Campos Neto e Lula: quais os principais atritos dessa relação?
Presidente da República voltou a criticar chefe do BC nesta terça (18); atritos se arrastam desde início da atual gestão do petista
O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a atacar o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, nesta terça-feira (18).
Em dia de reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), Lula, em entrevista à Rádio CBN, acusou o chefe da autarquia de ter lado político.
“Um presidente do BC que não demonstra nenhuma capacidade de autonomia, que tem lado político, e que, na minha opinião, trabalha muito mais para prejudicar do que para ajudar o país”, disse o presidente.
A alta cúpula do BC divulga sua decisão sobre o patamar da Selic, a taxa básica de juros, ao final da reunião, na quarta-feira (19).
As expectativas do mercado têm se deteriorado nas últimas semanas e apontam para uma manutenção dos juros em 10,5%. Para Lula, isso é um sinal de “desajuste” na autarquia.
“É o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Não tem explicação a taxa de juros do jeito que está”, pontuou o chefe do Executivo.
Mas as rusgas entre o governo atual e o indicado ao BC pelo governo anterior não vem de agora. A autonomia da autarquia esteve no centro da tensão desde o início do mandato.
Autonomia do Banco Central
Em 2021, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a lei que dá autonomia ao Banco Central. A mudança estabeleceu que o trabalho de quatro anos dos indicados a chefiar a autarquia se inicia no primeiro dia útil do terceiro ano do mandato do presidente da República.
Ou seja, um governo pode ter de lidar por metade de sua extensão com o indicado da administração anterior. É exatamente esse o caso entre Lula e Campos Neto.
Desde início do governo, o presidente da República indicava descontentamento com o BC autônomo. O atual mandatário recebeu o cargo com a Selic em 13,75%, e não deixava de atacar o Banco Central, os juros e o patamar atual das metas de inflação.
Em fevereiro de 2023, o Copom realizaria sua primeira reunião no terceiro mandato de Lula. A decisão: manter a taxa no mesmo patamar que vinha desde agosto do ano anterior. A ata dessa reunião foi descrita como “malcriada” pelo Planalto e fez o presidente passar a criticar Campos Neto abertamente.
O que o governo esperava era uma mudança no tom na divulgação do Copom, com uma sinalização mais otimista.
Ainda naquele mês, Lula disse em entrevista exclusiva à CNN que o governo iria reavaliar a autonomia do BC no fim do mandato de Campos Neto.
“O que eu quero saber é o resultado [de um BC autônomo], o resultado vai ser melhor? Um Banco Central autônomo vai ser melhor? Vai melhorar a economia? Ótimo, mas se não melhorar, nós temos que mudar”, disse.
Na ocasião, o presidente apontou que o BC “não é independente, é autônomo”, e que por tanto teria contas a prestar com a sociedade brasileira, com o Congresso Nacional e com ele próprio, Lula.
O chefe do Executivo ainda reforçou que não era o papel dele “ficar brigando” com o presidente do BC, mas que buscaria conversar quando necessário. Esse diálogo demoraria meses até acontecer.
Por outro lado, no mês seguinte, em março, Lula faria novas críticas a taxa de juros em 13,75% no Brasil e disse que iria “continuar batendo” no Banco Central.
Campos Neto não cedeu às críticas do Executivo e reforçou em coletiva de imprensa que a autarquia é um “órgão técnico” e que, por isso, “não deveria se envolver em termos políticos”.
Desde essa época, o BC sinalizava um bom relacionamento com o Ministério da Fazenda, o que viria a ser importante para a construção do diálogo.
Na ocasião, o presidente da autarquia disse ter “convicção” de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é “bem-intencionado”.
Lula manteve a sua promessa e não recuou no ringue. Às vésperas do Copom de março, Lula voltou a criticar a condução da política monetária e taxou como irresponsável a manutenção da Selic em 13,75%. Ao final da reunião, a taxa seguia no mesmo nível.
Novela dos juros altos
Não só Lula, mas aliados como o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, têm atacado o chefe do BC.
Após a decisão do BC em março, Lula reforçou as críticas diretas a Campos Neto e cobrou pela falta de diálogo ao comparar que ele conversava com Henrique Meirelles quando este presidia a autarquia.
“Quem tem que cuidar do Campos Neto é o Senado que o indicou. Ele não foi eleito pelo povo, não foi indicado pelo presidente, ele foi indicado pelo Senado. Se esse cidadão quiser, nem precisa conversar comigo, mas ele tem que cumprir a lei que estabeleceu a autonomia do Banco Central”, apontou o presidente da República.
À época, a base aliada de Lula no Senado foi na contramão dos ataques do governo contra Campos Neto e sinalizava apoio a ele e a autonomia do BC.
Em meio às críticas, o presidente do BC voltou a defender a manutenção dos juros altos para o controle da inflação no longo prazo.
“O desafio nosso é comunicar o que estamos fazendo e estamos em um ciclo independente do ciclo político; por isso tivemos autonomia”, afirmou durante evento do think tank Esfera Brasil no dia 5 de abril de 2023.
No dia seguinte, Lula voltaria a dizer que não buscava atrito com o BC, mas agora com motivo: ele não iria “ficar brigando com o presidente do Banco Central, porque ele tem dois anos de mandato” e logo se discutiria um novo nome para ocupar o cargo.
Os indicados, segundo Lula, seriam pessoas da mais alta responsabilidade, porque “nós não vamos brincar com a economia”, disse o presidente em cobrança ao BC para que o banco se preocupasse também em promover crescimento econômico e gerar empregos.
“Se eu, como presidente, não puder reclamar dos equívocos do presidente do Banco Central, quem vai reclamar? O presidente americano? Me desculpem, o Banco Central tem autonomia, mas ele não é intocável”, afirmou no começo de maio.
O governo continuaria batendo até setembro – pelo menos neste primeiro momento. Entre as críticas de Lula estavam o fato de se ter que gastar 13,75% com juros e não com investimentos.
O presidente chamava de “irracional” os juros altos, e que a cobrança pela queda não vinha do governo, mas sim das pessoas. E nesse sentido, Lula reforçava a crítica a Campos Neto ao dizer que o presidente do BC “não entende de Brasil” e “de povo”.
Então veio a reunião de agosto do Copom. Após sete manutenções da taxa em 13,75%, o BC cortaria pela primeira vez em três nos a Selic, em 0,5 ponto percentual.
Apesar do movimento para baixo, o governo federal não recuou nas críticas. No dia 1º de setembro, Lula subiu ao palanque para reforçar que os juros ainda estavam altos.
“[Campos Neto] precisa saber que é presidente do Banco Central do Brasil”, disse o chefe do Executivo, que voltou a questionar a falta de diálogo com a autarquia.
A conciliação: na cena, Fernando Haddad
Desde o início do governo, o ministro da Fazenda buscou manter o canal aberto entre a equipe econômica do governo e a autarquia.
Em uma reunião de rotina em abril, Haddad pontuou que entre os dois, ele e Campos Neto, se conversava “sobre tudo”.
“A gente conversa sobre vários temas, alinha informações, troca informações e estabelece alguns protocolos de como encaminhar as coisas. Foi muito boa [a reunião], conversamos sobre tudo, não teve uma pauta específica”, disse Haddad após o encontro.
Em setembro, o presidente do BC convidaria Lula para uma reunião, de acordo com apuração da CNN. O encontro seria o primeiro entre os dois.
E foi Haddad quem intercedeu para convencer o presidente da República de que o encontro seria importante para reestabelecer relações institucionais.
A reunião, que contou com o chefe da equipe econômica do governo, durou cerca de 1h20. Segundo o ministro da Fazenda, Lula não teria feito nenhum pedido chefe do Banco Central, e destacou que o “importante é a interação”.
“Foi uma relação institucional, de excelente nível, de aproximação institucional, como fizemos com a Câmara, com Senado, Supremo. Agora entramos em uma nova fase da relação institucional da presidência com o Banco Central, essa aproximação estava acontecendo naturalmente com o ministério [da Fazenda]”, avaliou Haddad.
No final do ano, Campos Neto foi convidado para um churrasco de confraternização na Granja do Torto. O presidente do BC passou aquela noite, de acordo com relatos, próximo do ministro Haddad.
Mas em uma breve conversa com Lula, os dois falaram das projeções de crescimento econômico para 2024. O tom, de acordo com observadores, foi amistoso.
Novas cobranças
No final de maio deste ano, Lula voltou a cobrar Roberto Campos Neto para reduzir a taxa básica de juros para fazer novas políticas de empréstimos, em meio a tragédia climática no Rio Grande do Sul.
“Espero que o BC veja a nossa disposição de reduzir a taxa de juros e, quem sabe, colabore conosco reduzindo a taxa Selic para que a gente possa emprestar em taxa mais barata”, comentou.
A situação volta a esquentar nesta terça-feira com as expectativas de que os juros só voltem a cair no ano que vem, após o Copom já ter optado por frear o ritmo dos cortes na Selic na reunião de maio.
O presidente da República não só acusou Campos Neto de ter um “lado político”, como apontou para onde ele estaria indo.
“O que é importante é saber a quem esse rapaz [Campos Neto] é submetido? Como é que ele vai numa festa em São Paulo quase que assumindo a candidatura a um cargo no governo de SP? Cadê a autonomia dele?”, criticou Lula.
Questionado sobre uma eventual impressão de que Tarcísio teria influência nas decisões de Campos Neto no Banco Central, Lula respondeu: “olha, sinceramente, [Tarcísio] tem mais do que eu”.
“Não foi que ele se encontrou com o Tarcísio numa festa. A festa foi do Tarcísio para ele. Foi uma homenagem que o governo de São Paulo fez para ele, certamente porque o governador de São Paulo está achando maravilhoso a taxa de 10,50%.”