redor, demanda um entendimento totalmente diferente do que é marketing, de modelos de negócios. Se no passado você fazia um produto ou serviço e anunciava ao mercado para ver quem queria, no presente, no ambiente de ecossistemas de comunidades, você está numa comunidade, sabe quais são os problemas dela, e vai atrás de produtos, serviços, negócios de experiências para resolver aqueles problemas. Essa inversão dos modelos de negócio ainda não foi completamente percebida não só por quem faz marketing, por quem faz a estratégia e por quem opera as empresas.

    Rosário: Tem uma resposta que o Manifesto já dá por si só. Silvio e eu estamos escrevendo esse manifesto. Eu venho da área de marketing, Silvio vem da área de estratégia, inovação e negócios. Primeira coisa que começamos a perceber é que não dava mais para pensar marketing e não pensar estratégia e negócios. Então, esse foi um dos primeiros sinais. Isso a gente vem vendo acontecer. Por quê não tem retorno? Outro sinal que gente observa é que no Brasil a gente teve uma tendência de colocar marketing como sinônimo de publicidade. Quando a gente foi fazer esse Manifesto, com muitas provocações das pessoas: tem o Manifesto, a gente também acha que não está legal, tem muita coisa para mudar, mas, e aí? Foi nesse momento que a gente criou uma teoria chamada AEIOU. Nessa teoria a gente diz, que o A é o Ambiente, precisamos pensar em um ambiente competitivo. Como vou construir uma estratégia de marketing se eu não entendo do ambiente competitivo. Vamos para o E de Estratégia. Qual a estratégia do negócio? Vou pensar em valor, valor é marketing. Toda a estratégia de se fazer um planejamento de marketing mudou. Essa teoria vai passando por todos esses pontos e esse planejamento vai acontecendo ao ponto de trazer os resultados que a gente deseja dentro do negócio.

    CNN: Quando a gente fala de AEIOU a gente fala em trabalho em rede, em todas as 5 frentes apontadas no Manifesto. Quando se fala em modo complementar e não excludente, também estamos falando dessa atuação associada, né?

    Rosário: O primeiro ponto é que o marketing não cabe em ser apenas um departamento. Já conversamos sobre diversas coisas. Desde ouvir o cliente, entender a necessidade de pessoas, e a pandemia trouxe muito isso para a gente. A gente tem que entender o comportamento das pessoas em tempo real, o tempo todo, porque tudo estava mudando muito. Essa teoria, tira o marketing do lugar de ser apenas um departamento, mas é um articulador. A partir do momento que eu vou discutir o ambiente do negócio, vou precisar das pessoas que estão definindo o negócio e junto com o marketing pensar sobre o ambiente. Quando eu vou pensar a estratégia de marketing, eu preciso saber para onde o negócio vai. Qual é o mercado? Vai para São Paulo ou ficar focado no Recife? Definições de negócio que vai posicionar. Por exemplo, se eu vou focar no Recife, não faz sentido fazer uma campanha nacional. Quando eu vou para as interações, eu vou pensar em que narrativas eu vou entregar. O que a gente percebe é que muitas vezes aquele slogan que a gente faz não dá conta de conversar com a diversidade de público. Atualmente temos 5 gerações no Brasil. Como vou falar com 5 gerações com um único slogan? E será que eu preciso falar com as 5? Então essa forma de ser massa como antigamente não funciona hoje. Preciso conversar de forma mais nichada. E como vou operar esse marketing? Quem é responsável por entregar essa experiência? O marketing de produtos e serviço não existe mais, o que existe é a experiência, pago mais pela experiência. Quem é o responsável? Como é que a gente vai fazer uma experiência que vai desde criar alguma coisa até um pós-venda? Não acaba quando eu compro. A troca é um dos principais problemas que temos na experiência de consumo? Todo esse processo leva a mais gente participar do marketing. Mesmo que o marketing opere, mas não posso sozinho pensar nisso, posso ser um articulador dentro da organização para ter mais resultados.

    Silvio: É como se a gente dissesse o seguinte: todos os negócios são 2 ecossistemas combinados. Um de inovação, que olha para o mundo mudando o tempo todo e trabalha a organização desse mundo mutante e um ecossistema de marketing, que faz com que a organização participe efetivamente desse mundo mutante. Então, desde a gente desenhar o cenário onde a gente compete, até a gente redesenhar o negócio para competir, passa a ser uma preocupação conjunta de inovação e marketing. Todo o negócio é uma combinação. A gente diz isso no manifesto, mostra como operar isso. Não é uma mágica, a gente transformou em coisas simples que podem ser feitas basicamente para qualquer negócio e para o planejamento de marketing de qualquer negócio em qualquer mercado. Não é mágica. A gente usa Inteligência Artificial, plataforma, usa redes, tudo que uma organização deveria saber para competir hoje no mercado. Mas, principalmente, a gente propõe refundar o marketing. O marketing como existia, como publicidade, de canais, de ‘vou tentar convencer as pessoas a fazerem uma transação comigo’ já não existe mais. Tenho que usar plataformas minhas ou de outros para formar comunidades e nessas comunidades interagir com essas pessoas e eventualmente essas pessoas com quem eu interajo se tornam meus clientes. Uma vez por outra, ninguém é dono de clientes, empresas não tem cliente. Isso é uma coisa que a gente desmonta também. Empresas se relacionam com pessoas e comunidades e, vez por outra, nessas comunidades, as pessoas fazem uma transação com você e são seus clientes, e quase como se fosse uma mágica. E é dessa mágica que a gente tem que cuidar com o marketing. O que o marketing tem que fazer para que as pessoas, quando forem procurar alguma coisa, me procurem, em vez de eu procurá-las. Essa inversão do modelo de negócios é a mágica do marketing do futuro.

    CNN: O Manifesto fala sobre o que o marketing precisa para avançar nesse futuro. O que o marketing deixou de ser? Principalmente no que diz respeito à velocidade, à fluidez, às pessoas como mídia, aos influencers. Como está se dando essa adaptação?

    Rosário: Deixou de ser feeling. Para quem trabalha há muito tempo com marketing, a gente via os grandes marqueteiros que chegavam em reuniões com grandes ideias que viravam grandes campanhas e ganhavam grandes prêmios. Não importava se tinha resultado ou não, o que valia era a criatividade. Hoje não se sustenta. A criatividade é muito importante, mas vai precisar de ciência, dados, para ser assertiva. Deixou de ser uma área onde a gente preza por essa magia de se fazer grandes campanhas e todo mundo comentar, mas para uma área que vai se tornar uma junção dessa criatividade para ser mais racional.

    Silvio: Nesse sentido, o Marketing precisa rever todo o processo de negócios. Precisa começar a reentender o processo como um esforço para descobrir, parta criar, despertar, satisfazer e sustentar a necessidade de pessoas como clientes. Eu faço uma grande campanha, ganho prêmio em Cannes, mas como isso descobre, cria, desperta, satisfaz e sustenta as necessidades das pessoas como clientes. O Marketing virou uma operação de negócios e isso é muito bom. Não estamos dizendo que o marketing perdeu espaço. O Manifesto diz que o marketing ganhou espaço. Passa a discutir o ambiente competitivo, a estratégia, orquestrar, criar e fazer com que aconteçam as interações que entregam as narrativas para a comunidade. Do ponto de vista na operação de entrega, ele leva em conta dados, algoritmos, reestrutura os processos da organização, para criar e entregar experiências, e de resto ele interfere como é que a gente redesenha uma organização para competir. Cada produto, serviço, novo mercado que entra, cada segmento que a gente entra, precisa de uma “organização apropriada”. O marketing do futuro pensa a organização como um todo. Assim como a inovação e a estratégia pensam a organização como um todo. O Marketing do Futuro deixa de ser publicidade, propaganda, ativação, para passar a ser um hub distribuído na organização inteira que orquestra com inovação como ela funciona no mercado. A gente insiste no Manifesto sobre essa coisa de inovação com marketing, porque há 50 anos, Peter Drucker, um dos maiores teóricos da gestão das organizações dos últimos 75 anos, já dizia que um negócio são só duas coisas: inovação e marketing. Tem muitos negócios que vemos ao nosso redor que nos entregam produtos físicos, pensamos, mas nos entregam experiências. Experiências encapsuladas em produtos físicos, mas eles não tem fábrica, só tem inovação e marketing. Não existe. Aquele produto é resultado de dois ecossistemas interativos de inovação e marketing.

    Rosário: A gente estudou muito o Marketing do Futuro durante a pandemia. Não foi construído do dia para a noite. Ele nasceu de uns 4 ou 5 anos de muita conversa. E na pandemia a gente começou a perceber a questão da velocidade. Quem tá fazendo marketing já está no ano que vem, não mais neste ano. A gente faz projeto com antecedência de pelo menos 6 meses. Ele é muito engessado. Ele é estático, né? A gente começa a perceber: como é que pode ser estático se a gente não sabe o que vai acontecer no mundo amanhã, por exemplo. Isso a gente também coloca no Manifesto. A estratégia vai de acordo com o que está acontecendo no mundo, ela não é estática. “Vou fazer a páscoa assim, São João assado”, não sei nem o que está para acontecer. Como é que a gente transforma essa estratégia dentro desse marketing de forma quase que em tempo real? O meu dia de ontem já mudou minha estratégia de hoje. É como a bolsa de valores. Se eu estou com um investimento que não está dando resultado, não tenho como esperar 15 dias para mudar alguma coisa. Preciso ter essa velocidade. A velocidade do passado não cabe mais hoje.

    CNN: Vocês falam no Manifesto sobre a necessidade de um posicionamento no mundo. Isso remete ao pertencimento, à relação entre negócios e pessoas. É aqui que o Marketing do Futuro conversa também com o ESG? De que forma isso se conecta ao Marketing do Futuro na Política?

    Silvio: O que a gente entende e a literatura científica inteira mostra, nossas pesquisas, é que cada vez mais, principalmente nas novas gerações, as pessoas e as comunidades são orientadas pelo propósito. Se você trabalha em um lugar, você quer saber o que você está fazendo ali, o impacto disso na sua vida. É claro que os boletos são importantes. Mas, entre um trabalho que tem propósito e um que não tem, se os boletos são pagos, você normalmente escolhe o que tem. Até porque isso vai definir o seu futuro. O mesmo começa a acontecer com essa transição de produtos e serviços para experiências. As pessoas olham e dizem “essa experiência é coerente com a minha vida, minha visão de mundo”. Nesse sentido em particular, o marketing tem que deixar de ser um lugar dentro da organização para ser uma rede inteira, que olha de fora para dentro e de dentro para fora, e vê se a gente consegue se aliar a comunidades que estão fora, mas que ao mesmo tempo a gente quer que esteja na borda, na proximidade da empresa. Como é que a gente vai gerir isso? Quando é que a gente vai parar de fazer pesquisa de opinião e usar dados de plataformas e comunidades que estão em tempo real? Como eu sei que as pessoas estão me abandonando para fazer outras coisas? Como sei que elas poderiam voltar e desenharia essa volta? Como desenho essa experiência única para cada um e unificada no ponto de vista da organização inteira que entrega alguma coisa? Se a gente transpor isso para política, falando do Manifesto sobre o Marketing do Futuro da Política, a gente vê esse mesmo problema na política. A gente vê um conjunto muito grande de sinais que mostram a desidratação da política, o enfraquecimento dos partidos, uma apatia imensa do cidadão em relação ao que a política entrega como resultado. Isso acontece em parte porque o marketing do passado encapsulou a política no político, transformou o político em um produto, e vende ele no mercado. Fala “olha, bota sua transação aqui que essa pessoa vai te representar”. E lá na frente isso não acontece. Existe um descolamento entre minha intenção em ser representado e a representação efetiva. Porque a política não é uma plataforma. Os políticos não formam comunidades. Uma vez eleitos, a gente vai conversar com eles nas próximas eleições. E esse descolamento em um mundo em rede, onde conexões, relacionamentos e interações são os que criam os significados comuns e contínuos, estão criando um descolamento entre o cidadão e a democracia. A gente olha para países da Europa e para os Estados Unidos, a abstenção em eleições não obrigatórias já gira em torno de metade de todos os potenciais eleitores. No Brasil ela cresce continuamente desde a Constituição de 1988, e estamos com mais de 20% de abstenção em eleições federais. Com tudo isso que temos que resolver no país, o eleitor perdeu o interesse porque o marketing transformou o eleitor em um lide para ser transformado em voto.

    Rosário: Essa questão do propósito é fundamental agora porque se a gente for pensar nas gerações passadas, a gente comprava uma marca porque todo mundo tinha. Essa geração atual compra porque “não estou usando um creme que faz teste em animal”. O propósito mudou, muito influenciado por essa nova geração, que não quer comprar uma roupa necessariamente porque todo mundo tem, mas quer se mostrar diferente desse universo massificado. Então, o propósito também ganhou muita repercussão por conta do compromisso que a sociedade está cobrando de quem é empresa. Os mercados estão vendo alguns produtos saindo de linha porque as pessoas não querem. As pessoas estão tendo o poder de fechar alguns negócios. E isso foi muito bem organizado e as manifestações também por conta da internet. A internet ajudou a aproximar aquela quantidade de pessoas que pensavam juntos e que antes não tinham como se organizar. Pensando nessa questão do propósito, isso traz uma grande preocupação. O que a gente quer na política? Quer qualidade de vida, que a pobreza não exista. Só que esse não é o foco da política. O foco da política hoje é o projeto de poder. A gente vive em diversas campanhas de marketing para poder chegar, manter poder ou tirar poder. A gente deixou de discutir qualidade de vida, humanidade, para discutir quem é que sobe e quem é que desce no poder. E isso está perpassando por todo mundo. Então a gente retoma nesse manifesto para dizer, gente, precisamos fortalecer a democracia. O Marketing deveria ter um papel nisso. É só o marketing? Não. O Estado tem um papel nisso, os políticos tem um papel nisso, a sociedade principalmente precisa acordar e querer discutir isso. A gente está num processo em que as pessoas não querem discutir política. E isso é muito grave. Não preciso gostar de política, no sentido de querer qualidade de vida para as pessoas. Não é a questão partidária. Então a gente está provocando. A eleição está chegando e a gente precisa mudar o que está posto, senão a gente não vai conseguir de fato ter uma melhor qualidade de vida para o país da gente, que é através da política pública e da democracia representativa e participativa. Não tem outro caminho.

    Silvio: Não tem outro caminho porque o Estado tem o monopólio de coleta de recursos da sociedade para fazer certas coisas. Boa parte dessas coisas é qualidade de vida. Quando a gente olha para o que é coletado da sociedade para o Estado fazer, não adianta dizer que o Estado é ineficaz, ineficiente, e a cidadania tem que se organizar para desenrolar isso, porque você está capturando 30-40% de tudo que a sociedade produz para fazer uma certa coisa, criar qualidade de vida em larga escala. A gente tem que fazer o Estado funcionar. E o Estado funciona com a democracia de preferência, que entre todos os regimes que são ruins é muito absurdamente melhor que qualquer outro. E essa crise da democracia tem que ser enfrentada com o redesenho da democracia, da política e do marketing da política, que foi quem prendeu os políticos nessa caixa de ser um produto que eu anuncio como se fosse uma lata de biscoito, e que quero que as pessoas comprem aquilo e só voltem a falar do assunto daqui 4 anos. Enquanto a gente estiver funcionando assim, a gente corre um risco muito grande de fragilizar de ter um ambiente de não retorno na democracia.

    CNN: Quais mudanças o marketing do futuro se propõe a trazer para o mercado, instituições, empresas e para a política?

    Rosário: A primeira coisa que a gente queria com o manifesto era provocar o debate. E estamos conseguindo. A gente está completamente certo? Não sabemos. Mas as pessoas precisam se sentir provocadas. No Brasil, a gente tem condição de discutir uma nova teoria de marketing. Por quê a gente não começa por aqui, e fica esperando o que vai acontecer nas eleições americanas para reproduzir aqui? O segundo ponto é, a partir do momento que a gente provocou, fomos provocados para apresentar uma solução. A gente propõe uma nova teoria. Não adianta uma teoria que não seja testada, então precisamos experimentar. O que a gente mais quer é que as pessoas experimentem. No Recife, mais de 50 empresas estão experimentando a teoria do AEIOU. E a gente vai melhorando essa teoria com os resultados das pessoas. O que a gente mais quer é ver resultados concretos. A gente quer que as escolas que formam profissionais se repensem. A academia está num lugar, o mercado está em outro. A gente quer mudar as grades curriculares, que os profissionais de marketing tenham espaço de experimentar para inovar, marcas com mais propósito, e política que venha de fato transformar a sociedade.

    Silvio: Se a gente resumisse o Manifesto em 10 pontos, o ponto 1 é o seguinte, o mundo não funciona em canais, mas em fluxos nas dimensões do espaço digital. O futuro são redes e narrativas em redes. Não é propaganda. O público foi transformado em comunidade através de plataformas e efeitos de rede. Tudo isso, fluxos, redes, narrativas, plataformas, comunidades e efeitos de rede, levam todo mundo a procurar o que são os significados que geram os propósitos nos ecossistemas de comunidades. Do ponto de vista de marketing, isso necessariamente faz com que o marketing seja a estratégia e o negócio simultaneamente e evoluindo o tempo todo. Porque a rede não fica parada lá fora esperando o seu próximo passo. Ela age sozinha. Cada agente em rede é interdependente e co-evolui com todos os outros agentes. Para esse processo de evolução, o marketing do futuro propõe um redesenho de como é que a gente cria valor e uma reestrutura das organizações para criar esse valor em rede. Você não vai conseguir fazer com que uma organização piramidal competir em rede e que tem uma dinâmica de tempo real. A dinâmica das redes é em tempo real. Você descobre isso não fazendo pesquisas, mas usando dados. A gente tem um método para fazer isso, a teoria que trata o ambiente, a estratégia, as interações, as operações e a unificação disso tudo no redesenho da arquitetura e da organização para competir em rede. E isso depende de gente com experiência prática de fazer as coisas. Isso implica em redesenhar o processo de formação de todo mundo que tem que entender de marketing. Assim como todo mundo tem que entender de inovação, estratégia e tecnologia, a gente tem que entender de marketing.