Brasil precisa evitar que regulamentação deixe carros mais caros, diz Volkswagen
Setor aguarda definição de regras que podem guiar investimentos no programa automotivo Mover
As regras do novo programa de incentivo ao setor automotivo brasileiro devem mirar sobre tendências globais para que o país evite encarecimento dos veículos, em um momento em que o setor parece acelerar em direção à eletrificação, defende o presidente da Volkswagen no Brasil, Ciro Possobom.
O governo federal lançou no fim do ano passado as linhas gerais do programa automotivo Mover, enfatizando preferência por produção local de modelos de baixa emissão de carbono, como os híbridos flex e elétricos, e o setor agora vive a expectativa sobre como serão as regras que podem nortear investimentos de 100 bilhões de reais no país até 2029.
“A direção que foi dada é boa, é positiva”, disse Possobom em entrevista recente à Reuters. “Agora é preciso definir bem essa regulamentação, com atenção, para não sermos uma jabuticaba, com uma regulamentação super específica que faça com que o preço do produto fique mais alto. Acho que isso é o cuidado que se tem que ter”.
No início do mês, a Volkswagen do Brasil anunciou investimentos de 9 bilhões de reais no país entre 2026 e 2028, que se somarão a aportes de 7 bilhões já previstos para entre 2022 e 2026, com boa parte dos recursos sendo destinada a novos veículos, incluindo híbridos e elétricos.
Segundo Possobom, o primeiro brasileiro a comandar a Volkswagen do Brasil nos 70 anos de história da montadora no país, o anúncio do Mover e a entrada em vigor do aumento do imposto de importação sobre veículos eletrificados não foram os únicos gatilhos para o anúncio do investimento, que ocorreu poucos dias depois de a General Motors lançar plano de injetar 7 bilhões de reais no país até 2028.
O executivo citou o atual ciclo de queda dos juros, que tende a facilitar os financiamentos a consumidores de carros novos, e o próprio ciclo de produtos da Volkswagen, que atualmente vende no Brasil 11 veículos diferentes, incluindo o líder da categoria de automóveis no ano passado, o Polo.
O plano de investimento da marca, até agora o maior anunciado no atual ciclo do setor no país, prevê lançamento de 16 novos veículos até 2028, incluindo alguns híbridos e elétricos.
“Temos seis plantas (fábricas) aqui na região, quatro no Brasil e duas na Argentina… tem carros, tem plataformas chegando para todas as fábricas, motores novos”, disse Possobom, evitando dar detalhes, mas citando que a marca pretende lançar quatro carros no Brasil este ano. “Isso mostra o apetite que a Volkswagen como grupo tem” sobre o país, acrescentou.
O ânimo da companhia existe apesar de Possobom citar margens comprimidas do setor, que convive com um nível de cerca de 50% de ociosidade de sua capacidade produtiva de 4,5 milhões de veículos por ano há anos e com a chegada de rivais da China, como BYD e GWM, que estão apostando apenas em híbridos e elétricos no Brasil.
Atualmente, a Volkswagen comercializa, via modelo por assinatura, apenas dois modelos elétricos no Brasil, o utilitário ID.4 e a Kombi elétrica ID.Buzz, ambos importados. A marca ainda não produz modelos eletrificados no Brasil.
“A gente tem que ter muito cuidado com esse movimento de eletrificados. Eles não vão dar um salto de 4,5% (de participação no total vendido em 2023) para 50% amanhã. Isso não vai acontecer”, disse o executivo.
Em janeiro, em meio à antecipação gerada pela volta do imposto de importação, a participação dos veículos eletrificados nas vendas totais de veículos novos no Brasil foi de 7,9%, e Possobom afirmou que o movimento de aceleração das vendas dessa categoria pode se repetir neste mês.
“Sabendo que (o imposto) ia subir em janeiro, muita gente trouxe em dezembro e agora tem que desovar esses carros. (As vendas de) fevereiro vão subir bastante”, disse.
RIVAIS CHINESES
Possobom afirmou que a transição da eletrificação de veículos no Brasil será mais longa que em mercados maduros como Europa e Estados Unidos, que usaram subsídios governamentais para incentivar a tecnologia. Mas os planos de investimento incluem a produção no país de um motor híbrido que vai equipar um dos futuros modelos da marca.
Sobre os novos rivais chineses no Brasil, Possobom afirmou que o retorno do imposto de importação “vai realmente ajudar a normalizar um pouco essa competição… Eles vão começar a produção e vão começar a jogar o jogo aqui, de igual pra igual”, afirmou.
Na quarta-feira, a GWM, que assim como a BYD começou a vender seus carros no país via importação, anunciou adiamento da abertura de sua fábrica no interior de São Paulo de maio para o segundo semestre, citando as medidas do governo federal. A empresa também mudou planos de produção de iniciar a fábrica com uma picape para começar com a montagem de um SUV.
“É um crescimento rápido (das marcas chinesas no Brasil). A gente já viu esse movimento em outros mercados também, eles estão chegando, estão fortes… mas agora os impostos estão subindo, então acho que talvez isso dê uma reduzida nesse crescimento”, disse o executivo. “Eles vão pegar uma parte desse mercado (de eletrificados), mas a gente também vai trazer alguns carros para poder aumentar essa competição.”
Atualmente, a Volkswagen opera suas fábricas no país com dois turnos, quando poderia chegar a três se houvesse demanda.
“Se o mercado vier um pouco mais forte, eu tenho essa flexibilidade de aumentar (a produção) sem necessariamente fazer novos investimentos em plantas”, disse o executivo, sem comentar a capacidade produtiva atual da Volkswagen no Brasil.
Para o mercado ser mais pujante, é preciso um aumento da renda, afirmou o executivo, algo que Possobom afirmou torcer para ocorrer ainda nesta década, ao mencionar o pico histórico de vendas no Brasil, de 3,8 milhões de veículos, em 2012.
Mas a retomada desse nível de vendas, segundo o executivo, também depende do resultado da chegada das novas tecnologias, como a eletrificação, que é mais cara que o tradicional motor a combustão, e melhora da escala de produção, que pode implicar em custos menores e preços mais baixos dos veículos. O carro mais barato da Volkswagen é atualmente o próprio Polo, que custa a partir de cerca de 90 mil reais.
Questionado sobre uma eventual volta da marca ao segmento de subcompactos, que é um interesse do governo para o retorno do chamado “carro popular”, Possobom foi categórico: “Não, não vou fazer, não vou fazer o novo Gol. Não, as margens são muito apertadas nesse segmento”, disse o executivo.
Atualmente, os carros mais baratos do país são o Fiat Mobi, da Stellantis, e o Kwid, da Renault, que estão na faixa dos 70 mil reais. “A gente acredita nos carros compactos para cima, como o Polo, não muito nos subcompactos”, disse o presidente da Volkswagen Brasil.