Brasil se prepara para emissões ESG em meio a críticas sobre política ambiental
A ideia é fazer as emissões tão logo seja concluído o chamado arcabouço ESG, que permitirá uma avaliação sistematizada da performance do país nessas áreas
De olho no objetivo de aumentar a participação do investidor estrangeiro na dívida pública federal, o Tesouro Nacional começa a preparar terreno para o lançamento de emissões soberanas que levem o selo ESG, vinculado a boas práticas nas áreas ambiental, social e de governança.
A ideia é fazer as primeiras emissões tão logo seja concluído o chamado arcabouço ESG, que permitirá uma avaliação sistematizada da performance do país nessas áreas, com informações sobre indicadores e métricas de desempenho e também um mapeamento dos programas e despesas orçamentárias relacionados à agenda de sustentabilidade.
O subsecretário da Dívida Pública, José Franco de Morais, diz que, em um cenário otimista, os títulos ESG podem ser lançados até o final deste ano, mas que não há compromisso com datas. A emissão, segundo ele, será a consequência de um processo em que o Tesouro atua como facilitador, fornecendo a fundos de investimento e a agências de rating dados e esclarecimentos sobre os temas ESG.
“É uma tendência inexorável, um caminho sem volta. O investidor está cada vez mais dando atenção a esses temas, principalmente os estrangeiros”, disse à Reuters.
O esforço do Tesouro de atender a essa demanda ocorre em meio a críticas crescentes à política ambiental do governo Bolsonaro, particularmente na Amazônia. Diante do aumento do desmatamento e do enfraquecimento dos órgãos ambientais, o governo tem sido alvo constante de ONGs internacionais e também de outros governos.
Para Franco, o papel do Tesouro é oferecer dados e mostrar o que está sendo feito para lidar com as principais questões. “Uma coisa é a retórica, os indicadores são mais importantes. Havendo dados ruins, vamos analisar, explicar o que está sendo feito na área em termos de políticas públicas”, diz.
Franco destaca que o país tem pontos fortes na área ambiental, com destaque para sua matriz energética, que é uma das mais limpas do mundo. Também cita a atuação do vice-presidente Hamilton Mourão à frente do Conselho Nacional da Amazônia na coordenação de políticas para a região.
Na área social, o Bolsa Família é um dos principais cartões de visita do país, com impacto comprovado sobre indicadores de pobreza. Franco esclarece, no entanto, que recursos levantados com eventuais emissões vinculadas a um programa como esse não serão diretamente canalizados a ações específicas do programa. Com um Orçamento considerado excessivamente engessado, não está nos planos do governo propor vinculações adicionais.
A ideia, com a estratégia ESG, é mostrar aos investidores que o país adota políticas públicas e direciona despesas orçamentárias voltadas à sustentabilidade, o que garante retornos no longo prazo e justifica o selo que atesta as boas práticas. Os recursos levantados com as emissões, no entanto, poderão ser gastos livremente pelo governo, inclusive com a rolagem da própria dívida.
A participação dos estrangeiros na dívida do Brasil caiu nos últimos cinco anos, afetada pelo baixo crescimento econômico do país e por um desequilíbrio fiscal crônico que contribuiu para a perda, a partir de 2015, do grau de investimento concedido pelas agências de classificação de risco.
No ano passado, os não residentes, que chegaram a deter quase 19% da dívida mobiliária interna em 2015, fecharam dezembro com 9,2% do total, menor fatia em 11 anos. Considerando também a dívida externa, a participação estrangeira na dívida pública federal está em torno de 14%.
A expectativa do governo é que, após o período da pandemia, em que a maioria dos emergentes sofreu para atrair capital estrangeiro, a liquidez gerada pelas medidas de enfrentamento à crise em todo o mundo volte a fluir para essas economias. A preocupação é que o Brasil esteja preparado para competir por esses recursos, o que dá mais urgência à pauta ESG.
Na América Latina, outros países também estão avançando na agenda. O Chile já lançou títulos ESG e o México já tem um arcabouço para as emissões.
Para o Tesouro, além de contribuir para a atração do investidor estrangeiro, que tradicionalmente tem preferência por títulos mais longos e prefixados –os quais dão mais previsibilidade à gestão da dívida–, o arcabouço ESG também contribuirá para dar maior transparência aos gastos públicos. Com métricas e parâmetros que avaliarão os resultados das políticas, a expectativa é que o novo modelo funcione como uma prestação de contas à sociedade dos gastos do governo.